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A falĂȘncia da PrevidĂȘncia Social

  • Foto do escritor: Marcos Cintra
    Marcos Cintra
  • 2 de fev. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de fev. de 2024

A falĂȘncia da previdĂȘncia social e a urgĂȘncia de uma nova base de financiamento


Este artigo busca provocar uma reflexĂŁo sobre a proposta de uma nova base para  financiar a nossa previdĂȘncia social baseado em uma contribuição financeira que pode potencialmente reduzir ou eliminar os descontos no salĂĄrio do trabalhador e nas empresas.


É necessĂĄrio compreender a magnitude da crise na nossa atual previdĂȘncia – o dĂ©ficit apenas nas contas do RGPS em 2023  alcançou surpreendentes R$ 283 bilhĂ”es e pode superar R$ 300 bilhĂ”es me 2024.  O regime de aposentadoria rural, que atende quase 10 milhĂ”es de pessoas (cerca de um quarto de homens acima de 60 anos e de mulheres acima de 55 anos) absorve 1,60% do PIB, sem praticamente qualquer cobertura financeira especĂ­fica. O dĂ©ficit atuarial dos funcionalismo pĂșblico brasileiro atinge a inacreditĂĄvel  quantia de R$ 6 trilhĂ”es, ou mais de 90% da dĂ­vida pĂșblica lĂ­quida do paĂ­s. E enquanto isto tudo ocorre, a generosidade polĂ­tica brasileira permite que os gastos previdenciĂĄrios entre 1980 e 2022 tenham crescido 3,9% ao ano, ao passo que o crescimento da população tenha sido de apenas 1,3%, segundo o ObservatĂłrio de PolĂ­tica Fiscal do IBRE/FGV.


Diante dessa realidade alarmante, evidencia-se a urgĂȘncia em adotar medidas corretivas efetivas. 


O Brasil é conhecido por sua alta carga tributåria sobre os trabalhadores formalizados, causando dois problemas principais: a substituição dos trabalhadores por métodos poupadores de mão de obra e o aumento da informalidade. 


A previdĂȘncia social constitui uma segurança essencial para cidadĂŁos que perdem sua capacidade de trabalhar, exigindo a decisĂŁo entre um sistema de repartição (pay as you go) ou de capitalização(contas individualizadas).


O regime de repartição vigente no Brasil continua sendo a opção mais viĂĄvel (dados os custos astronĂŽmicas de migração para o regime de capitalização) e melhor do ponto de vista distributivo,  garantindo benefĂ­cios a todos os cidadĂŁos, independentemente de eventuais dĂ©ficits ou de estrita correspondĂȘncia com contribuiçÔes individuais. Por ser fundamentalmente uma opção de polĂ­tica pĂșblica e nĂŁo uma escolha de seguro individual, os custos do INSS devem ser arcados por toda a sociedade, e nĂŁo apenas pelos integrantes do mercado de trabalho, como aliĂĄs jĂĄ previsto na Constituição brasileira. Essa relação pĂșblica Ă© legalmente reconhecida no Brasil, transformando a previdĂȘncia em um componente-chave na complementação de renda dos cidadĂŁos, diferentemente do conceito de seguro individual. 


Para financiar esse regime, as receitas gerais (impostos) ou contribuiçÔes sĂŁo fundamentais: no primeiro caso estabelecendo uma ligação entre a sociedade como um todo e a previdĂȘncia ( como no caso de financiamento com impostos), e no segundo, entre setores especĂ­ficos da sociedade e a previdĂȘncia mediante vinculação de recursos (como no caso de contribuiçÔes). Ademais, como nĂŁo se cansa de dizer Fernando Resende, nĂŁo faz sentido a existĂȘncia do orçamento da seguridade, visto haver a obrigatoriedade de cobertura de seus eventuais dĂ©ficits com recursos do orçamento da UniĂŁo, o que pressiona da vez mais fortemente os gastos discricionĂĄrios , inclusive investimentos pĂșblicos, que jĂĄ sĂŁo mĂ­nimos.


Dado esse quadro, agora nos deparamos com um dilema: o financiamento deve ser balizado pelos tributos (nĂŁo necessariamente contribuiçÔes) do tipo IVA (valor agregado) ou “turnover” (cumulativos)? Independentemente do caminho que decidirmos seguir, existem prĂłs e contras em cada abordagem que devem ser cuidadosamente avaliados para garantir a solvĂȘncia do sistema previdenciĂĄrio.


Em meio à emergente e assustadora crise previdenciåria brasileira, novas formas de financiamento do RGPS e dos demais regimes devem ser avaliadas. 


Do ponto de vista macroeconĂŽmico,  Ă© aconselhĂĄvel que o financiamento do sistema nĂŁo dependa da folha de pagamento das empresas por razĂ”es jĂĄ sobejamente conhecidas, principalmente a expansĂŁo das novas formas de contratos de trabalho independente e da prĂłpria digitalização da produção. A desoneração do trabalho Ă© medida para evitar a crescente informalização do mercado de laboral e, consequentemente, o enfraquecimento das fontes de financiamento da previdĂȘncia social.


Diante disso, sugere-se a taxação sobre o faturamento das empresas (como a Cofins) ou sobre a movimentação financeira (como foi o IPMF/CPMF) ao invés dos salårios dos trabalhadores. Essa abordagem  visa ajustar a receita previdenciåria aos seus custos e distribuir a carga tributåria especialmente para aqueles que atualmente trabalham na informalidade. Mudar o fato gerador das contribuiçÔes sociais ao INSS para o faturamento, lucro ou movimentação financeira é uma possibilidade. 


O  lucro é uma base jå tributada excessivamente no Brasil (34% com a CSLL). Portanto, a anålise fica restrita à escolha entre a base de faturamento e a base de movimentação financeira (não hå nem como cogitar de uma sobretaxa sobre o IBS/CBS que jå atinge previsÔes elevadas). Ambos são cumulativos e proporcionam vantagens e desvantagens do ponto de vista da alocação, distribuição, economia e simplicidade. 


A base “faturamento” (do tipo da Cofins) representa o pior dos dois mundos, jĂĄ que incorpora as desvantagens das bases declaratĂłrias (complexidade burocrĂĄtica, altos custos, e estĂ­mulo Ă  evasĂŁo e Ă  sonegação) com os inconvenientes das bases cumulativas (adaptaçÔes para viabilizarem a adoção plena do princĂ­pio do destino no comĂ©rcio externo, e redução da capacidade de estabelecer discricionariedade tributĂĄria).  


Portanto, a movimentação financeira, apesar de cumulativa é mais favoråvel, pois amplia a base de contribuintes,  elimina a evasão, simplifica a arrecadação, reduz custos de produção e carga tributåria, principalmente nos setores intensivos em mão de obra. 


Esta abordagem contribuiria para estimular a demanda por trabalho e a formalização das relaçÔes trabalhistas, combatendo o desemprego, e ampliando a taxa de participação, Também permitiria a redução dos custos tributårios do trabalho, abrindo espaço para a redução dos custos alívio nos índices de preços. 


Por fim, desonerar a folha de pagamentos permitiria aumentar a competitividade dos produtos brasileiros frente a seus concorrentes externos, substituindo um tributo nĂŁo desonerĂĄvel nas exportaçÔes (a contribuição patronal ao INSS) por um que permite desoneração (o imposto indireto sobre movimentação financeira)., que favoreceria as exportaçÔes e proporcionaria condiçÔes mais justas de concorrĂȘncia com importaçÔes.


Bases tributĂĄrias cumulativas sĂŁo comuns em todos os sistemas tributĂĄrios, particularmente no brasileiro. Tributos cumulativos, bem como os de valor agregado, possuem vantagens e desvantagens do ponto de vista alocativo, distributivo, de economicidade e de simplicidade.


Nas circunstĂąncias brasileiras, os tributos cumulativos, jĂĄ testados no paĂ­s sem demonstrar grandes inconvenientes dada sua baixa alĂ­quota, possuem uma relação custo-benefĂ­cio mais favorĂĄvel, o que justifica a opção de desoneração da folha de salĂĄrios das empresas e a transferĂȘncia do fato gerador da contribuição social da base salarial para a movimentação financeira.


 

Marcos Cintra Ă© economista.


Publicado no Portal OrbisNews: 2 de fevereiro de 2024

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