Imposto Seletivo: entre o discurso e a realidade arrecadatória
- Marcos Cintra
- 15 de out. de 2024
- 4 min de leitura
O Imposto Seletivo (IS) é um tributo proposto na EC 132 de 2023 da reforma tributária e regulamentado pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) 68 de 2024, que possui como objetivo declarado desestimular o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde pública e ao meio ambiente. Entre os principais pontos do PLP 68, destacam-se:
A regulamentação do PLP 68 busca traçar um caminho claro para a implementação do IS, embora a eficácia do tributo em desestimular verdadeiramente o consumo de bens prejudiciais seja motivo de debate. Além dos bens tradicionalmente considerados nocivos, como cigarros, bebidas alcoólicas, e alimentos super industrializados, o IS também abrange atividades econômicas vitais como a mineração e sua exportação. A produção de minério de ferro no Brasil representa 20% das exportações totais do país, e com sua exportação, contribui com 10% do PIB brasileiro.
Esta inclusão provoca questionamentos significativos sobre a real intenção por trás do imposto, levando muitos a acreditar que seu caráter é essencialmente arrecadatório.
De acordo com o PLP 68 de 2024, a legislação estabelece alíquotas variáveis para cada categoria de produto, baseada na sua suposta nocividade. Essa variação de alíquotas é justificada como forma de desestimular o consumo desses bens. Entretanto, os bens alvos do IS são em geral essenciais e, portanto inelásticos.
A demanda inelástica se refere a bens cuja quantidade demandada não varia significativamente com mudanças no preço. Em outras palavras, mesmo que o preço desses bens aumente devido a impostos, os consumidores continuarão a comprá-los em quantidades semelhantes. Isso ocorre porque esses bens são considerados essenciais ou não possuem substitutos próximos, tornando difícil para os consumidores reduzirem seu consumo. Mesmo com a aplicação de impostos mais elevados, a necessidade de consumo desses bens permanece alta, e pode resultar em aumento de arrecadação, elevação de custos de produção e perda de competitividade no mercado internacional.
Portanto, ao tributar bens de demanda inelástica, o governo pode acabar arrecadando mais receitas sem alcançar o objetivo de reduzir o consumo desses bens. Isso levanta a questão de se o verdadeiro objetivo do Imposto Seletivo é arrecadatório, disfarçado de uma preocupação com a saúde pública e o meio ambiente. A eficácia de tais impostos em desestimular o consumo de bens essenciais e inelásticos é limitada, e pode resultar em consequências econômicas adversas, como o aumento dos custos de produção, impactos regressivos no consumo e perda de exportações.
É importante lembrar que o conceito de impor penalidades financeiras sobre determinados produtos para promover melhorias sociais não é novo. Governos ao redor do mundo têm utilizado essas estratégias por décadas. No entanto, a eficácia desse método é questionável. Alcançamos realmente a redução no consumo esperada? As evidências empíricas não confirmam essa expectativa de maneira inequívoca.
A tributação de bens açucarados na Suécia, por exemplo, teve impactos tanto positivos quanto negativos. Reduziu o consumo de açúcar e incentivou a reformulação de produtos, mas também levantou questões sobre a equidade da medida e a verdadeira motivação por trás da política. A experiência sueca pode servir como um estudo de caso para outros países considerando a implementação de impostos semelhantes, mas vale acrescentar que o imposto foi abolido em 1995.
O IS pode alcançar também a mineração, um dos alicerces econômicos do Brasil, contribuindo significativamente para a balança comercial e o PIB. A cobrança de um imposto seletivo sobre a extração mineral, mesmo que a alíquota máxima seja limitada a 1%, conforme estabelecido pela regra constitucional, ainda assim representa um custo adicional. Este encargo pode reduzir a atratividade do Brasil como fornecedor global de minérios, especialmente com concorrentes que não enfrentam imposições semelhantes.
Em suma, ao analisar criticamente o Imposto Seletivo (IS), fica evidente que sua verdadeira natureza tem um forte componente arrecadatório. Embora seja vendido como um mecanismo de desestímulo ao consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, sua aplicação extensa, abrangendo até mesmo setores vitais como a mineração, revela outras intenções. Além disso, a inclusão de atividades essenciais na pauta de exportação brasileira sob este regime de tributação pode enfraquecer a produção interna e desincentivar investimentos. Considerando esses pontos, emerge a necessidade de um debate mais aprofundado sobre a verdadeira função e as consequências desta medida tributária, antes de darmos um perigoso salto no escuro.







