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  • Para melhorar a CPMF

    A menos de um mês do início de sua cobrança, a CPMF causa apreensão no mercado financeiro e de capitais. Não sem razão. O consultor Raul Velloso, de Brasília, apropriadamente, alerta que a cobrança do tributo reduzirá drasticamente a já baixa rentabilidade dos fundos de curto prazo e prevê migração em massa desses recursos para os depósitos à vista, onde estarão sujeitos a menor movimentação e, portanto, a menor incidência do imposto. Aponta, ainda, os efeitos contracionistas da base monetária, decorrentes do recolhimento compulsório ao Banco Central sobre depósitos à vista, cerca de 50% superior ao dos fundos de curto prazo. Com isso, haveria também redução da capacidade do sistema financeiro para emprestar, devido à correspondente redução dos depósitos naqueles fundos, produzindo efeito contracionista adicional. Conclui que esse aperto de liquidez terá um importante papel na política econômica de disciplinar o crescimento do PIB no ano que vem. Já o Diretor de Assuntos Internacionais do BC, Gustavo Franco, teme que a incidência da CPMF sobre aplicações em Bolsa afugente os fundos estrangeiros para o exterior, enquanto o presidente da CVM, Francisco Augusto da Costa e Silva, acha que ela vai comprometer a competitividade das bolsas brasileiras, podendo até levar à transferência do centro de liquidez para o exterior. Contudo, esses efeitos podiam ter sido previstos e evitados se o governo tivesse atentado para o impacto dessa tributação cumulativa nas taxas de juros. Aliás, quem conhece minha proposta do Imposto Único, sabe disso. Ali, demonstrei que, tratando-se de imposto sobre transações, o impacto na taxa de juros será tanto maior quanto maior for o giro das aplicações, implicando perda de rentabilidade para os aplicadores, que, para ser compensada, exigiria elevação correspondente na taxa de juros praticada na economia. Mostrei, igualmente, que os tomadores de empréstimos no sistema financeiro sofreriam elevação de custos, devido ao caráter cumulativo do Imposto Único na captação e repasse dos recursos ao tomador, função, por sua vez, do número de transações envolvidas. Eis porque introduzi metodologia específica de cobrança do Imposto Único nas transações financeiras, do mercado de capitais e nas operações em Bolsa, perfeitamente aplicável à CPMF. Basta que uma operação financeira seja vista como aluguel de capital para perceber que não há como tributar o valor objeto da locação, mas, tão-somente, a remuneração pelos serviços prestados. Assim como um aluguel residencial, a CPMF deveria incidir sobre o valor da locação e não sobre o valor do imóvel. Do mesmo modo, nas transações financeiras, há que se tributar o rendimento da operação e não o valor do capital que o gerou. Pela sistemática operacional proposta, as transações não seriam oneradas enquanto ocorressem dentro do circuito do mercado financeiro ou de capitais. A tributação ocorreria apenas na transferência dos ganhos reais para a conta dos aplicadores. Assim, os aplicadores de curto prazo não seriam discriminados, ficaria reduzida a possibilidade de migração dos fundos estrangeiros aplicados em Bolsa para o exterior, bem como de deslocamento do centro de liquidação das ações brasileiras, para escapar do ônus da CPMF. A sistemática operacional aqui apresentada estava disponível na proposta de implantação do Imposto Único. Se ela tivesse sido levada em conta, as temidas distorções apontadas teriam sido previstas e evitadas. Mas, como todo arremedo, a CPMF, a exemplo do IPMF, porta vícios que só a improvisação oportunista e desvirtuadora de propostas sérias, tecnicamente fundamentadas, pode explicar. Mas ainda é tempo de corrigir esses desvios. Pois além do ônus de constituir-se em um imposto a mais, com eles, a CPMF tende a ampliar as já inaceitáveis contradições do atual sistema tributário, encerrando sérios riscos potenciais para a economia brasileira. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque - Vereador pelo PL.

  • PAS e CPMF: duas visões de um mesmo problema

    Que a rede pública de saúde está falida, ninguém duvida. Porém, não há qualquer indicação de que o problema possa ser resolvido com a mera injeção de mais recursos no sistema. Antes, os administradores públicos devem fazer uma profunda análise de como as verbas atualmente disponíveis estão sendo gastas, e sobretudo, aprimorar os métodos de controle para coibir desvios e eliminar a corrupção. Se isto fosse feito, logo se chegaria à conclusão de que investimentos em melhorias gerenciais e na eliminação de enormes focos de ineficiência e de corrupção se apresentam como instrumentos incomparavelmente mais eficazes do que simplesmente inchar orçamentos. A aprovação pelo Senado da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CMPF) é mais uma violência cometida contra os contribuintes brasileiros. Pelos próximos dois anos, se pagará mais um tributo, que deverá gerar uma arrecadação de US$ 6 bilhões. Será um aumento da carga tributária de cerca de 7%, e que contribuirá decisivamente para uma escandalosa expansão do tamanho do governo na economia brasileira. Isto é tão mais revoltante quando se sabe que a carga tributária brasileira vem sofrendo forte elevação ao longo dos últimos dois anos, podendo chegar em 1995 a mais de 30% do PIB. A média histórica recente tem se situado na faixa de 22% a 25% do PIB. A arrecadação federal em 1994 aumentou 37,18% sobre a realizada em 1993, e dados oficiais mosffam que houve novo aumento de 12% ao longo do primeiro trimestre de 1995. Até onde vai chegar esta escalada tributária? O mais dramático é as previsões para 1995 são de aprofundamento do déficit público nacional, que poderá chegar a 6% do PIB em termos nominais. Não há aumento de arrecadação que resista à sanha de gastança da burocracia brasileira. A aprovação da CPMF é lamentável. Não que seja um mau imposto. Pelo contrário. As evidências e análises mostram cada vez mais conclusivamente que impostos sobre movimentação financeira são tributos que ocuparão posição de destaque nas bases tributárias futuras (vide por exemplo, excelente artigo de Maria da Conceição Tavares na "Folha" do dia 24 de setembro). O criticável é o cacoete do governo que insiste em meter a mão no bolso dos contribuintes com grande sem-cerimônia. Vale a pena comparar a visão "fiscalista" do governo federal com a visão "produtivista" da prefeitura de S.Paulo. O problema é o mesmo, mas ao invés de buscar mais dinheiro, busca-se mais produtividade e eficiência. O PAS, através da administração cooperativada do sistema de saúde pública, ataca os focos gerenciais de ineficiência, sem gastos adicionais. Busca-se dar mais valor ao mesmo dinheiro. Esta é a forma moderna de resolver problemas. A outra reflete apenas a triste herança de nossa tradição burocrática paternalista. Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

  • A CPMF e a bolsa

    Assistimos à paralisação das operações na bolsa em protesto pela cobrança da CPMF. Uma reação esperada, pois as autoridades fiscais e monetárias - na sua arrogância habitual - permaneceram à margem do problema, contra todas as advertências. Refiro-me, inclusive, ao editorial "Malefícios da CPMF", na edição de 16/6 deste prestigioso jornal. De fato, sua cobrança pode afetar os custos das aplicações no mercado financeiro e de capitais, motivo de preocupação presente também na última rodada de seu recolhimento. Eis por que propus uma metodologia específica de cobrança do Imposto Único nessas operações, aplicável à CPMF. Basta tributar o rendimento dessas operações e não o capital que o gerou. Assim, tais transações não seriam oneradas dentro do circuito do mercado financeiro ou de capitais, mas tão somente na transferência dos ganhos reais para a conta movimento dos aplicadores, tornando-se disponíveis para outros usos. Apesar da imitação grosseira de minha proposta do Imposto Único, adotada como um imposto adicional para cobrir buracos no caixa governamental, não se pode ignorar que a CPMF carrega todas as virtudes da proposta original da qual derivou: tem força e eficiência arrecadatória; é universal, pois todos pagam; não é declaratório, é simplificador; cobrado pelo sistema informatizado do sistema bancário, é insonegável; proporcional aos recursos movimentados pelo contribuinte, é justo; e, dispensando caras estruturas públicas e privadas, tem baixo custo de arrecadação. Já ficou provado que sua cobrança não altera preços relativos, não sendo, portanto, inflacionária. Aliás, a Receita Federal defende sua cobrança porque reconhece essas virtudes. Alega-se que ela onera as exportações. Mas importa lembrar que a compensação de sua cobrança na produção para exportação pode ser feita no âmbito do mesmo programa de computador utilizado para sua cobrança. Agora, depois da porta arrombada com o protesto dos operadores, as autoridades governamentais já se movimentam para sanar o problema. Contudo, basta adotar a metodologia por mim apontada para eliminá-lo. Marcos Cintra, deputado federal (PL-SP).

  • Derrama fiscal, ajuste equivocado

    É consenso que, sem um ajuste fiscal capaz de equacionar os desequilíbrios do setor público, não poderá haver progresso no combate à inflação. No entanto, uma das questões mais nebulosas na atual discussão econômica continua sendo a programação orçamentária para 1989. Ainda não se conhece o impacto causado pelas alterações realizadas pelo Congresso ao aprovar o Orçamento Geral da União para 1989, o que impossibilita, no momento, uma correta avaliação dos números finais. Além destas indefinições, persistem dúvidas quanto ao impacto na arrecadação federal das alterações na legislação do Imposto de Renda aprovadas semana passada na Câmara dos Deputados. Para completar o quadro de incertezas, não se conhece adequadamente o efeito que o pacote de ajuste fiscal recentemente anunciado pelo governo terá nas contas do governo federal. Em suma, apesar da urgência de equacionar a questão do déficit público - importante não apenas sob o prisma de seu impacto nas variáveis reais da economia, mas também na formação das expectativas dos agentes econômicos - a questão continua em aberto; apenas as projeções do governo são conhecidas. Contudo, levando-se em conta o irrealismo de algumas das metas definidas pelas autoridades econômicas, não há como afirmar com segurança que a questão fiscal será resolvida no próximo ano. Os dados na tabela mostram que o governo central pretende zerar seu déficit. O aumento na arrecadação representa 4,5% do PIB sobre os valores realizados no ano em curso. O déficit será reduzido em 2,87% do PIB relativamente a 1988. Nota-se, portanto, que o aumento na arrecadação responderá pela totalidade da contenção do déficit e ainda financiará aumentos de desembolsos equivalentes a 1,63% do PIB, descontada a queda das transferências de capital à Sest. As projeções do governo evidenciam uma autêntica derrama fiscal, pois a arrecadação será aumentada, relativamente ao PIB, em 52%. Nestas circunstâncias, seria ingenuidade imaginar que não haverá forte exacerbação das pressões inflacionárias. O repasse dos impostos aos preços será inevitável, o que comprometerá seriamente o sucesso da política antiinflacionária. O déficit poderá ser contido, mas a inflação persistirá, com maior intensidade. Praticamente todos os itens do Orçamento sofrerão acréscimos em 1989. Apenas aqueles relacionados à Sest empresas estatais serão contidos. Mas isto é explicável, pois já deram sua contribuição inflacionária através das fortes recomposições de preços e tarifas postas em prática em 1988. O governo pretende zerar seu déficit. Mas de maneira errada, pois inflacionária. Não reduz seus gastos de pessoal e custeio e não promove um efetivo programa de privatização. Apenas extrai mais impostos, o que aumentará a inflação.

  • Invenções para fechar a conta

    O regime de superávit primário foi um avanço para a gestão macroeconômica brasileira. Adotado em 1999, o sistema contribuiu para impor um princípio fundamental no trato do dinheiro público, que é a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, o controle da dívida pública e a redução do risco Brasil apurado pelas agências internacionais. A retirada dos gastos do PAC foi apenas o começo do que se convencionou chamar de contabilidade criativa. As manobras orçamentárias para produzir os números desejados pelo governo foram pródigas mais recentemente e contemplaram medidas como a antecipação de dividendos das estatais, rubrica que envolveu triangulações entre bancos públicos e o Tesouro, e a obtenção de receitas extraordinárias, recursos que entram no caixa em um período e que não se repetem depois. Além disso, as manipulações envolveram alterações de regras inicialmente definidas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), como a redução da meta e a desobrigação da União em compensar a meta não alcançada por estados e municípios. Por fim, há ocorrências como o abatimento de desonerações tributárias, renegociação de dívidas tributárias e postergação de despesas. Nesse cenário marcado por mexidas casuísticas nas regras envolvendo as contas públicas, o governo acaba de anunciar o resultado primário em 2013. Divulgou que a "meta" de R$ 73 bilhões foi cumprida. O superávit de R$ 75 bilhões, que era de R$ 108 bilhões na LDO para 2013, foi alcançado graças a R$ 35,3 bilhões de receitas extraordinárias geradas pelo Refis (parcelamento de dívidas tributárias) e pelo bônus de assinatura do leilão dos campos de petróleo do pré-sal. Entraram também para os cofres da União mais R$ 15 bilhões referentes a dividendos de estatais. Contribuíram também para o saldo abatimentos de gastos do PAC e de desonerações tributárias. As "mágicas" orçamentárias do governo estão destruindo a credibilidade fiscal alcançada a duras penas. É necessário voltar a manter uma meta fiscal crível. É preferível o governo definir um superávit primário menor do que insistir em subterfúgios para alcançá-lo. A desconfiança e a incerteza elevam os riscos na economia e contribuem para adiar investimentos. A frouxidão fiscal e as invenções do governo na apresentação das contas públicas preocupam. Se a irresponsabilidade fiscal continuar dando as cartas, os prejuízos serão crescentes para o país em termos de crescimento e estabilidade.

  • "Simples", uma super confusão

    A tarefa de formulação de um novo sistema tributário simplificado não é tarefa para tecnocratas da Receita. "É possível enganar gente demais, por tempo demais" (James Thurber, 1945). Um escorpião era transportado a nado nas costas de uma rã. Durante a travessia ela foi ferroada, e ambos morreram. Da mesma forma, os burocratas também não conseguem resistir à sua natureza: tendem a enfeitar tanto a boneca que sempre acabam criando monstros. Isso acontece com o Simples. Quando foi instituído, em 1997, o sistema simplificado de tributação das micro e pequenas empresas ajudou a fomentar o crescimento, a combater a informalidade e a coibir a evasão de impostos naquelas empresas, atoladas na complexidade e na brutalidade do sistema tributário convencional brasileiro. Foi um caminho inovador pelo qual se imaginava que iriam trilhar as reformas que se tornavam inadiáveis. Infelizmente, em vez de o Simples inocular a tributação com os germes da simplicidade, da transparência e da universalidade, valeu a Lei de Murphy, e ocorreu o inverso. O novo Simples, chamado de Supersimples, foi infectado pelos agressivos vibriões da burocracia, da complexidade, da arrogância governamental e do detalhismo tecnocrático. O que deveria ser reto ficou incrivelmente tortuoso, cheio de meandros e desvios. O Simples perdeu o charme, e seguirá, com certeza, a mesma trágica seqüência que tornou o tão desejado PIS/Cofins não-cumulativo um emaranhado incompreensível de regras, de exceções e de casos especiais que seus antigos defensores conceituais acabaram se tornando ardorosos pleiteantes da antiga cumulatividade. O Supersimples tornou-se complexo demais para um regime de tributação simplificado. Isso poderá induzir as micro e pequenas empresas a optarem por voltar aos mecanismos convencionais do lucro presumido e até mesmo do lucro real, ou pior, à informalidade. A quantidade de faixas de alíquotas dobrou de 10 para 20; a alíquota máxima do primeiro Simples, de 10% sobre o faturamento, quase dobrou para 17,42%; há cinco tabelas de alíquotas, várias opções de enquadramento que dependem de relações entre folha de salários e receita bruta, deduções, compensações e acréscimos vinculados a regimes tributários diferenciados; continuam excluídos do sistema dez tributos importantes, como o IOF, a CPMF, o ICMS de substituição tributária e sobre importação na entrada, nos Estados, de petróleo e energia elétrica, e o ISS em regime de substituição tributária; a receita de exportação deverá ser computada separadamente, bem como o ICMS de substituição para posterior dedução do Supersimples; haverá necessidade de cálculos separados de tipos de receitas e da apresentação de declarações periódicas; as empresas ficarão sujeitas a três esferas de fiscalização... Enfim, são 89 artigos e centenas de parágrafos e alíneas de simples e generalizada confusão. Um exemplo ilustra as inconsistências do Supersimples: aplica-se a alíquota de 12% para uma indústria com receita bruta anual de R$ 2,4 milhões (isentando-a da contribuição ao INSS), mas, paradoxalmente, exige-se de uma microempresa prestadora de serviços, com alguns poucos funcionários e faturamento de R$ 120 mil (receita equivalente a 5% daquela), uma alíquota de 15%, acrescida da contribuição ao INSS e do recolhimento do ISS, se devido. Certamente haverá justificativas tecnocráticas para todo esse absurdo pandemônio normativo. Mas esquecem os técnicos de que o excessivo "fine tuning" é incompatível com a filosofia que deveria nortear o Supersimples. O emaranhado legislativo e a falta de transparência são de tal monta que se tornou necessária a criação de um Comitê Gestor faz-de-tudo, com prazo de seis meses para, em voo cego, tornar o sistema aplicável. O recurso ao Judiciário com certeza passará a povoar as histórias do Supersimples, aumentando o "custo Brasil". O bom senso e a experiência recomendam que a tarefa de formulação de um novo sistema tributário simplificado não é tarefa para tecnocratas da Receita, que deveriam ser responsáveis apenas por sua aplicação. Trata-se de instrumento de desenvolvimento, e não de arrecadação. O mais incrível é que o projeto do Supersimples foi aprovado pela virtual unanimidade dos parlamentares, que, ao que parece, não atentaram para os desatinos cometidos pela burocracia fiscal brasileira. Provavelmente, estavam ocupados demais engendrando fórmulas para aumentar seus salários. MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

  • Desejo de mudança e um projeto para o Brasil

    Pesquisas de opinião pública apontam que o eleitor brasileiro deseja mudanças nas próximas eleições. Todos devem concordar que um dos anseios nesse sentido refere-se à questão tributária. Essa é uma das maiores demandas sociais, e os dois principais candidatos de oposição à Presidência da República, Aécio Neves e Eduardo Campos, vêm propondo uma reforma no burocrático e caro sistema de imposto que vigora no país. Apenas Dilma Rousseff, que disse em 2010 que a faria se fosse eleita, não tem se manifestado sobre o tema. Frente a esse cenário, convém voltar a debater os problemas tributários do país e expor a ideia do Imposto Único, projeto parado há 12 anos no Congresso, como alternativa viável. Cumpre dizer que, quando se discute a reforma tributária no Brasil, fundamentos como eficiência dos mecanismos de arrecadação, equidade, custos, incidências e combate à sonegação ficam em segundo plano. Porém, esses pontos devem ser priorizados na construção de uma estrutura de impostos justa e que estimule a produção. Desde 1990, proponho o Imposto Único como alternativa para o país. A proposta demarcou uma linha divisória entre o pensamento ortodoxo, baseado na manutenção do atual sistema de impostos declaratórios, e uma corrente inovadora, que propõe uma estrutura simples, automática, abrangente e de baixo custo, consubstanciada na tributação sobre a movimentação financeira realizada através do sistema bancário. A ideia do imposto único surgiu no século 18 com os fisiocratas, que defendiam a simplificação através da taxação da terra como única fonte de extração de receita para o governo. A questão que sempre norteou a intenção de se criar um sistema simples de tributação foi a busca de uma base tributável ampla o bastante para gerar receita suficiente para o poder público. A principal razão de seu ressurgimento no Brasil advém de razões históricas. Ainda que o Imposto Único tenha uma longa e respeitável tradição na evolução do pensamento econômico, ele nunca pôde se materializar, pois em nenhuma circunstância histórica uma sociedade reuniu as duas condições básicas para sua efetiva operacionalização. A primeira é a existência de um sistema bancário altamente informatizado, com um sistema nacional de compensação de cheques e documentos. A segunda é a predisposição cultural da sociedade de não usar moeda manual, substituindo-a pelas mais variadas formas de moeda escritural. O Brasil preenche plenamente esses dois quesitos. Possui um dos sistemas bancários mais desenvolvidos e informatizados do mundo, com padrões tecnológicos superiores aos encontrados em países como, por exemplo, os Estados Unidos e Japão. Em realidade, o país é referência mundial em tecnologia bancária. Além disso, é uma das economias mais desmonetizadas do planeta e que já absorveu a inevitável substituição da moeda manual pela moeda escritural, principalmente pela moeda eletrônica. O Imposto Único traz inúmeras vantagens de ordem tributária. A fiscalização torna-se mais simples, os critérios de taxação ficam mais transparentes, os custos público e privado tornam-se menores. A simplificação se torna evidente quando toda a arrecadação se concentra em um único tributo, incidente sobre uma única base. Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

  • Inovação e o entrave educacional

    A economia brasileira necessita de um modelo de crescimento que mantenha o consumo doméstico fortalecido, mas o país precisa elevar sua taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura. Porém, a questão fundamental é como investir mais, frente ao atual quadro financeiro do governo. A estrutura orçamentária brasileira é um entrave à expansão dos investimentos. A Constituição Federal de 1988 criou um Estado de Bem-Estar Social e, este fato, foi o principal responsável pelo crescimento acelerado da carga tributária a partir de então. Mais tributos passaram a ser extraídos para financiar as crescentes despesas nas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social. A média de arrecadação de 25% do PIB na década de 80 saltou para 28%, nos anos 90, e 33%, de 2000 a 2010. Nos mesmos períodos, a participação dos investimentos no PIB foi de 22%, 18% e 17%. A atual carga tributária combinada com a necessidade de financiamento da seguridade social limitam os investimentos necessários. Por sua vez, não há mais espaço para expandir o já elevado ônus fiscal sobre os atuais contribuintes e a margem de aumento do endividamento público é reduzida. O crescimento econômico demanda disponibilidade de fatores humano e de capital. O Brasil vive uma situação que combina carência de infraestrutura e de trabalhadores qualificados. A maior parte do bônus demográfico já foi incorporada à força de trabalho por conta da rápida redução do desemprego, que caiu de 12%, em 2003, para cerca de 5%, em 2013. A alternativa para a economia brasileira superar o quadro atual é o aumento da produtividade. A saída se traduz na elevação da função de produção do país através do progresso tecnológico. Assim, o papel da inovação passa a ter peso cada vez maior para a eficiência da atividade produtiva nacional. É preciso criar condições para acelerar o desenvolvimento científico e tecnológico, incorporando esses avanços ao processo de produção, de tal forma a elevar a produtividade total dos fatores. A inovação assume papel cada vez mais importante para o crescimento econômico sustentado em várias partes do mundo. Cálculos econométricos apontam que apenas a expansão da disponibilidade de capital e trabalho não explica a totalidade do processo de crescimento do PIB. Nas economias mais desenvolvidas, onde o bônus demográfico já foi incorporado à atividade produtiva, a expansão econômica se mostra muito dependente da inovação que, por sua vez, demanda mão de obra qualificada. A dependência do progresso tecnológico como fator de crescimento econômico sustentado é um fenômeno cada vez mais presente na economia brasileira. Porém, o fato de o país ter um grande contingente de trabalhadores com baixo nível de escolaridade é um entrave. Em países como Coreia, Estados Unidos e Alemanha, que investem pesadamente em inovação, a população tem em média doze anos de ensino de qualidade. No Brasil, são sete anos de escolaridade, sendo que no âmbito público o nível é vergonhoso. Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

  • Proposta de reforma tributária, méritos e defeitos

    O governo apresentou, ainda que de forma preliminar, uma segunda proposta "oficial" de reforma tributária que não altera a estrutura de impostos no Brasil. Permanece o atual sistema clássico, baseado em impostos declaratórios. Mudam-se as atribuições e competências dos entes federados e eliminam-se alguns penduricalhos, como o Cofins e os adicionais sobre o lucro. Duas novidades merecem destaque: a unificação do IPI, do ICMS e do ISS em um IVA federal e a criação, no âmbito das atribuições de estados e municípios, de um imposto unifásico de varejo, semelhante ao cobrado nos Estados Unidos. Nesse modelo, o comerciante varejista adiciona o imposto ao preço final de seus produtos ou serviços, enquanto a produção e o atacado não são tributados por esse imposto. Os estados cobrariam esse tributo sobre as vendas a varejo de produtos manufaturados, e os municípios, sobre serviços. Como avaliar essa proposta? Uma primeira característica a ser notada é o aprofundamento da centralização tributária já existente no Brasil. A proposta acentua essa característica, o que pode intensificar os conflitos na transferência de recursos e afetar as relações políticas entre as três esferas de governo. É importante esclarecer que a crítica não sugere que a proposta seja uma ameaça à Federação, como alguns defensores do governo alegam. No contexto brasileiro, onde o governo central arrecada 67% da carga tributária bruta, enquanto os estados ficam com 28% e os municípios apenas 5%, é irônico falar em ameaça à Federação. Economicamente, o Brasil já se assemelha mais aos sistemas unitários europeus do que a uma verdadeira federação, como os Estados Unidos. Os dados mostram que a autonomia econômica dos estados e municípios é limitada. A relação entre arrecadação líquida e recursos disponíveis demonstra que a União arrecada cerca de 20% a mais do que gasta, transferindo essa diferença para os níveis inferiores da administração. Por outro lado, os municípios arrecadam apenas cerca de 30% do necessário para suas despesas, dependendo dos estados e da União para sobreviverem. É importante observar que os estados arrecadam cerca de 5% a mais do que gastam, mas ainda dependem da União, da mesma forma que os municípios dependem deles. Uma boa reforma tributária deveria contribuir para reverter a centralização tributária atual, garantindo maior aderência do sistema econômico ao regime político federativo já consolidado no país. No entanto, a proposta do governo caminha na direção oposta, exacerba o conflito entre a descentralização e a autonomia políticas e a concentração e dependência tributárias, aumentando a subordinação econômica de governadores e prefeitos ao governo federal. Por outro lado, a administração do novo IVA poderia ser aprimorada, uma vez que impostos sobre valor agregado enfrentam desafios operacionais em sistemas federativos. O Brasil é um dos poucos países que têm um IVA estadual, o que gera complexidade administrativa, embora seja uma fonte primordial de recursos para os estados. A profunda centralização proposta poderia ser vista de outra perspectiva: a unificação do ICMS, do IPI e do ISS resultaria em um IVA com alíquotas elevadas, para evitar perda de arrecadação e compensar estados e municípios pela perda desses importantes tributos. No entanto, isso também poderia estimular a evasão fiscal, dada a elevação das alíquotas, agravando os problemas operacionais do sistema tributário brasileiro, como a sonegação e a economia informal. Além disso, a nova proposta pressupõe uma ética tributária que não existe no Brasil, especialmente ao tentar arrecadar impostos em cada ponto de varejo. Os custos administrativos seriam enormes, incluindo a necessidade de sistemas de fiscalização mais pesados. Em resumo, a nova proposta é centralizadora, burocrática e provavelmente aumentaria a evasão fiscal. Seguir por esse caminho resultaria em uma ditadura burocrática e na expansão da economia informal, prejudicando a equidade e a eficiência do sistema tributário brasileiro. Download Tabelas

  • Ajustes na economia em 2015

    Foi a duras penas que o Brasil conseguiu estabilizar sua economia a partir dos anos 90. O tripé macroeconômico foi determinante nesse processo. O regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário controlou a inflação e evitou a explosão da dívida pública. Essa política econômica foi fundamental para o crescimento econômico médio de 4,5% entre 2004 e 2010, acima da média mundial de 3,9% no mesmo período. Durante aqueles sete anos de expansão do PIB, o desemprego caiu de 12% para 7%, a renda do trabalhador cresceu 20% acima da inflação, e o crédito para as pessoas físicas triplicou. Com isso, o consumo das famílias se fortaleceu, sustentando o bom desempenho da atividade econômica. Nas relações externas, as exportações cresceram de US$ 73 bilhões para US$ 202 bilhões por conta do forte aumento dos preços das commodities, e o capital estrangeiro entrou fartamente no país. O balanço manteve-se relativamente confortável, contribuindo também para o crescimento da economia. O atual governo assumiu em 2011 defendendo maior intervenção na economia para acelerar seu crescimento. Achou que o voluntarismo seria mais importante para a expansão do produto do que uma política econômica bem articulada e bem conduzida. Gradualmente deixou de lado o tripé macroeconômico acreditando que o modelo intervencionista manteria a atividade econômica se expandindo de maneira sustentável. Hoje o país paga caro por isso. O crescimento é pífio e a inflação pressiona. O tripé macroeconômico não é suficiente para gerar crescimento econômico, mas proporciona credibilidade e previsibilidade para os agentes domésticos e estrangeiros. Seu enfraquecimento ocasionou desconfiança e aumentou o risco na economia. O cenário ficou ainda pior por conta do exacerbado intervencionismo estatal, que elevou os gastos públicos em troca de efeitos tímidos na economia. O atual modelo econômico chegou ao fim. Não dá mais para se sustentar com base no consumo doméstico e ingerência na atividade produtiva. A classe média está endividada e a inflação segue reduzindo seu poder de compra. A atuação errática do poder público na economia inibe investimentos privados, uma vez que a percepção do risco cresceu no meio empresarial. Ademais, o quadro internacional mudou. Os preços das commodities caíram por conta da desaceleração da atividade econômica na China, e a expectativa de aumento dos juros nos Estados Unidos reduz o volume de capital estrangeiro no Brasil. O governo conduziu muito mal a política econômica e adotou uma estratégia equivocada quando passou a adotar uma política intervencionista. O resultado é uma combinação de crescimento abaixo de 2%, metade da expansão do PIB mundial, e inflação elevada, superior a 6%. O país não terá mudanças significativas na política econômica neste ano porque haverá eleições. Porém, quem quer que seja o próximo presidente terá a dura missão de corrigir os erros da atual gestão a partir de 2015. Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

  • Vergonha brasileira e o exemplo coreano

    Elevar a produtividade total do capital e do trabalho é a saída para a economia brasileira acelerar seu crescimento. O desafio para viabilizar essa necessidade é a qualificação da força de trabalho. Nesse sentido, o grande nó a ser desatado encontra-se na esfera educacional, principalmente no âmbito público. É cada vez maior o peso da educação para a economia brasileira. O País já incorporou praticamente todo seu bônus demográfico com a redução do desemprego em anos recentes. Crescer de modo sustentado passou a depender da elevação do nível de escolaridade para um maior contingente da força de trabalho. A educação contribui para o crescimento econômico de várias formas. A principal delas se dá pela capacitação da força de trabalho que, dessa forma, se torna mais apta a absorver, reproduzir e desenvolver tecnologias. Com a mão de obra mais qualificada, aumenta a produtividade marginal do trabalho e o efeito é a expansão da renda das empresas e, em termos agregados, o maior ritmo de crescimento da economia. Um dos casos mais emblemáticos do efeito da educação sobre a economia refere-se a Coreia do Sul. O país atingiu a universalização da educação básica no final dos anos 60 e do ensino médio ao longo dos anos 80. Esse processo foi acompanhado de maciços investimentos na formação de professores, em material de apoio e na melhoria de estrutura e funcionamento das escolas. O investimento em educação de qualidade combinado com a disciplina asiática e a valorização do ensino pelas famílias foi a alavanca para a Coreia passar de uma economia com renda similar a de países africanos para uma das nações mais ricas do planeta, exportadora de tecnologia de ponta. Paralelamente, o Brasil negligenciou a educação como fator de transformação social e gerador de riqueza e o resultado é o baixo nível da produtividade de sua força de trabalho, com o País mantendo-se num patamar de renda média e dependente da exportação de produtos de reduzido valor agregado. Conforme dados do Banco Mundial, em 1960 a renda per capita da Coreia era de US$ 155 e a do Brasil de US$ 208. Em 2012 a renda média de cada coreano foi de US$ 22,6 mil e a do brasileiro de US$ 11,3 mil. Recentemente foi divulgado o resultado do último PISA (Programme for International Student Assessment), programa que avalia a qualidade da educação em vários países. O levantamento, com 65 países em sua edição de 2012, serve para mostrar como as nações capacitam a juventude visando promover agentes responsáveis pela geração eficiente de riqueza. No tocante à habilidade com leitura a Coreia ficou em 5º lugar e o Brasil na 58ª posição. Em relação à matemática a Coreia foi novamente a 5ª colocada e o Brasil ficou em 58º lugar. Em ciências as posições foram 7ª e 59ª, respectivamente. A Coreia seguiu uma trajetória rumo à sociedade do conhecimento e colhe os frutos. O Brasil tem muito a fazer. É vergonhoso para o País ainda contar com 13 milhões de analfabetos e 30 milhões de pessoas em situação de analfabetismo funcional. Isso sem falar na evasão escolar que, ao saltar de 7,2% para 16,2% em doze anos, mantém metade dos jovens entre 15 e 17 anos fora do ensino médio.

  • Um exemplo da falência do governo Sarney

    Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque Consultor econômico da Folha A passagem do professor Luiz Carlos Bresser Pereira pelo Ministério da Fazenda é um exemplo eloquente da falência do governo Sarney, cuja única realização na área econômica tem sido a premeditada desmoralização de homens de bem. Não bastasse o desgaste que infringiu nos ex-ministros Dornelles e Funaro, o grupo palaciano prossegue numa cega e incompreensível direção, cujo único resultado será transformar o Brasil numa economia decadente e sem perspectivas de crescimento. Quando assumiu o ministério, o professor Bresser Pereira se municiou de sua competência e seriedade para elaborar um plano de emergência coerente e que recebeu quase unânime aprovação. Nos meses seguintes ao congelamento, conseguimos evitar o desastre da hiperinflação e até mesmo vislumbramos o início da recuperação da atividade econômica. Lastreado por um Plano de Controle Macroeconômico simples, mas ao mesmo tempo ousado, surgiu uma esperança de superação da atual crise brasileira. Foi uma tentativa honesta que incorporou as duras lições do Plano Cruzado, mas que, como logo ficou claro, não recebeu o respaldo do presidente Sarney, da classe política e até mesmo de alguns subordinados do ministro. Bresser Pereira valentemente enfrentou as transferências de recursos públicos a empresas em dificuldades financeiras; se opôs abertamente à demagogia salarial que apenas prometia aumentos nominais, mas que ameaçava arrochar ainda mais os rendimentos reais; defendeu até o fim sua proposta de austeridade fiscal, cortes de subsídios e maior equidade tributária. Errou no "timing", já que ainda em setembro ou outubro deveria apresentar os planos que hoje o derrubam; mas, de qualquer forma, olhando em retrospectiva, provavelmente aquelas sugestões teriam o mesmo fim de hoje: a lata do lixo do presidente Sarney. Bresser, por puro patriotismo e fortalecido por suas enraizadas convicções, suportou situações que um presidente da República jamais poderia impor a seus ministros. O Brasil só pode estar lamentando a saída do professor Bresser Pereira e a oportunidade desperdiçada de vir a ser uma economia de primeira grandeza.

  • A vergonha brasileira e o exemplo da Coréia

    Elevar a produtividade total do capital e do trabalho é a saída para a economia brasileira acelerar seu crescimento. O desafio para viabilizar essa necessidade é a qualificação da força de trabalho. Nesse sentido, o grande nó a ser desatado encontra-se na esfera educacional, principalmente no âmbito público.  É cada vez maior o peso da educação para a economia brasileira. O País já incorporou praticamente todo seu bônus demográfico com a redução do desemprego em anos recentes. Crescer de modo sustentado passou a depender da elevação do nível de escolaridade para um maior contingente da força de trabalho.  A educação contribui para o crescimento econômico de várias formas. A principal delas se dá pela capacitação da força de trabalho que, dessa forma, se torna mais apta a absorver, reproduzir e desenvolver tecnologias. Com a mão de obra mais qualificada, aumenta a produtividade marginal do trabalho e o efeito é a expansão da renda das empresas e, em termos agregados, o maior ritmo de crescimento da economia. Um dos casos mais emblemáticos do efeito da educação sobre a economia refere-se a Coreia do Sul. O país atingiu a universalização da educação básica no final dos anos 60 e do ensino médio ao longo dos anos 80. Esse processo foi acompanhado de maciços investimentos na formação de professores, em material de apoio e na melhoria de estrutura e funcionamento das escolas.  O investimento em educação de qualidade combinado com a disciplina asiática e a valorização do ensino pelas famílias foi a alavanca para a Coreia passar de uma economia com renda similar a de países africanos para uma das nações mais ricas do planeta, exportadora de tecnologia de ponta.  Paralelamente, o Brasil negligenciou a educação como fator de transformação social e gerador de riqueza e o resultado é o baixo nível da produtividade de sua força de trabalho, com o País mantendo-se num patamar de renda média e dependente da exportação de produtos de reduzido valor agregado.  Conforme dados do Banco Mundial, em 1960 a renda per capita da Coreia era de US$ 155 e a do Brasil de US$ 208. Em 2012 a renda média de cada coreano foi de US$ 22,6 mil e a do brasileiro de US$ 11,3 mil.Recentemente foi divulgado o resultado do último PISA (Programme for International Student Assessment), programa que avalia a qualidade da educação em vários países. O levantamento, com 65 países em sua edição de 2012, serve para mostrar como as nações capacitam a juventude visando promover agentes responsáveis pela geração eficiente de riqueza.  No tocante à habilidade com leitura a Coreia ficou em 5º lugar e o Brasil na 58ª posição. Em relação à matemática a Coreia foi novamente a 5ª colocada e o Brasil ficou em 58º lugar. Em ciências as posições foram 7ª e 59ª, respectivamente.  A Coreia seguiu uma trajetória rumo à sociedade do conhecimento e colhe os frutos. O Brasil tem muito a fazer. É vergonhoso para o País ainda contar com 13 milhões de analfabetos e 30 milhões de pessoas em situação de analfabetismo funcional. Isso sem falar na evasão escolar que, ao saltar de 7,2% para 16,2% em doze anos, mantém metade dos jovens entre 15 e 17 anos fora do ensino médio.

  • A polêmica da CPMF

    Publicado no Livro: Curso de Direito Tributário e Finanças públicas - Do Fato à Norma, da Realidade ao Conceito Jurídico -  2008. Marcos Cintra Economista; Professor titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV); atual Vice-Presidente da Fundação Getulio Vargas – FGV/SP; bacharel em Economia (B.A. cum laude, 1968) pela Universidade de Harvard (EUA); Mestre em Planejamento Regional (M.R.P., 1972) pela Universidade de Harvard; Mestre em Economia (M.A., 1974) pela Universidade de Harvard; Doutor em Economia (Ph.D., 1985) pela Universidade de Harvard 1. O surgimento do imposto sobre movimentação financeira O IPMF/CPMF é, sem dúvida, um dos tributos mais polêmicos instituídos no Brasil. Sua discussão teve início no contexto da proposta de criação do Imposto Único, em janeiro de 1990, quando propus um novo modelo tributário para o país. Segundo esse projeto, haveria apenas um imposto de características arrecadatórias, incidente sobre movimentação bancária. Os demais tributos, tipicamente fiscais, seriam eliminados gradualmente, permanecendo em vigor apenas aqueles essencialmente extrafiscais, destinados a servirem como instrumentos de regulação ou intervenção do poder público na economia, como o imposto de importação ou o imposto territorial rural, ambos nitidamente extrafiscais. A proposta do Imposto Único tinha como base o conceito de pagamento monetário ou, de maneira mais moderna, a transação financeira realizada por meio do sistema bancário. Um breve histórico do conceito do Imposto Único é necessário para entender as razões que levaram à criação do imposto sobre movimentação financeira. A ideia do imposto único remonta ao século XVIII, com os fisiocratas franceses, que defendiam a taxação da terra como única fonte de receita para o governo. Embora o conceito tenha uma longa tradição na evolução do pensamento econômico, nunca pôde ser concretizado, devido à falta de uma base tributável ampla o suficiente para gerar receita suficiente sem a necessidade de alíquotas confiscatórias. No entanto, modernamente, o conceito da transação financeira como base impositiva tornou-se viável, e o Brasil é um dos poucos países que preenche plenamente os requisitos necessários. A primeira condição é a existência de um sistema bancário altamente informatizado, com um sistema nacional de compensação de cheques e documentos. A segunda é a predisposição cultural da sociedade para não utilizar moeda manual, substituindo-a por diversas formas de moeda escritural. Apenas o Brasil preenche totalmente esses dois requisitos, sendo referência mundial em tecnologia bancária. Além disso, o Brasil é uma das economias mais desmonetizadas do mundo, onde a moeda eletrônica substituiu amplamente o uso de moeda manual. A proposta do Imposto Único nos primeiros anos da década de noventa gerou um grande movimento em prol de mudanças na estrutura de impostos em todo o país. A corrente favorável a um sistema de tributos não-declaratórios abraçou o projeto do Imposto Único, enquanto defensores dos impostos declaratórios passaram a desqualificá-lo, destacando problemas que sua implantação poderia acarretar. O imposto único possui inúmeras vantagens inquestionáveis, tornando a fiscalização mais simples, evidenciando os critérios de taxação e reduzindo os custos para o poder público e o setor privado. Logo após a apresentação da proposta, ela foi apresentada na Câmara dos Deputados pelo então Deputado Federal Flávio Rocha como emenda à Constituição, a PEC 17/91. Isso desencadeou uma intensa discussão sobre a urgente necessidade de uma reforma tributária no Brasil durante o governo Collor, levando à criação da Comissão Ary Osvaldo Mattos Filho em 1991, durante o governo Collor, para elaborar um modelo de reforma tributária para o país. A Comissão endossou oficialmente a criação de um tributo sobre movimentação bancária para financiar a seguridade social. Em 1992, durante o governo Itamar Franco, foi instituído o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que vigorou de agosto de 1993 a dezembro de 1994. Em 1996, já como presidente da República, Fernando Henrique Cardoso criou a CPMF, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, que permanece em vigor até o presente momento. Apesar da polêmica jurídica e econômica que a cercou, essa nova espécie tributária se mostrou robusta e produtiva. Embora mantenha a denominação de "provisória", a CPMF vem se consolidando como um tributo duradouro no sistema tributário brasileiro, sendo uma das experiências mais amplas, duradouras e abrangentes dessa nova espécie tributária no mundo. Apesar de não ser uma experiência pioneira, a aplicação de um imposto sobre movimentação financeira no Brasil se destaca por duas características em seu processo de implantação. A primeira, negativa, é ter sido usado como um tributo adicional, descaracterizando a intenção original de ser único. A segunda, positiva, é sua amplitude, duração e abrangência, tornando-se uma referência mundial. Entretanto, a implementação no Brasil foi antipática aos olhos de especialistas e da opinião pública. Implantado como uma solução emergencial para gerar caixa para o orçamento federal, o IPMF/CPMF teve suas receitas vinculadas a programas específicos e desrespeitou princípios constitucionais, como a anterioridade e a não-cumulatividade. Além disso, iniciou o uso abusivo de contribuições não compartilhadas, uma tendência que persiste. Várias dessas questões foram respondidas juridicamente, outras foram sanadas por meio de alterações e aperfeiçoamentos para atenuar seus impactos econômicos indesejáveis, como isenções para operações em bolsas e movimentações tipificadas como operações financeiras. Críticas, como a da cumulatividade, revelaram-se frágeis, tanto teórica quanto empiricamente. As críticas, no entanto, persistiram, principalmente do ponto de vista econômico. Durante a discussão no Supremo Tribunal Federal, alguns ministros apontaram a cumulatividade no imposto sobre movimentação financeira. A crítica mais resistente é a da cumulatividade, que vem se mostrando frágil tanto teórica quanto empiricamente. Algumas críticas, como a temor de excessiva verticalização da produção, desintermediação bancária, uso de circuitos financeiros off-shore ou informais, iniquidade e regressividade, foram consideradas sem fundamentos sólidos. A discussão sobre o IPMF/CPMF afastou objeções legais e econômicas que se opuseram à sua implementação. Seus méritos e sua formulação conceitual contemporânea credenciam-no a se tornar um tributo relevante no século XXI, como afirmou a Professora Maria da Conceição Tavares. 2. Globalização e informatização: “a cashless society” A crescente intensificação na movimentação de mercadorias e capitais no mundo moderno impõe novos parâmetros de comportamento nos setores privado e governamental. A automação e as sofisticadas formas de gestão, principalmente nas empresas transnacionais, aumentaram vertiginosamente a produtividade e geraram escalas mundiais de produção. As empresas passaram a realizar planejamento estratégico em um contexto global, padronizando produtos e práticas administrativas por todos os países onde atuam. As transnacionais projetam seus produtos, adquirem insumos, produzem, vendem e aplicam recursos financeiros em escala mundial, independentemente da localização física de suas matrizes e filiais. Os circuitos financeiros internacionais movimentam somas vultosas de recursos a cada dia, tornando praticamente impossível a tarefa de acompanhar, controlar e classificar tais fluxos e suas representações materiais para servir de base para um sistema tributário convencional. O avanço tecnológico e a revolução da informática começam agora a alterar profundamente as formas como as trocas se realizam nas economias contemporâneas. O dinheiro de papel será substituído pelas mais variadas formas de moeda escritural, como o cheque, o dinheiro de plástico e a moeda eletrônica. Em breve, as economias modernas serão totalmente desmonetizadas. A desconfortável moeda manual, anti-higiênica e de custosa manipulação, que, como lembrado por Keynes, é uma relíquia bárbara dos tempos em que os meios de troca eram mercadorias com valor intrínseco, irá desaparecer. O termo "cashless society", cunhado pela revista The Economist, resume um novo ambiente econômico em gestação no mundo moderno. O desaparecimento da moeda manual ocorreu precocemente no Brasil, induzido pela inflação crônica entre as décadas de 60 e meados de 90. Estimulada pela corrosão do valor da moeda manual, a sociedade brasileira investiu pesadamente no sistema bancário e deixou de usar dinheiro vivo. O Brasil se antecipou a uma tendência mundial e já opera com taxas de 3% de monetização (papel-moeda em poder do público) em relação ao PIB, certamente a mais baixa do mundo entre as economias ocidentais. Nesse complexo cenário, cabe indagar sobre os impactos gerados na administração tributária. Qual o efeito desse fenômeno sobre os contribuintes? Os atuais sistemas tributários estão estruturados sobre bases convencionais de incidência. A renda pessoal, o lucro das empresas, o consumo e o patrimônio são as formas predominantes de exação. Mas cada uma delas assume características distintas frente à globalização. Profissionais altamente qualificados, com elevado nível de renda, passaram a ter uma mobilidade que jamais tiveram. É o caso dos grandes artistas, esportistas e magnatas, que subitamente passaram a ser estrelas mundiais, em vez de brilharem apenas em seus âmbitos locais e regionais. Esses definem seus domicílios fiscais e investem seus rendimentos em países onde a tributação é menor, tornando-se alvos voláteis para os fiscos de seus respectivos países. No caso dos lucros das empresas, a mobilidade é ainda mais acentuada. As grandes empresas multinacionais dispõem de modernos instrumentos que permitem reduzir seus desembolsos tributários. A utilização dos preços de transferências e a livre escolha na localização de suas sedes operacionais são ações implementadas como forma de minimizar suas obrigações fiscais. A facilidade no transporte de pessoas por todo o mundo também afeta a tributação do consumo. Comerciantes e turistas podem adquirir produtos de elevado valor agregado em países que oferecem preços mais reduzidos. Além disso, nota-se que a expansão acelerada do comércio eletrônico dificulta a tributação por meios convencionais declaratórios, que se tornam incapazes de identificar os locais de origem e destino da operação. A utilização de sistemas tributários convencionais dentro desse contexto de dramáticas mudanças de paradigmas comportamentais e administrativos é caldo de cultura propício para o surgimento de "paraísos fiscais". Há dezenas espalhados pelo globo. Os privilégios tributários proporcionados pelas "offshore companies" criadas nessas ilhas ou países permitem a montagem de complexas operações envolvendo fundações familiares, sociedades de serviços especializados, "trading companies" e fundos de investimentos, criando dificuldades enormes para a gestão de estruturas tributárias ortodoxas baseadas em impostos tradicionais. Nota-se, portanto, acentuada deterioração na capacidade de tributação dos governos nacionais. As atuais estruturas fiscais vivem em constante ameaça em função de decisões tomadas por pessoas e empresas em diferentes partes do mundo e sobre as quais os governos nacionais possuem escassa possibilidade de controle. Tal situação leva o poder público a buscar compensação na excessiva tributação de bases menos voláteis, como os assalariados do setor formal. Isso, por sua vez, gera estímulos à evasão para os setores que se sentem prejudicados. Neste ambiente, os métodos de controle e fiscalização do fisco são igualmente modernizados, mas o sistema tributário e seus modos de ação continuam estruturalmente arcaicos. As formas de tributação não se ajustaram à realidade do novo modo de produção que surge no mundo moderno. O paradigma "fordista" de produção facilitava a fiscalização tributária. Isto levou ao desenvolvimento de métodos de arrecadação e controle baseados no sistema "autodeclaratório com auditoria", ou seja, o próprio contribuinte declara sua movimentação física, econômica e financeira e oferece ao fisco os resultados obtidos em sua atividade produtiva. Ainda hoje, um quilo de salsicha que sai de Chapecó, em Santa Catarina, é acompanhado fisicamente pela fiscalização desde o momento que sai da fábrica, com sua nota fiscal discriminando tipo, peso, embalagem, valor, etc., até seu destino final. Ao chegar em algum supermercado em qualquer ponto do país, o produto é conferido, fiscalizado e visualmente inspecionado. Se isto fazia sentido no passado, tal método tornou-se hoje um exercício de patente futilidade. Não há como aplicá-lo, por exemplo, às centenas de milhões de transações realizadas diariamente em economias modernas como o Brasil, ou a um consultor que envia suas recomendações a seu cliente, em outro continente, por e-mail, de sua residência. Nada mais ineficaz. O Brasil precisa adequar seu sistema tributário ao mundo contemporâneo. A informatização dos bancos e a predominância da moeda eletrônica convergem para a adoção de um sistema de impostos baseado na movimentação financeira. 3. Reforma tributária urgente Roberto Campos foi um ardente defensor do imposto eletrônico, do imposto único e dos impostos não-declaratórios. Tal postura pode surpreender aqueles que afirmam que ele era um conservador empedernido. Estão equivocados. Ele foi sempre original, um iconoclasta, um criador de paradigmas. Entre 1964 e 1967, foi o responsável pela reforma que criou as bases do atual sistema tributário. A partir dos anos 80, o político Roberto Campos passou a criticar a administração pública brasileira. Dizia: "continuamos longe demais da riqueza atingível e perto demais da pobreza corrigível", e apontava o sistema tributário como um dos maiores obstáculos a serem removidos pelo país. No debate sobre o tema, entre as reformas simplificadoras e as inovações revolucionárias, Roberto Campos preferiu ficar com as últimas. Ele percebeu que os tributos sobre valor agregado, os IVAs, tidos como justos e eficientes, escondiam uma outra realidade, bem menos atraente, e cujas deformações eram ampliadas em países com organização federativa. O resultado é a exacerbação burocrática, a galopante corrupção, a exasperadora complexidade, os proibitivos custos de arrecadação, a irresistível evasão e a convidativa sonegação. Em 3/11/1991, em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "Reforma ou revolução", Roberto Campos afirmou que a ética fiscal brasileira fora destruída. Dizia que pagar impostos no Brasil é comprar chateação e que apenas as empresas organizadas do setor privado e os assalariados com carteira assinada é que pagavam tributos diretos. Os outros dois terços, que sonegavam, eram classificados por ele como delinquentes. E prosseguia dizendo naquele memorável artigo que, "em matéria fiscal, o país tem chance de uma experiência pioneira com o imposto único. Isso pela coincidência de circunstâncias inexistentes alhures: a) tanto a ética como a estrutura fiscal entraram em colapso; b) a economia está desmonetizada -o papel-moeda em poder do público é de 1% do PIB; c) o sistema bancário é surpreendentemente eletronificado para um país do Terceiro Mundo". Campos completou, afirmando: “A meu ver, as características de uma revolução fiscal seriam: 1) um fato gerador suficientemente amplo e simples para elidir a fronteira entre contribuintes e delinquentes; 2) alíquotas suficientemente baixas para tornar ridícula a engenharia da sonegação; 3) coleta automatizada para tornar dispensáveis as três burocracias do fisco; e 4) repasse instantâneo aos beneficiários, evitando-se as complicações da indexação dos tributos. Todas essas condições são satisfeitas pela proposta do professor Marcos Cintra e por nenhuma das propostas reformistas”. Desde então, Roberto Campos se tornou um guerrilheiro da reforma tributária e dos impostos sobre movimentação financeira. Contudo, a forma desastrada de implantar o IPMF/CPMF proporcionou aos críticos uma oportunidade valiosa para satanizar aquele tributo. Criou-se o mito de que, por ser cumulativo, ou em cascata, ele seria necessariamente de baixa qualidade, e por isso deveria ser combatido. Com sarcasmo, Roberto Campos distinguia dois tipos de cascata, uma maligna e outra benigna. A primeira compreende tributos como o PIS e a Cofins (que ainda eram cobrados em cascata), de recolhimento inevitável. A segunda diz respeito aos impostos que reduzem as obrigações fiscais, tais como o Simples e o Imposto de Renda sobre o lucro presumido. As críticas são sempre dirigidas ao primeiro grupo. Assim, quando a carga tributária pode ser reduzida, a cascata é considerada benigna até pelos ferrenhos críticos da cumulatividade. Contudo, quando a cascata implica carga tributária alta, torna-se diabólica. Exemplo claro e inegável se dá com respeito às críticas à CPMF, em razão de esse tributo ter se mostrado insonegável. As discussões em torno da reforma tributária em 1999 dentro da Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados deram origem a uma proposta excessivamente conservadora, que Roberto Campos classificou de "aperfeiçoamento do obsoleto". Dizia ser a reforma tributária uma demanda fundamental para nos aproximarmos da "riqueza atingível" e para combatermos a "pobreza corrigível". E o instrumento seria um tributo sobre movimentação financeira nos moldes da CPMF, por ser um tributo universal, insonegável, e capaz de alcançar todos os agentes econômicos, eliminando a iniquidade dos impostos declaratórios que permitem que alguns contribuintes sejam fortemente onerados, e que os sonegadores tenham cargas tributárias individuais sensivelmente mais baixas. A CPMF tem um mérito inegável, convenientemente ignorado por vários de seus críticos: o de eliminar do atual sistema tributário sua maior aberração, qual seja, as diferenças artificiais de custos de produção causadas pela ampla e generalizada sonegação de impostos no país. A sonegação cria uma vantagem comparativa perversa. Permite a sobrevivência de empresas ineficientes na produção, desde que ousadas na sonegação; e deixa morrer as que são competitivas na produção, mas tímidas na evasão. A forma pela qual a evasão de impostos distribui a atual carga tributária implica distorção econômica mais grave do que a alegada alteração nos preços relativos que um turnover tax, como a CPMF, poderia estar causando na economia brasileira. No mundo global e informatizado, não se deve imaginar que os impostos convencionais e ortodoxos gerados na era do papel, dos livros contábeis, das barreiras físicas de transporte e de comunicação , e do isolacionismo político e econômico serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária e de servirem de base para a urgente reforma tributária que o Brasil necessita. Recentemente, iniciou-se no mundo o que vem sendo chamado de “flat-tax revolution”. Vários países do leste europeu vêm implementando significativas mudanças em seus sistemas tributários. A unificação de impostos foi adotada em 1994 pela Estônia, que criou uma alíquota de 26% sobre a renda para substituir quatro tributos. Em seguida, Lituânia, Letônia, Rússia, Sérvia, Ucrânia, Eslováquia, Geórgia e Romênia seguiram a mesma diretriz. 4. Uma nova base tributária A simplificação tributária do leste europeu é um exemplo que vem despertando interesse em todo o mundo. Conduzir a simplificação à sua consequência lógica, unificando impostos em uma única base real, exigiria identificar uma base ampla para permitir alíquotas marginais módicas e evitar a evasão e a sonegação. A partir dos anos oitenta, tornou-se evidente que a base mais ampla possível é o fluxo monetário. No Brasil, com a ampla e sofisticada informatização do sistema bancário e a predominância da moeda escritural sobre a moeda manual, é fácil concluir que a base não-declaratória da movimentação financeira seria a mais adequada para implantar um sistema simplificado, barato e imune à clandestinidade econômica. Uma autêntica reforma tributária deveria juntar a ousadia simplificadora das experiências do leste europeu com a eficiência técnica do modelo da CPMF brasileira. No entanto, a tendência predominante é a adoção de bases tradicionais como a renda, o lucro e o valor agregado. Há propostas que unificam vários tributos (ICMS, IPI, ISS, PIS, Cofins, e contribuições ao INSS), tomando o valor adicionado como fato gerador, uma espécie de IVA único. Como pude demonstrar no artigo "IVA único serve para o Brasil?", publicado na Gazeta Mercantil em 29/3/2005, a alíquota necessária para gerar a mesma arrecadação que todos os tributos extintos será próxima de 40%. É evidente que, como a evasão varia na proporção direta da alíquota nominal do imposto, surgirá um grande estímulo à sonegação, o que irá agravar as mazelas do sistema tributário atual. No Brasil, o padrão de incidência tributária é caótico, imprevisível, devastador, a ponto de poder fazer quebrar uma empresa eficiente que paga impostos, e de fazer sobreviver uma ineficiente, que sonega e saqueia seus concorrentes. A CPMF neutraliza esta anomalia. Em geral, o custo da evasão acaba superando a própria economia tributária. Esta é a vantagem de um imposto não-declaratório, que, por ser insonegável, permite alíquotas baixas, porém universais. 5. Críticas e respostas Tornou-se moda acusar a CPMF de uma série de defeitos que não poderiam, por lógica ou justiça, ser atribuídos a ela, ou apenas a ela. Impostos sobre movimentação financeira possuem qualidades. Apesar das usuais acusações de cumulatividade, impossibilidade de desoneração nas exportações, regressividade e outras distorções, a CPMF vem se firmando como um tributo confiável, robusto e, sobretudo, justo, por ser insonegável. A CPMF é a única espécie tributária que sobrevive incólume aos intensos debates sobre como reformar o sistema tributário brasileiro. Criticada, tornou-se, porém indispensável. Mas, se uma mentira repetida muitas vezes acaba virando verdade, já é hora de questionar muitas das alegações que vêm sendo feitas sobre a CPMF antes que se tornem universalmente tidas como verdadeiras. Afirmam que a CPMF, por ser um tributo cumulativo, é um imposto burro. Mais à frente rebateremos este argumento. Mas cumpre dizer, desde já que impostos em cascata não são necessariamente ruins. As recentes teorias da tributação ótima, juntamente com postulados da teoria do second-best, de safra mais antiga, já deveriam ter convencido os economistas de que não se pode concluir a priori se um tributo cumulativo introduz mais ou menos distorções na economia. Um tributo em cascata com alíquotas baixas pode ser melhor, do ponto de vista alocativo, que tributos sobre valor agregado com alíquotas altas. Outra crítica comum é factual. Afirma-se que a cumulatividade da CPMF, e da Cofins e do PIS quando ainda eram cumulativas, atinge, em apenas oito etapas de produção, carga de impostos de 25% no preço final. Trata-se de um equívoco numérico elementar. O conceito de número finito de etapas de produção é destituído de sentido. O processo de produção é sempre circular. O número de etapas é infinito para qualquer produto. Simulações utilizando uma matriz de insumo-produto para 33 setores de produção, fornecida pelo IBGE, comprovam que a carga tributária é inferior a 9% em todos os setores da economia. Foi tomada por base a alíquota de 1% em cada lançamento bancário. Há quem diga que a CPMF vai contra todos os modernos princípios da ciência tributária e contraria tudo o que fazem os outros países. A primeira parte da crítica é falsa e a segunda, irrelevante. Políticos, economistas e tributaristas de boa estirpe no Brasil e no mundo apoiam impostos sobre transações financeiras e os recomendam em seus trabalhos e estudos. Entre os economistas, James Tobin (Prêmio Nobel), Rudiger Dornbusch, Roberto Campos, Maria da Conceição Tavares e o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Entre os políticos, Flávio Rocha, Luiz Roberto Ponte (autor de emenda de grande popularidade no Congresso), Luiz Carlos Hauly (autor de outra respeitada proposta), e os senadores Paulo Octávio e Jefferson Peres, dentre inúmeros outros. Não importa se outros países não se valem de impostos como a CPMF. É possível que não tenham atingido as mesmas condições materiais para desenvolvê-la, como generalizada desmonetização e sofisticada informatização bancária. Mas mesmo que pudessem utilizá-la, porque deveríamos copiá-los, e não nos anteciparmos a eles, como se faz agora? A CPMF é um imposto moderno, produto da era da informática, e sua futura utilização em outros países do mundo será inevitável. No entanto, persistem temores acerca dos impactos da CPMF nos mercados financeiros e nas exportações. Nos mercados financeiros e de capitais temia-se que a CPMF aumentasse os custos das aplicações financeiras, reduzindo sua rentabilidade de curto prazo. Temia-se, ainda, que a incidência do tributo sobre as operações em bolsa poderia afugentar os fundos estrangeiros, podendo até levar à mudança do centro de liquidez das ações brasileiras para o exterior. Estas críticas são pertinentes, porém perfeitamente administráveis. A isenção da CPMF, inicialmente aos investidores estrangeiros nas bolsas de valores a partir de 2001 deu início a uma série de necessários aperfeiçoamentos na regulamentação desse imposto. Em seguida, através da lei 10892/04 que criou a conta-investimento, tornaram-se isentas também todas as movimentações financeiras estritamente dentro do mercado financeiro e de capitais. Contudo, a cumulatividade ainda é a crítica mais frequente. Teme-se que a cascata provoque impacto indesejado nos preços e prejudique a produção e a exportação. Em realidade, qualquer imposto, seja ele cumulativo, ou não, terá impacto no preço final do produto e, portanto, "prejudica" a produção. O que nem sempre é notado, no entanto, é que um imposto em cascata com alíquota baixa (como a CPMF) pode ser preferível a um imposto sobre valor agregado com alíquota alta (como o ICMS). A grande atratividade da CPMF é que por ser insonegável, admite alíquota nominal baixa para um dado nível de arrecadação, ao passo que os impostos declaratórios convencionais, por serem fortemente sonegados, exigem alíquotas altas para arrecadarem o mesmo valor. Vê-se, portanto, que ao contrário da afirmação dos críticos, a CPMF prejudica menos a produção, e consequentemente as exportações, que os impostos convencionais. 6. Cumulatividade O escritor inglês C. C. Colton afirmou que "há enganos tão bem elaborados que seria estupidez não ser enganado por eles". A mitificação da superioridade da não-cumulatividade sobre os tributos em cascata é um desses trágicos enganos. Há alguns anos, a bandeira da não-cumulatividade foi transformada em dogma, dando-se início a uma guerra santa contra tributos cumulativos como o PIS, a Cofins e a CPMF. É curioso notar que importantes tributos cumulativos como o Simples, o Imposto de Renda cobrado sobre lucro presumido, o ISS e até mesmo extravagâncias como o ICMS cumulativo (por exemplo, quando cobrado sobre faturamento no setor de alimentação em São Paulo), entre inúmeros outros casos, não são criticados. As objeções se restringem à CPMF e ao PIS-Cofins cumulativo. A crítica da cumulatividade foi colocada com clareza por Delfim Netto no trecho reproduzido abaixo: “O sistema tributário deve ser o mais neutro possível com relação às distorções que sempre produz sobre os preços relativos. É por isso que um sistema com tributação sobre o valor adicionado é considerado melhor do que o que utiliza o imposto em cascata... Não existe nenhum teorema de finanças públicas que demonstre esse fato.” “Sabemos, sim, que o critério da cobrança em cascata introduz profundas distorções nos preços relativos (em geral, não se conhecem a direção nem a dimensão das distorções). O professor Marcos Cintra tem estudado teórica e empiricamente esses problemas e seus trabalhos merecem atenção porque diminuem a potência da crítica superficial à cascata. Pena que ele não esteja no Congresso para enriquecer os debates.” “Uma coisa é certa: a sua pregação teve um efeito importante sobre a Receita Federal, como se pode deduzir das posições assumidas pelo ilustre ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.” “Nós continuamos com a “crença” de que o sistema de valor adicionado é superior (do ponto de vista alocativo, isto é, do desenvolvimento econômico) ao de cascata.” Como se vê, economistas, políticos, tributaristas e empresários acreditam que a cumulatividade é a fonte dos males do sistema tributário brasileiro. Os críticos dos tributos em cascata defendem os impostos sobre o valor agregado (IVA) afirmando ser essa forma de cobrança neutra, justa e eficiente. A cumulatividade sempre esteve presente no sistema tributário brasileiro. Mesmo com a forte campanha anti-cumulatividade encetada pelas principais lideranças empresariais e pelo governo, os tributos cumulativos podem causar menos impactos negativos e, portanto, serem preferíveis aos impostos sobre valor agregado (IVAs). A alegação de que a CPMF é ruim porque é cumulativa é um puritanismo hipócrita, porquanto não existe imposto perfeitamente não-cumulativo, um ideal teórico e jamais encontrado na vida real. Ademais, por ser a CPMF um tributo insonegável, não causa as imensas distorções de preços relativos e, portanto, alocativas, que a sonegação, estimulada pelos tributos convencionais, introduz na matriz interindustrial brasileira. Essa, sim, é uma perversidade, uma aberração, que seria amplamente evitada com o uso de tributos eletrônicos como a CPMF. Em várias simulações publicadas, mostrei que um imposto cumulativo sobre as movimentações financeiras, com baixa alíquota, provoca menos distorções sobre os preços relativos do que um IVA sonegável com alíquota elevada. A alegação de que o IVA provoca menos distorção nos preços relativos pode ser verdadeira quando avaliada sob a condição "ceteris paribus" e considerando a hipótese de sonegação zero. Entretanto, as hipóteses que confirmam a vantagem do IVA não são observadas na prática. A sonegação é um fenômeno disseminado na economia brasileira e a aplicação de um sistema de cobrança sobre o valor agregado, ao exigir uma alíquota absurdamente elevada, irá incentivá-la. Ademais, a suposta vantagem do imposto sobre valor agregado em relação ao menor impacto sobre os preços relativos é baseada na aceitação de que os mercados são competitivos perfeitos. Sabe-se, contudo, que os mercados não satisfazem essa hipótese. A única base tributária capaz de enfrentar a sonegação é a movimentação financeira. Mesmo sendo cumulativo, esse imposto, ao permitir a aplicação de uma alíquota reduzida sobre um sistema não-declaratório e automático, minimiza a sonegação, criando um sistema mais justo, e reduz os custos administrativos para os agentes públicos e privados. No tocante às distorções nos preços relativos, apresento na tabela abaixo o resumo de um ensaio que produzi, utilizando a matriz insumo-produto do IBGE, para apurar o impacto sobre os preços de 42 setores da economia de um imposto sobre a movimentação financeira (IMF), comparativamente a um sistema com ICMS, IPI, INSS e ISS. Reunindo os setores em cinco grandes grupos, mostro que o impacto de um IMF, com alíquota de 5,3% dividida no débito e no crédito de cada lançamento bancário (que geraria a arrecadação equivalente), faz os preços pós-impostos se distanciarem dos preços sem impostos entre 11,3% e 18,5%. Já o IVA causa elevações de 32% a 50,9%. Analisando os desvios nos preços relativos setoriais causados por cada um desses dois modelos, nota-se que foram de 4,4% no caso do IMF e de 8% no sistema tradicional. Vê-se, portanto, que a cumulatividade não é o principal problema a ser enfrentado na construção de um novo sistema tributário. As distorções nos preços relativos de um IMF são bem menores que as causadas por um IVA. O foco das preocupações do administrador público deve ser a eliminação da sonegação, a redução do custo operacional e a ampliação da base tributária imponível. José Roberto Affonso e Érika A. Araújo afirmam que os tributos cumulativos “são mais fáceis de serem cobrados e pagos...”, ao passo que os sobre valor adicionado são “mais complexos de serem apurados e mesmo compreendidos”. Em sua argumentação contra os impostos cumulativos, os autores dizem que os tributos cumulativos são “os mais danosos à competitividade da produção nacional, pela dificuldade em eliminar integralmente sua incidência sobre um bem exportado e pela vantagem que oferecem às importações que, em regra geral, não se sujeitam ao mesmo tratamento no país de origem”. No tocante a essa observação, é interessante notar a reação do Professor José Alexandre Scheinkman ao ser convidado a proferir palestra sobre competitividade comercial e harmonização tributária. Disse ele: “competitividade é uma noção que não faz nenhum sentido para um país como um todo. Todos os países têm maior competitividade ou menor competitividade em produtos diferentes”. E complementa: “a ideia de que a estrutura tributária... afeta a competitividade, a meu ver não faz sentido”. O Professor Scheinkman demonstra com precisão que os fatores que deprimem a produtividade em uma economia são a sonegação e a economia informal. Se o sistema tributário induz altas taxas de sonegação e elisão, a produtividade deixa de guardar correlação com os investimentos em tecnologia e com eficiência administrativa e gerencial. Uma empresa de baixos custos de produção pode não ser “competitiva” frente a outra que sonegue os tributos, ainda que os custos de produção da empresa sonegadora sejam mais elevados. Isso estimula a sobrevivência de empresas ineficientes e deprime a produtividade econômica do país. Em outras palavras, a remoção da cumulatividade não aumentará a produtividade da economia, pois dela resultarão aumentos das alíquotas dos impostos convencionais e, portanto, maior sonegação. O grande vilão do sistema tributário atual não é a cumulatividade, mas sim a sonegação resultante da complexidade e das altas alíquotas implícitas nos modelos tributários declaratórios atuais. Finalmente, cumpre esclarecer que a verdadeira prova de eficiência de um sistema tributário é sua capacidade de arrecadar. De nada adianta um tributo ser teoricamente neutro, justo e eficiente, se na prática não consegue arrecadar o esperado, ou então se gera padrões de comportamentos nos contribuintes que neutralizam, e muitas vezes até revertem, suas anunciadas qualidades. Visões românticas enxergam na cobrança de tributos a expressão do espírito cívico do cidadão cônscio de seus direitos e deveres. Humanitários passaram a acreditar que a única maneira de redistribuir riqueza e renda é através da cobrança punitiva de impostos dos mais eficientes e mais abastados. Economistas e líderes políticos buscam nos impostos, ou na isenção deles, o caminho para estimular o desenvolvimento econômico. Ecologistas e sanitaristas usam o sistema tributário como forma de proteção do meio ambiente e de punição para infratores de suas regras conservacionistas. Planejadores urbanos e regionais utilizam-nos como mecanismos de indução para alcançar objetivos socialmente desejáveis. Agricultores querem a reforma agrária pela tributação dos latifúndios. Em suma, todos procuram no sistema tributário a solução para seus problemas. Como afirmou Everardo Maciel, “isso serve apenas para demonstrar que o debate sobre matéria tributária pode tomar rumos imprevisíveis, ditados por razões fortuitas ou motivos insondáveis”. A multiplicidade de objetivos a serem atingidos pelo sistema tributário tornou-o altamente complexo, burocratizado, caro, ineficiente, altamente corrupto e fortemente indutor das mais variadas formas de evasão. O formalismo teórico tão grato aos economistas de gabinete que buscam identificar nos impostos seus impactos alocativos e distributivos com milimétrica precisão, revela-se cada vez mais ilusório. A realidade econômica não se ajusta aos precisos modelos econômicos construídos no campo da alta abstração. Nas palavras de Mangabeira Unger, a visão acadêmica desdobra-se em meio a “ilusões edificantes e tranquilizadoras”. Mas “o mundo é selvagem e obscuro”. Não existe o mundo da competição perfeita. Na mesma linha e raciocínio, Delfim Netto declara que a ciência econômica deixa a impressão de ser: “um corpo de conhecimento progressivo, uma ‘ciência dura’”. Prossegue o autor: “o que toda essa sofisticação esqueceu é que ela está apoiada em dois postulados implícitos: 1) que não existe sonegação, isto é, que todo o cidadão é prisioneiro de normas sociais rígidas, que lançam o opróbrio sobre o sonegador e 2) que o recolhimento desses impostos não tem custo, isto é, eles saem direto do livro texto para a caixa do tesouro... ‘Quando se leva em conta a falsidade desses dois postulados, começa-se a duvidar da qualidade das recomendações sugeridas e a ter mais respeito intelectual pelas propostas dos ‘ ‘impostos não-declaratórios’ ...” O resgate do conceito da arrecadação como meta fundamental e prioritária do sistema tributário encontra respaldo também em UNGER (1998) onde ele confirma a necessidade de se resgatar a função arrecadatória dos impostos ao escrever que impostos indiretos, mesmo cumulativos, podem “gerar muito dinheiro com pouco desarranjo econômico”, ao passo que impostos diretos e progressivos, tão caros a economistas em suas torres de marfim, “como o Imposto de Renda sobre a pessoa física, não produz a receita necessária. Nem pode fazê-lo, por enquanto, sem acarretar desincentivos, fugas e evasões devastadoras”. Unger vai além e diz que o essencial é gerar “dinheiro para o Estado investir no social”. Finalizo este texto reproduzindo o pensamento de Paulo Rangel, brilhante consultor legislativo na Câmara dos Deputados, sobre a polêmica do imposto sobre movimentação financeira. “A tributação das movimentações financeiras é ainda um tema infrequente na literatura especializada. Atualmente o Brasil é o detentor da primazia na mais rica, ampla e bem-sucedida experimentação no campo dessa peculiar técnica tributária”. “Nessa matéria, não há socorro disponível em inglês, francês, alemão, japonês ou italiano. Por uma vez, somos o único referencial de nossas próprias reflexões, e a experiência brasileira é a referência básica para os estudiosos estrangeiros”.

  • Conflito na gestão estatal

    Em uma recente entrevista concedida ao jornal "O Estado de São Paulo", o presidente da Petrobrás, Osires Silva, fez uma curiosa distinção entre privatização e livre iniciativa. Segundo ele, o país precisa menos de privatização e mais de livre iniciativa. Disse ainda que o discurso a favor da privatização está "fora de época". Sem levar em conta que, ao contrário do que afirmou o presidente da maior estatal brasileira, nunca se discutiu tanto os méritos da privatização como agora, o fato é que não há como distinguir os dois conceitos que Osires Silva tenta diferenciar. O que ele pretendia, provavelmente, era mostrar que uma empresa pode ser gerida com métodos empresariais modernos, capazes de gerar lucros aceitáveis, ao mesmo tempo em que o Estado seja seu acionista majoritário. Neste ponto, existem divergências. A experiência do presidente da Petrobrás na Embraer, onde aliás se notabilizou como um extraordinário administrador, não deve induzi-lo a erro. A indústria aeronáutica brasileira é um nicho totalmente atípico dentro do universo das empresas estatais. Trata-se de um setor totalmente protegido do apetite dos políticos, talvez por ser uma área considerada de interesse militar, o que de certa forma o isolou das pressões e da ineficiência (sob o ângulo privado) que assola a maior parte das empresas públicas do setor produtivo. É impossível a dissociação entre a propriedade estatal e critérios de comportamento gerencial típicos do Estado, que por isso mesmo fogem dos padrões de eficiência da propriedade privada. A administração estatal está sujeita a padrões de comportamento que não colocam a rentabilidade econômica no topo da escala, sujeitando-a a considerações de ordem social, política e até mesmo pessoal por parte da burocracia dominante. Imaginar que seja possível afastar os interesses dos controladores acionistas de uma empresa (no caso, o Estado) do comportamento empresarial de sua administração (normalmente composta por pessoas nomeadas por critérios políticos) é ignorar uma realidade claramente visível. Mesmo admitindo-se que não existam pressões políticas no mau sentido, e que o administrador público seja possuído das melhores intenções, é forçoso reconhecer que seus critérios de avaliação são, como de fato devem ser, diferentes daqueles que balizam uma empresa privada. Assim, naqueles setores considerados típicos da atuação estatal, como monopólios naturais ou serviços de uso coletivo, por exemplo, um administrador imbuido dos valores próprios de empresários estaria tão deslocado e seria tão "ineficiente" quanto um executivo público numa empresa privada. As interferências políticas de que Osires Silva reclama ao se referir à sua gestão na Petrobrás são apenas a regra no setor público em qualquer lugar do mundo. Sistemas de fixação de preço que ignoram a necessidade de gerar lucros, empecilhos à contratação e demissão de pessoal, e outras interferências que Osires Silva acha insuportáveis, são apenas tipos de comportamento que não seriam necessariamente criticáveis se praticados em atividades típicas de governo, como, por exemplo, nas áreas da Justiça, segurança e educação. O que está errado é que atividades econômicas tipicamente privadas sejam geridas pelo Estado. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, Doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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