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  • Marcos Cintra

Sarney, o PMDB e o dilema do Cruzado


As eleições confirmaram a hegemonia do PMDB, e isto causara impacto na política econômica do governo. O presidente Sarney sempre demonstrou uma postura essencialmente política frente aos rumos da economia; porém, a partir de agora deverá sofrer constrangimentos para adotar as medidas sem as quais a estabilização da economia corre o risco de não corresponder às expectativas.

O Plano Cruzado evitou a ruptura do presidente Sarney com aquele partido –que não se lembra das críticas semanais de fevereiro e da foto da revista “Veja” onde Sarney e Ulysses, de costas, se distanciavam, em caminhos opostos? Mais, ainda, o Cruzado é tido como responsável pelo desempenho eleitoral do PMDB.

O discurso peemedebista foi no sentido de garantir a virtual intocabilidade da política econômica em curso, principalmente do congelamento de preços e dos ganhos de salários reais. Os próceres do partido já anunciaram três exigências inegociáveis –prosseguir no congelamento de preços, manter o crescimento acelerado e não reduzir salários reais. O Plano Cruzado portanto será motivo para desgastes inevitáveis; de um lado, a equipe econômica mais técnica –em essência, o Branco Central– e de outro, a mais política –Seplan e a assessoria de Funaro.

As exigências de um mínimo de consistência na continuação da luta anti-inflacionária pressupõem aumentos de impostos –mesmo que travestidos de poupanças compulsórias– reajustes nas tarifas públicas, eliminação de subsídios, e ajustes cambiais. Todas essas medidas significarão, inexoravelmente, queda dos salários reais e uma desaceleração nos níveis de expansão do consumo interno.

Nestas circunstâncias, como se comportará o presidente?

O choque implícito no Plano Cruzado já foi dado. A inflação já perdeu seu componente inercial –embora ameace retornar rapidamente se o governo continuar postergando providências urgentes; a inflação já caiu 15% mensais para patamares de cerca de 3%. Preservar estes resultados deve ser a prioridade do governo; a partir daí, a médio e longo prazos, lutar para a obtenção de vitorias sobre o componente estrutural, crônico, da inflação brasileira, este ainda em grande parte imune a tudo o que se fez nos últimos nove meses.

O Plano Cruzado já acabou bem. Poderia ter sido melhor se muito do que se discute hoje tivesse sido implementado na virada do semestre; se o governo não tivesse teimado em afirmar que as taxas de juros reais negativas não induzem formação de estoques; se não tivesse erroneamente se convencido que o aumento do consumo seria uma “bolha” inofensiva; se não tivesse persistido no congelamento de preços suicida.

Para que os resultados obtidos não se percam numa nova espiral inflacionária o presidente terá de ser postar com firmeza frente à avalanche reivindicatória do novo partido hegemônico, e impor uma política econômica compatível com o crescimento equilibrado numa economia que já começa a se desintoxicar da indexação inflacionária. Este foi o enorme mérito do Cruzado.

Achar que se conseguiu também evitar que os déficits públicos, as reinvindicações salariais exacerbadas, e o desequilíbrio nas contas externas, sejam importantes fatores estruturais de pressões inflacionárias é cair no reino da fantasia.

Compreende-se a ânsia dos políticos em preservar o poder aquisitivo dos salários. Mas uma escolha terá de ser feita para distribuir o inevitável ônus da inflação corretiva, que virá. Justifica-se a necessidade de crescer, principalmente numa economia onde a população aumenta rapidamente, e onde milhões ainda não foram incorporados ao mercado. Mas a expansão da produção não poderá exceder aquela permitida pelos investimentos –principalmente públicos–, que por sua vez exigem poupança. Não há como discordas do desejo de preços estáveis mas o congelamento nunca fez, nem nunca fará, que ele se transforme em realidade.

O presidente Sarney com a retumbante vitória do PMDB foi colocado num dilema. Mas uma coisa é certa, o que o PMDB exige, simplesmente não é possível. Vendeu, mas não vai poder entregar.

 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV).



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