AS ALTERNATIVAS DE INTEGRAÇÃO COMERCIAL PARA O BRASIL: ALCA, UE, OMC, 4+1, ...
Marcos Cintra
1. Introdução e objetivos
Dentre todas as vertiginosas mudanças econômicas e sociais que têm caracterizado os últimos anos, talvez a globalização dos mercados tenha sido o acontecimento de reflexos mais profundos em todos os aspectos da vida contemporânea. Fruto, a um só tempo, de fatores conjunturais e estruturais, de inovações científicas e tecnológicas, de eventos políticos e transformações sociais, esse processo de interligação de países e povos e de derrubada de barreiras tangíveis e intangíveis tem conduzido o mundo a uma trajetória impensável há apenas poucas décadas.
Corolário direto destes novos tempos, a expansão vertiginosa do comércio mundial de bens e serviços e dos fluxos financeiros internacionais fez-se acompanhar por uma tendência de formação de blocos econômicos, paralelamente ao prosseguimento de negociações multilaterais para a remoção de entraves às trocas de mercadorias. Assim é que nomes como MERCOSUL, União Européia e NAFTA tornaram-se familiares, ao longo dos últimos anos, a parcelas crescentes de nossa sociedade.
Mais recentemente, uma nova sigla veio se juntar àquele rol. De início pouco notada, a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) vem despontando como alvo preferencial da atenção de estudiosos, políticos e empresários. Dois são os fatores que justificam esse abrupto aumento de interesse. De um lado, a significação econômica e social do empreendimento proposto, nada menos que a formação de uma zona de livre-comércio que congregará todo o Continente Americano, acrescida da construção de uma normativa comum em áreas tão sensíveis como a de serviços, de investimentos, de compras governamentais e de propriedade intelectual. De outra parte, o cronograma de negociações acordado, o qual prevê a conclusão dos entendimentos já no início de 2005.
Assim, eventos como o Seminário “O Brasil e a ALCA” revestem-se de especial interesse e relevância, dado que nos permite ter acesso à opinião abalizada de alguns dos maiores especialistas nos intrincados meandros da integração hemisférica – incluindo pensadores, economistas, diplomatas, jornalistas e lideranças políticas das mais variadas correntes. Matéria tão complexa não admite, decerto, juízos simplistas ou diagnósticos superficiais. Cumpre, pois, aproveitar a oportunidade que em boa hora nos oferece a Câmara dos Deputados para que as ricas exposições e os férteis debates que aqui terão lugar hoje e amanhã possam aprimorar nosso grau de conhecimento sobre o assunto e, por conseguinte, permitir-nos um posicionamento frente à questão com a seriedade e a responsabilidade exigidas pelo atual momento.
Julgamos interessante, neste ponto, efetuar alguns poucos comentários sobre pontos específicos levantados pelos ilustres palestrantes deste módulo, “O Brasil e sua inserção no Mundo: MERCOSUL, ALCA, UE e OMC”. Desejamos, em particular, acrescentar alguns dados e observações relativas ao confronto entre as possibilidades de integração comercial do MERCOSUL com a União Européia, de um lado, e da formação da ALCA, de outro.
Antes, porém, cumpre avaliar o estágio atual das negociações, e sobretudo o escopo e abrangência dos entendimentos que poderão levar, se forem exitosos, à concretização de uma zona de livre-comércio das Américas. O interessante nesta análise é que o escopo dos Grupos de Negociação (GN) da ALCA indica que o projeto vai além do que as zonas de livre-comércio tradicionalmente implicam; mostra ainda que há, por parte dos negociadores e idealizadores do projeto, preocupações que extrapolam as questões meramente comerciais, dando clara indicação de que o mundo globalizado da atualidade exige que pré-requisitos de ordem política, social, ambiental, e sobretudo macroeconômicos compõem hoje, e não foi assim no passado, o rol de condições necessárias para o sucesso da ALCA.
Como afirmam Brandão e Brandão (2001), os acordos comerciais mais recentes
“têm uma concepção moderna em relação ao que prevalecia em períodos anteriores na América Latina. Essa concepção tem por base o fato de que a área de livre-comércio, ou mercado comum, tem por objetivo aumentar a competitividade dos setores produtores de bens comercializáveis internacionalmente. Anteriormente, a visão predominante era de que o acordo teria como objetivo ampliar o mercado interno e facilitar a substituição de importações”.
Em outras palavras, busca-se hoje o atendimento a um rol diversificado de metas internas e externas que fazem desses empreendimentos projetos mais ambiciosos e, conseqüentemente, mais exigentes em termos de cooperação e coordenação do que os de gerações anteriores, como é o caso do CARICOM e da ALADI.
Neste sentido, há três preocupações fundamentais a serem atendidas nas negociações da ALCA.
A primeira se relaciona às fortes assimetrias e às colossais diferenças econômicas, sociais e políticas entre os países componentes da ALCA. Há que se buscar mecanismos para atender às maiores pressões importadoras das pequenas economias com a formação de uma zona de livre-comércio, bem como se criar oportunidades diferenciadas de abertura de mercados de exportação e de fluxo de investimentos e de tecnologia em condições privilegiadas para esses países. Ao menos durante um certo horizonte de tempo, há que se ter uma política ativa que busque garantir um mínimo de homogeneidade às economias do continente.
A segunda reproduz internamente, dentro das grandes economias da ALCA, notadamente no Brasil, as mesmas dificuldades, mutatis mutandis, geradas pelas assimetrias internacionais. Sendo a ALCA um projeto com forte lastro político, ainda que encapsulado dentro de um invólucro econômico, torna-se essencial para o sucesso do empreendimento que haja uma distribuição minimamente eqüitativa de vantagens e benefícios entre as várias regiões do País, sem o que se aprofundam as assimetrias internas e, conseqüentemente, enfraquece-se o apoiamento político necessário para o seu sucesso. É forçoso reconhecer que, sem um mínimo de coesão política em torno do projeto, dificilmente se logrará êxito, dada a exigüidade de tempo prevista até o encerramento das negociações, que deverá ocorrer antes de 2005.
Nesse sentido, tornam-se relevantes, no caso brasileiro, as simulações efetuadas por Haddad, Domingues e Perobelli (2001), que, ao avaliarem o impacto das três negociações em curso atualmente, ALCA, MERCOSUL-UE e OMC, concluem que todas gerariam potencialmente mudanças que favoreceriam as regiões Sul e Sudeste, aumentando a desigualdade regional do País.
A terceira se relaciona ao fato de que muitos países apenas recentemente lograram estabilizar suas economias. Outros ainda estão em fase de estabilização, e outros ainda enfrentam sérias ameaças desestabilizadoras, internas e externas. Nestas condições, surge uma gama excessivamente diferenciada de regimes monetários, fiscais e cambiais, de tal forma que não se torne capaz de reunir as condições macroeconômicas adequadas para evitar o surgimento de crises de balanço de pagamentos que comprometam a adesão aos princípios da ALCA. Nesse sentido, como nos alerta Araújo Jr. (1998), dentre os países estruturantes da ALCA, apenas os Estados Unidos, o Canadá e o Chile “cumprem os três requisitos básicos para uma negociação comercial bem-sucedida... o equilíbrio da taxa de câmbio, a estabilidade dos preços domésticos, e a regularidade das normas de comércio exterior”. A maior parte dos outros países ainda formula suas políticas econômicas “com base na memória de crises recentes, ou sob a expectativa de conclusão de reformas econômicas em curso, ou ainda sob o impacto da sobrevalorização cambial”. Nestas circunstâncias, tornam-se mais fortes as resistências à liberalização comercial.
Pelas razões acima enumeradas, a ALCA é um empreendimento difícil, com altos riscos de insucesso, menos pela oposição de alguns setores internos de vários países (como é o caso do movimento sindical norte-americano, dos lobbies internos no Congresso dos Estados Unidos ou dos setores industriais dos países com nível intermediário de desenvolvimento que se sentem ameaçados, como no Brasil), e muito mais pelas dificuldades intrínsecas da obtenção de um mínimo de coordenação macroeconômica exigida em projetos de integração comercial.
2. Processo de negociação
2.1. GN SOBRE ACESSO A MERCADOS (GNAM)
Foram realizadas até o presente catorze reuniões do GNAM. Os temas seriam agrupados em dois blocos, a saber:
a) regras de origem e procedimentos aduaneiros relacionados com regras de origem, procedimentos aduaneiros e barreiras técnicas ao comércio; e
b) tarifas, medidas não-tarifárias e salvaguardas.
O Grupo também concordou em estabelecer trabalhos técnicos simultâneos com as reuniões plenárias.
Até 1o de abril de 2002, o GNAM terá que encaminhar ao CNC recomendações sobre métodos e modalidades para as negociações tarifárias, que se iniciarão em 15 de maio de 2002. O GNAM está elaborando documento sobre a matéria, que deverá abranger os seguintes temas: tarifa base; período de referência dos dados de comércio; nomenclatura tarifária; calendários e ritmos de eliminação de tarifas; tipos de concessões tarifárias; e métodos para determinar as concessões.
2.2. GN SOBRE AGRICULTURA (GNAG)
O Grupo de Negociação de Agricultura (GNAG) realizou treze reuniões até o momento. A 13a Reunião do GNAG, ocorrida em agosto passado, constituiu-se na terceira reunião do grupo da presente etapa negociadora, iniciada após a Conferência Ministerial de Buenos Aires. Representou, ainda, a conclusão do primeiro “ciclo de revisão” do capítulo sobre agricultura da ALCA, além de dar tratamento a um conjunto de tarefas acessórias, mas igualmente importantes, tais como a avaliação das necessidades da Base de Dados Hemisférica em relação aos produtos agrícolas e à aprovação do formulário de notificação e contranotificação de medidas sanitárias e fitossanitárias.
A exemplo do ocorrido em etapas anteriores da negociação, o MERCOSUL tem mantido uma atuação coesa e organizada, o que se traduz não só na manutenção da iniciativa propositiva em relação aos temas substantivos, mas também na capacidade de oferecer ao GNAG procedimentos e metodologia de trabalho que têm permitido mover a agenda do Grupo com vistas a cumprir os prazos e as metas estabelecidas nas instâncias ministeriais.
2.3. GN SOBRE SUBSÍDIOS, ANTIDUMPING E MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
(GNASMC)
O Grupo de Negociação sobre Subsídios, Antidumping e Medidas Compensatórias (GNSAMC) tem por mandato:
a) “Examinar maneiras de aprofundar, caso seja apropriado, as disciplinas existentes
que figuram no Acordo da OMC sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e lograr um maior cumprimento das disposições do mencionado Acordo da OMC”;
b) “Alcançar um entendimento comum com vistas a melhorar, onde possível, as
regras e procedimentos relativos à operação e aplicação das legislações sobre dumping e subsídios, a fim de não criar barreiras injustificadas ao comércio no Hemisfério” (Declaração Ministerial de São José).
Uma vez que o Brasil sofre inúmeras ações antidumping que terminam por coibir o esforço exportador, sobretudo com relação à América do Norte, a obtenção de resultados concretos nesse grupo é essencial para o interesse brasileiro.
Com respeito às propostas sobre medidas antidumping e compensatórias, o Brasil defende que a negociação de normas sobre defesa comercial na ALCA é oportunidade para a especificação de certos dispositivos do Acordo da OMC sobre a matéria e maior transparência nas práticas das autoridades investigadoras. Ao mesmo tempo em que os exportadores brasileiros de alguns setores importantes, como o siderúrgico, sofrem continuamente da aplicação abusiva de direitos antidumping, inclusive por parte de parceiros do Hemisfério, o Brasil é também aplicador dessas medidas de defesa comercial, consideradas indispensáveis para a proteção de determinados setores vulneráveis.
No tocante a subsídios, o Grupo ainda não avançou substancialmente. O Brasil defende a abordagem do tema centrada no seguinte:
a) questões relacionadas à plena implementação dos compromissos já assumidos; e
b) identificação de opções para o aprofundamento das disciplinas sobre subsídios.
2.4. GN SOBRE COMPRAS GOVERNAMENTAIS (GNCG)
O Grupo de Negociação de Compras Governamentais (GNCG), da ALCA, tem por objetivo ampliar o acesso aos mercados de compras governamentais dos países da ALCA. A área de compras governamentais tem sido tradicionalmente excluída das normas multilaterais de comércio. Na OMC, é objeto de um dos acordos chamados plurilaterais, ou seja, cujas normas são aplicáveis apenas a um segmento dos membros da OMC.
A Reunião Ministerial de Buenos Aires instruiu o GNCG:
“a identificar, no prazo de 1o de abril de 2002, o alcance e detalhamento da informação estatística que deverá estar disponível para os países, para efeitos de seu intercâmbio e como apoio a suas negociações” e “a apresentar ao CNC recomendações sobre diretrizes, procedimentos e prazos de negociação até 1o de abril de 2002, para sua avaliação por parte do CNC, em sua primeira reunião após essa data, a fim de iniciar negociações, o mais tardar, em 15 de maio de 2002” (Declaração Ministerial de Buenos Aires, Anexo 1, item G).
No que respeita às informações estatísticas, o MERCOSUL defende o acesso a informações concretas e confiáveis, antes do início efetivo de negociações de acesso a mercados, o que confere transparência e equilíbrio ao processo de negociação e constitui elemento fundamental para a tomada de decisões por parte de todos os países do Hemisfério, ao permitir informação ampliada sobre o potencial de cada mercado.
2.5. GN SOBRE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL (GNPI)
O Grupo de Negociação de Propriedade Intelectual (GNPI) da ALCA tem o seguinte mandato: “reduzir as distorções no comércio hemisférico e promover e assegurar uma adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual, levando em conta as mudanças tecnológicas” (Declaração Ministerial de São José, 1998).
Na XI Reunião do GNPI, realizada no período de 22 a 24 de agosto passado na Cidade do Panamá, chegaram ao fim os trabalhos de consolidação das propostas para o texto do Acordo.
A posição do Brasil, defendida pelo MERCOSUL, é que todo dispositivo que expanda a proteção já prevista no Acordo do TRIPS (Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights) e nos tratados mais importantes da OMPI não conta, em princípio, com o apoio do Brasil. Dadas as dificuldades de implementação encontradas pelos países, de modo geral, e pelos países em desenvolvimento, em particular, o Acordo da ALCA deve ter por objetivo consolidar os compromissos assumidos multilateralmente e não estabelecer novas obrigações nas áreas cobertas pelo TRIPS.
2.6. GN SOBRE POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA (GNPC)
O Grupo de Negociação sobre Políticas de Concorrência (GNPC) tem por objetivo garantir que os benefícios do processo de liberalização da ALCA não sejam prejudicados por práticas empresariais anticompetitivas.
A principal instrução da Reunião Ministerial de Buenos Aires referentes ao GNPC foi
“identificar, com base no estudo Antidumping e acordos de comércio regionais, aspectos relevantes que mereçam maior consideração pelo CNC, e a apresentar ao CNC seus resultados no prazo de 1o de abril de 2002”.
Ficou, ainda, estabelecida a realização, ao final das reuniões plenárias do GNPC, de um fórum de “assistência técnica”, onde os peritos de cada delegação divulgam a realização de seus trabalhos, seminários e cursos, com vistas a fortalecer o mecanismo de troca de informação e cooperação técnica em política de concorrência no Hemisfério.
A postura do Brasil no GNPC, a exemplo do que vem ocorrendo no Grupo de Trabalho sobre Comércio e Política da Concorrência da OMC, tem se baseado, grosso modo, na ênfase na cooperação técnica e troca de informações entre as autoridades nacionais de defesa de concorrência e na defesa dos princípios da OMC de transparência, não-discriminação e devido processo legal.
2.7. GN SOBRE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS (GNSC)
No período pós-Buenos Aires, o GNSC realizou duas reuniões. A primeira, em 4 e 5 de junho de 2001, foi dedicada à elaboração do Programa de Trabalho do Grupo para fevereiro de 2001, que previu – além da reunião de junho último – cinco reuniões do GNSC até a Ministerial de Quito, sendo a última destinada à redação do relatório aos Ministros do Comércio do Hemisfério. A décima segunda reunião (XII) da presente etapa negociadora realizou-se entre os dias 30 de julho e 1o de agosto de 2001 e resultou em significativa limpeza de partes do projeto de capítulo.
Em conformidade com o disposto no Anexo I da Declaração Ministerial de Buenos Aires, o GNSC tem identificado temas relativos a aspectos institucionais necessários para implementar os mecanismos de solução de controvérsias acordados no âmbito da ALCA. Durante a XII Reunião do Grupo (julho-agosto de 2001), o Grupo identificou temas que poderiam ser submetidos à consideração do Comitê Técnico de Assuntos Institucionais, se assim decidirem os Vice-Ministros. A Presidência do GNSC ficou incumbida de incluir aqueles temas em seu relatório ao CNC de Manágua.
2.8. GN SOBRE SERVIÇOS (GNSV)
O Grupo Negociador de Serviços (GNSV) da ALCA tem como mandato negociar o marco jurídico que regulará a futura liberalização do comércio de serviços no Hemisfério. O capítulo de serviços da ALCA deverá englobar, em princípio, os onze setores de serviços definidos na classificação setorial de serviços da OMC.
As últimas reuniões do GNSV vêm tratando de temas como: formato do programa de liberalização; termos da prerrogativa regulatória dos Estados; e relação do capítulo de serviços com outros acordos de integração regional, em especial no que concerne ao princípio da Nação Mais Favorecida (NMF).
Do ponto de vista dos interesses brasileiros e do MERCOSUL, é fundamental assegurar que o balanço final das negociações em serviços seja equilibrado, de maneira a que os compromissos de abertura assumidos pelo País encontrem contrapartida nas concessões feitas pelos demais países.
2.9. GN SOBRE INVESTIMENTOS (GNIN)
O Grupo de Negociação de Investimentos (GNIN) tem por objetivo
“estabelecer um marco jurídico justo e transparente que promova os investimentos mediante a criação de um ambiente estável e previsível que proteja os investidores, seu investimento e os fluxos a eles relacionados, sem criar obstáculos aos investimentos de fora do Hemisfério” (Declaração Ministerial de São José, 1998).
Foram identificados, pelo GNIN, doze temas substantivos aptos a constar do marco normativo abrangente que incorpore direitos e obrigações sobre investimentos, a saber:
Definições Básicas; Âmbito de Aplicação; Tratamento Nacional; Tratamento de Nação mais
Favorecida; Tratamento Justo e Eqüitativo; Expropriação e Compensação; Compensação por Perdas; Pessoal de Direção; Transferências; Requisitos de Desempenho; Exceções e Reservas Gerais; Solução de Controvérsias.
As posições do Brasil no GNIN baseiam-se nos direitos e obrigações negociados no âmbito do Protocolo de Colônia para a Promoção e Proteção de Investimentos entre os países do MERCOSUL e o Protocolo de Buenos Aires para a Promoção e Proteção de Investimentos de investidores de fora do MERCOSUL.
2.10. COMITÊ CONJUNTO DE PERITOS DO GOVERNO E DO SETOR PRIVADO SOBRE COMÉRCIO ELETRÔNICO (CCPCE)
Desde a Reunião Ministerial de Buenos Aires até o presente, o CCE realizou apenas uma reunião – a décima, em 23 e 24 de julho de 2001 –, de caráter organizacional. Na ocasião, o Comitê acordou sobre o cancelamento de sua XI Reunião, prevista para 10 e 11 de setembro de 2001, por considerar haver pouco tempo para a devida preparação do primeiro encontro substantivo do presente período de reuniões.
O Programa de Trabalho do CCE para fevereiro de 2001 prevê mais quatro reuniões até julho de 2002. As três primeiras serão dedicadas ao exame de temas relacionados a “brecha digital”, “proteção ao consumidor” e “governo eletrônico e outros temas”, respectivamente. Na quarta reunião, o Comitê deverá finalizar as “Recomendações”, que levará aos Ministros do Comércio do Hemisfério trabalho a ser iniciado já no terceiro encontro.
2.11. COMITÊ DE REPRESENTANTES GOVERNAMENTAIS SOBRE A PARTICIPAÇÃO
DA SOCIEDADE CIVIL
O Comitê de Representantes Governamentais sobre a Participação da Sociedade Civil foi criado na Reunião Ministerial de São José, em 1998. Na Reunião de Buenos Aires, os Ministros reafirmaram seu “compromisso com o princípio da transparência do processo ALCA” e reconheceram “a necessidade de uma participação crescente dos diferentes setores da sociedade civil na iniciativa hemisférica” (Declaração de Buenos Aires).
Na linha das instruções de Buenos Aires, o Comitê elaborou “uma lista de opções para a consideração e decisão do CNC, em sua próxima reunião”, no sentido de implementar o novo mandato, que é “possibilitar um processo de comunicação crescente e sustentado com a sociedade civil, no intuito de conseguir que esta tenha uma percepção clara do desenvolvimento do processo de negociações da ALCA” (Declaração de Buenos Aires).
Essa lista de opções será encaminhada para o CNC de Manágua, entre os dias 26 e 28 próximos. Entre as opções, consta a edição de um novo convite público à sociedade civil hemisférica, solicitando contribuições por escrito, a serem analisadas pelo Comitê e por este encaminhadas aos respectivos Grupos de Negociação.
2.12. GRUPO CONSULTIVO SOBRE ECONOMIAS MENORES
O Grupo Consultivo realizou onze reuniões até o momento. Nesta nova fase das negociações, o Grupo tem-se concentrado no cumprimento dos mandatos emanados da Ministerial de Buenos Aires. Na Declaração, deve-se sublinhar, em especial, a orientação ao Grupo Consultivo sobre Economias Menores para que apóie o CNC a formular, “em 1o de novembro de 2001, o mais tardar, bases ou diretrizes para o modo de aplicação do tratamento das diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho das economias” (§ 14). Outra orientação importante diz respeito à consideração das diferenças nos níveis de desenvolvimento e tamanho das economias no âmbito de cada Grupo de Negociação, para o que se instrui o CNC a “analisar mecanismos voltados ao fortalecimento do fluxo de informação entre os Grupos de Negociação e o Grupo Consultivo sobre Economias Menores” (§ 32).
2.13. COMITÊ TÉCNICO DE ASSUNTOS INSTITUCIONAIS (CTI)
O Comitê Técnico de Assuntos Institucionais foi criado pelos Ministros reunidos em Buenos Aires, com o objetivo de redigir uma minuta de capítulo referente à arquitetura geral do futuro Acordo da ALCA, incluindo aspectos gerais e institucionais. O Comitê é presidido pelo Brasil, na pessoa do Embaixador José Alfredo Graça Lima, Presidente da SENALCA.
Até o momento, o Comitê realizou duas reuniões. A primeira, de natureza organizacional, foi dedicada à elaboração do Programa de Trabalho do Comitê, que será submetido à apreciação do Comitê de Negociações Comerciais em sua próxima reunião, no final de setembro, em Manágua. Durante a segunda reunião, as delegações iniciaram um debate sobre o preâmbulo e outros aspectos gerais do futuro acordo da ALCA.
3. Resumo do processo de negociação da Área de Livre-Comércio das Américas
No mês de abril de 2001, realizaram-se duas importantes reuniões no processo de negociação da área de livre-comércio das Américas:
• a primeira, de nível ministerial, teve lugar em Buenos Aires no dia 7; e
• a segunda, de nível presidencial, celebrou-se em Québec, entre os dias 20 e 22.
Em resumo, o processo de negociação de uma área de livre-comércio das Américas teve início em dezembro de 1994, em reunião presidencial realizada em Miami e vem-se intensificando a partir da reunião ministerial realizada em Belo Horizonte, em 1997, quando foram estabelecidos os principais parâmetros que o norteiam. Desde 1998, nove grupos negociadores vêm-se reunindo para examinar os temas a serem objeto do acordo. Após a reunião ministerial realizada em Toronto em novembro de 1999, os grupos vêm redigindo partes de um eventual e futuro acordo.
3.1. VI Reunião Ministerial de Buenos Aires (7 de abril de 2001)
Os principais resultados da Reunião Ministerial de Buenos Aires foram:
• Data final das negociações: O prazo para o término das negociações não será antecipado. As negociações da ALCA serão concluídas, o mais tardar, em janeiro de 2005, para a entrada em vigor do acordo o quanto antes, até, no máximo, dezembro de 2005, ressalvadas as prerrogativas e a competência dos legislativos.
• Equilíbrio das negociações: Para garantir o equilíbrio das negociações, os Ministros estabeleceram, no § 11 da Declaração Ministerial de Buenos Aires, que o Comitê de Negociações Comerciais (CNC) deverá reunir-se, provavelmente em abril de 2002, para assegurar que sejam obtidos avanços em todos os Grupos de Negociação, em conformidade com os princípios gerais acordados na Reunião Ministerial de São José.
3.2. Algumas das instruções dadas em Buenos Aires aos grupos negociadores
3.2.1. Acesso a mercados
• O Grupo irá iniciar, em maio de 2001, um processo de contranotificação de barreiras não-tarifárias (para o qual contribuições do setor privado seriam muito bem vindas).
• Também está aprofundando discussões sobre regras de origem, sobretudo quanto à conveniência para o Brasil de a ALCA dispor de regras de origem específicas ou gerais e sobre o processo de declaração e certificação (temas que também são fundamentais para o setor privado).
3.2.2. Agricultura
• A Declaração Ministerial de Buenos Aires estipula que o Grupo de Agricultura apresente ao Comitê de Negociações Comerciais, até 1o de abril de 2002, recomendações sobre o alcance e metodologia para a eliminação dos subsídios às exportações que afetam o comércio de produtos agrícolas no Hemisfério.
3.2.3. Subsídios, antidumping e direitos compensatórios
• A Declaração de Buenos Aires deu instrução para que se intensifiquem esforços para que o Grupo:
a) alcance um entendimento comum a fim de melhorar, quando possível, as regras e procedimentos relativos à operação e aplicação de leis antidumping e de direitos compensatórios, a fim de não criar obstáculos injustificados ao livre-comércio no Hemisfério; e
b) apresente suas recomendações sobre a metodologia a ser utilizada para alcançar esse objetivo no prazo de 1o de abril de 2002, para ser avaliado pelo CNC em sua primeira reunião após essa data.
3.2.4. Métodos e modalidades
Os Grupos de Negociação de Acesso a Mercados, Agricultura, Investimentos, Serviços e Compras Governamentais devem apresentar ao Comitê de Negociações Comerciais (CNC) recomendações sobre métodos e modalidades para a negociação tarifária até 1o de abril de 2002, a fim de iniciar negociações, o mais tardar, em 15 de maio de 2002.
3.3. III Cúpula das Américas (Québec, 20 a 22 de abril de 2001):
No que concerne ao processo de negociação da ALCA, o Brasil enfatizou os seguintes aspectos:
“No que concerne ao processo de negociação, a posição brasileira enfatizou que a ALCA só será uma iniciativa de interesse para o País se houver:
• efetivo acesso a mercados mais dinâmicos;
• regras compartilhadas sobre antidumping;
• redução de barreiras não-tarifárias;
• fim de distorções protecionistas das boas regras sanitárias;
• promoção não só de direitos de propriedade intelectual, mas também da capacidade tecnológica dos povos participantes;
• e correção de assimetrias cristalizadas na Rodada Uruguai, sobretudo na área agrícola.” Outros aspectos também enfatizados na negociação:
• O Brasil precisa exportar e para tanto é preciso obter acesso a mercados fechados por barreiras.
• As negociações da ALCA, as negociações entre o MERCOSUL e a União Européia, bem como o eventual lançamento de uma nova rodada da OMC, constituem oportunidades para eliminação dessas barreiras e ampliação de acesso de produtos e serviços brasileiros em outros mercados.
• As Américas hoje respondem por 50% de nosso comércio exterior e 70% de nossas exportações de manufaturados, ou seja, já é área prioritária do comércio externo brasileiro.
• A ALCA constitui uma oportunidade para abrir mercados, não apenas dos Estados Unidos, mas também dos outros países do Hemisfério.
• Se os demais países americanos fizerem acordo plurilateral do qual o Brasil não faça parte ou se estabelecerem rede de acordos bilaterais com os Estados Unidos, os demais países das Américas obterão melhores condições de acesso a mercado para seus produtos e serviços, com conseqüências negativas para as exportações brasileiras.
4. Impactos da integração
O ponto fundamental nas discussões que neste momento se travam sobre a participação do País em uma área de livre-comércio hemisférica pode ser resumida numa singela pergunta: É interessante para o Brasil juntar-se a uma ALCA? A resposta evidente – e quase acaciana – é: Sim, desde que os benefícios potenciais superem os custos esperados desta integração.
Trata-se, porém, de uma ponderação enganosamente simples. Na verdade, a fonte das nossas angústias e perplexidades quanto à ALCA reside, precisamente, na enorme dificuldade hoje existente para se identificar e se avaliar, com toda a precisão desejada, os aspectos favoráveis e desfavoráveis associados a essa idéia. Em primeiro lugar, ainda não se tem um quadro razoavelmente claro do que se pretende construir. Já se sabe, por exemplo, que a ALCA não se conformará ao figurino clássico de uma área de livre-comércio, limitado à retirada das barreiras ao fluxo de comércio entre os países-membros. Já a Reunião de Cúpula de Miami, em 1994, previa a eliminação gradual também dos entraves ao fluxo de investimentos entre as nações americanas. Mais recentemente, o caráter amplo da ALCA ficou evidenciado pela inclusão, dentre outros, das questões de compras governamentais, serviços, direitos de propriedade intelectual e políticas de concorrência nos temas objeto de grupos de negociação. Não se está, portanto, diante de uma área de livre-comércio stricto sensu. Tampouco se está, porém, diante de uma união aduaneira, que seria a sucessora natural de uma área de livre-comércio na linhagem mais comumente encontrada dos projetos de integração comercial. É algo novo, tornando o experimento muito mais sofisticado e dificultando a análise prospectiva de seus impactos sobre nosso país.
Em segundo lugar, não se estará exagerando ao afirmar que o processo de negociação está entrando, agora, em uma fase decisiva para a conformação da ALCA, como ilustrado pelas instruções fornecidas em abril passado aos Grupos Negociadores, ao final da Reunião Ministerial de Buenos Aires, mencionadas acima. No caso do Grupo de Acesso a Mercados, por exemplo, deu-se partida a um processo de contranotificação de barreiras não-tarifárias e de aprofundamento das discussões sobre regras de origem, questões absolutamente cruciais para os interesses brasileiros . Por sua vez, instruiu-se o Grupo de Subsídios, Antidumping e Direitos Compensatórios para apresentar, até 1o de abril de 2002, suas recomendações referentes à metodologia a ser empregada para impedir que a aplicação daqueles instrumentos crie obstáculos injustificados ao livre-comércio. Já para o Grupo de Agricultura, definiu-se a mesma data-limite para a elaboração de recomendações sobre o alcance e a metodologia das negociações para a eliminação dos subsídios à exportações agrícolas.
É fácil perceber que a estratégia selecionada para essas negociações definirá, em grande medida, o futuro do Brasil como membro da ALCA. Depreende-se, por conseguinte, que uma avaliação mais concreta dos impactos dessa associação sobre nosso país deve, necessariamente, levar em consideração a metodologia das negociações e os resultados das próprias negociações naqueles aspectos mais sensíveis para o Brasil.
Em contrapartida, o fato de que só agora entramos na fase substantiva das negociações não elide a necessidade premente de buscarmos avaliar os benefícios e riscos potenciais e o ganhos e perdas esperados, dado o conjunto de informações disponível. Mais importante ainda, o processo de negociações não é uma variável exógena para o Brasil. Muito pelo contrário, o produto das negociações é endógeno e nossos interesses serão tão mais preservados quanto mais bem informados estejamos a cada etapa sobre aqueles riscos e oportunidades e quanto mais presentes nos façamos nas mesas de negociações . Mais ainda, nossa participação nas negociações será tão mais eficaz e produtiva quanto mais aplicados sejamos na investigação objetiva, focalizada e responsável dos fatores intervenientes neste complexo processo.
Isto posto, cabe enumerar, inicialmente, os principais argumentos dos críticos, que desaconselhariam, a priori, de um ponto-de-vista econômico, a participação do Brasil na ALCA, independentemente dos pontos mencionados acima. Com base em Carvalho e Parente (1998), Guimarães (2000), Guimarães (2001) e Batista Jr. (2001), por exemplo, podem-se identificar os seguintes elementos:
(i) Maior produtividade da economia americana, fazendo com que grande parte dos setores industriais brasileiros não resistisse à competição sem freios com os concorrentes americanos;
(ii) Tendência da indústria brasileira em se especializar na produção de bens com menor conteúdo tecnológico em virtude da maior competitividade americana na manufatura de mercadorias com alto desenvolvimento tecnológico, ou o retorno do modelo primário exportador;
(iii) Desindustrialização da economia brasileira, em virtude da especialização crescente em atividades primárias;
(iv) Dificuldade em permitir o aprimoramento tecnológico da indústria brasileira, mercê da perda da autonomia do Estado em conduzir políticas industriais ativas;
(v) Perda da posição brasileira de global trader, fruto dos desvios de comércio trazidos pela integração continental ;
(vi) Possibilidade concreta de aumento dos déficits em nossa balança comercial, especialmente com os Estados Unidos, agravando nossa vulnerabilidade externa;
(vii) Maior atratividade (em termos comerciais) de um acordo de livre-comércio entre o MERCOSUL e a União Européia; vis-à-vis a integração do MERCOSUL à ALCA; e
(viii) Inexistência de grandes prejuízos para o Brasil em decorrência da não-integração com os mercados americanos.
Em contrapartida, os principais argumentos esgrimidos, também a priori, em favor da participação do Brasil na ALCA podem ser identificados nos seguintes pontos:
(i) Oportunidade valiosa para a derrubada de barreiras que impedem ou dificultam o acesso ao mercado norte-americano de itens importantes de nossa pauta de exportações, com destaque para os produtos de base agrícola, têxteis, e produtos industriais tradicionais, em especial os siderúrgicos;
(ii) Aumento da competitividade e da eficiência da economia nacional, fruto da maior concorrência que se estabeleceria em nosso espaço econômico; e
(iii) Aumento do influxo de investimentos, mercê do acesso mais desimpedido da produção nacional aos mercados do continente (em especial, dos Estados Unidos) e da maior estabilidade de regras e políticas decorrente da aplicação do acordo de integração.
Em princípio, tanto os argumentos contrários como os favoráveis à participação do Brasil na ALCA devem ser considerados, já que se baseiam em suposições plausíveis, dados os contornos ainda indefinidos para questões ainda cruciais, como se viu acima. A experiência histórica e a teoria econômica sugerem, no entanto, que, também neste caso, a virtude está no meio.
Com efeito, não é razoável esperar que a constituição da ALCA leve nossa economia a um desastre completo ou a um sucesso absoluto. Muito provavelmente, alguns setores se beneficiarão e outros sofrerão prejuízos com a formação de uma área de livre-comércio continental. Nestas condições, então, a avaliação daqueles elementos polares deve basear-se no exame de estudos quantitativos já efetuados sobre o assunto e na análise de outras experiências de integração.
A este respeito, três estudos técnicos recentemente publicados lançam luzes interessantes sobre a validade de alguns desses argumentos. Batista (2001), por exemplo, efetua interessante análise dos fatores de competitividade agregados da indústria brasileira de manufaturados e da de nossos competidores nos mercados nacional e mundial, identifica nossos maiores concorrentes nos mercados globais de manufaturados, determina as perdas e ganhos de nossas exportações de manufaturados e das exportações de manufaturados dos demais competidores, ao longo da década de noventa, e compara essas perdas e ganhos com o resultado que seria de se esperar à vista dos indicadores de competitividade de cada país. Dentre os muitos resultados a que chegou, aquele estudo indica três aspectos muito interessantes para nossa discussão:
(i) As exportações brasileiras de manufaturados ao longo da década de noventa revelaram-se bastante concentradas para as Américas (vide tabela no 1, a propósito do ano de 2000), especialmente no setor de máquinas e equipamentos de transporte, reduzindo, portanto, a validade da hipótese de global trader para o Brasil neste segmento;
(ii) Os Estados Unidos são nosso grande competidor nos mercados do México e do Pacto Andino, enquanto o México é um concorrente importante nos mercados dos Estados Unidos e da América do Sul, a China é uma grande competidora nossa nos mercados do NAFTA e nenhum dos países das Américas figura dentre nossos concorrentes mais relevantes nos mercados da União Européia;
(iii) A vigência de acordos comerciais e a existência de margens de preferências exerceram importante influência explicativa dos ganhos e das perdas das exportações brasileiras de manufaturados nos mercados globais para nossos concorrentes. Em geral, esses
ganhos e perdas se mostraram incoerentes, quando consideradas país a país, com a evolução dos índices de competitividade
(baseadas em câmbio, custos de produção e preços de produtos) de cada país; e
(iv) Em contrapartida, os índices de competitividade revelaram boa capacidade explicativa para as perdas e ganhos agregados das exportações brasileiras de manufaturados naquele período.
Desta forma, os resultados de Batista (2001) indicam que a vigência de acordos comerciais exerce influência decisiva para a determinação da competitividade das exportações de produtos manufaturados. Considerando-se a distribuição das nossas exportações de produtos manufaturados e a identificação de nossos principais concorrentes, portanto, não parece ser amparada pelos fatos a hipótese de que nossa exclusão da ALCA seria irrelevante para o comportamento de nossas vendas de manufaturados ao exterior.
TABELA Nº 1
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR TIPOS DE PRODUTOS (1965-2001)
Fonte: MDIC
Obs.: 1 – O ano de 2001 compreende os meses de janeiro a setembro.
2 – As porcentagens a cada ano não somam 100%, porque não estão computadas as operaçõesespeciais.
3 – Médias entre 1980 e 1989 (pré-abertura): 34,5 % de produtos básicos;
11,2% de produtos semimanufaturados;
Leste Europeu no mercado da União Européia, devidas aos acordos de associação da UE com aqueles países.
53,2% de produtos manufaturados.
4 – Médias entre 1990 e 2001 (pós-abertura): 25,4 % de produtos básicos; 16,0% de produtos semimanufaturados; 56,8% de produtos manufaturados.
É interessante notar que a Tabela no 1 mostra que, em termos agregados, o Brasil distribui hoje suas exportações de forma bastante equilibrada (cerca de um quarto para os Estados Unidos e Canadá, um quarto para a América Latina e Caribe, um quarto para a União Européia e um quarto para as demais regiões). No caso específico dos produtos manufaturados, porém, observa-se marcada concentração para os mercados das Américas, da ordem de 70% para os países que seriam nossos parceiros em uma futura ALCA. É razoável afirmar, portanto, que o Brasil já direciona de forma preferencial suas exportações de produtos manufaturados para esses países, mesmo antes da implantação da Área de Livre-Comércio das Américas. Não seria a ALCA, então, a responsável pela introdução deste viés.
De outra parte, Pereira (2001) realizou exaustivo estudo sobre os impactos macroeconômicos de uma associação do MERCOSUL com a ALCA, de um lado, e com a União Européia, de outro, por meio de simulações efetuadas com um modelo de equilíbrio geral computável, conhecido como Global Trade Analysis Project (GTAP). A importância de semelhante tratamento é inquestionável, já que só o ambiente de equilíbrio geral permite captar efeitos endógenos importantes decorrentes de mudanças exógenas nos parâmetros de uma economia. Em particular, levam-se em consideração os efeitos de realocação de fatores de produção pelas empresas e de alteração do consumo das famílias em resposta a modificações nos preços relativos de insumos e produtos derivadas de uma liberalização comercial. Se bem que subsistam limitações relevantes – como o fato de ser um modelo estático – a introdução do equilíbrio geral enriquece de maneira ponderável o alcance das simulações.
Muitos são os resultados do estudo, mas gostaríamos de selecionar os seguintes:
(i) Com as hipóteses e dados utilizados, conclui-se que uma associação do MERCOSUL à União Européia redundaria em um aumento maior do produto brasileiro do que o que resultaria uma associação do MERCOSUL à ALCA, conclusão também
corroborada por Batista (2001);
(ii) O maior crescimento do produto no cenário MERCOSUL-União Européia, porém, seria decorrente da maior especialização da economia brasileira nos setores primários. De fato, em ambos os casos, registrar-se-iam diminuição do produto industrial e crescimento do produto agrícola, mas a queda do produto industrial seria bem menor e o crescimento do produto agrícola seria bem maior na alternativa MERCOSUL-ALCA; e
(iii) As exportações industriais crescem mais e as exportações agrícolas do Brasil crescem menos, no cenário MERCOSULALCA, do que na alternativa MERCOSUL-União Européia.
O estudo de Pereira (2001), portanto, não apóia a tese de que o ingresso do Brasil à ALCA implicaria perda da competitividade brasileira nas exportações de produtos industriais. Não só esta competitividade aumenta, como aumenta mais do que na situação em que o MERCOSUL optasse por formar uma área de livre-comércio com a UE.
Brandão e Brandão (2001) analisam as negociações agrícolas no âmbito do NAFTA, indicam as tendências das exportações brasileiras de produtos agrícolas e suas perspectivas frente àquele mercado e efetuam estudos de simulação com o mesmo modelo GTAP para avaliar os impactos da implantação da ALCA sobre o comércio exterior de nossa agricultura. Resultados de particular interesse foram:
(i) A liberalização do comércio de produtos agrícolas – desgravação tarifária e desmonte de barreiras não-tarifárias – no âmbito do NAFTA se dá de forma gradual e negociada , durante um prazo de transição longo, sendo pontuada por algumas questões comerciais complexas . Ademais, resolveu-se que a eliminação dos subsídios às exportações de produtos agrícolas seguirá as negociações multilaterais da OMC;
(ii) Existência de medidas de apoio interno tomadas pelos governos do México (Programa Procampo) e dos Estados Unidos (Fair Act, de
1996) destinadas a melhorar a eficiência e a competitividade dos respectivos setores agrícolas, apoiar as indispensáveis reconversões produtivas e prepará-los para o
livre-comércio de produtos agrícolas; e
(iii) Simulações com o GTAP indicam aumentos ponderáveis de exportações brasileiras de produtos agrícolas processados (incluindo-se, dentre outros, açúcar e suco de laranja) e de produtos da pecuária e perdas no comércio de grãos em decorrência da integração do Brasil à ALCA.
Desta forma, o estudo de Brandão e Brandão (2001) realça um aspecto importantíssimo e, muitas vezes, negligenciado nas análises prospectivas da formação da ALCA: a existência de livre-mercado para produtos agrícolas não pode ser considerada ponto pacífico. Ao contrário, como mostra o exame do processo de integração no âmbito do NAFTA, podemos esperar penosas e complexas negociações, especialmente com os Estados Unidos e especialmente com respeito a produtos em que somos muito competitivos, mas que são, hoje, alvo de medidas protecionistas por parte daquele país, como açúcar e suco de laranja. Assim, os possíveis ganhos decorrentes do acesso desimpedido de nossos produtos agrícolas ao mercado americano, ponto inquestionavelmente positivo de uma futura ALCA, não podem ser encarados como garantidos. Antes, poderão ser menores ou vir mais tarde do que normalmente se pensa. Por isso mesmo, a questão agrícola deverá ser fruto de uma cuidadosa, ativa e incansável participação do Brasil nas negociações pré e pós-2005.
A par de todos esses aspectos, muito se tem enfatizado, nos debates travados sobre o tema ALCA, que nosso setor produtivo não teria condições de ser exposto, de forma súbita, à concorrência externa, já que seria dependente de uma estratégia de proteção, herdada do regime de substituição de importações. Esquece-se, porém, que esse choque já ocorreu no início da década de noventa, com a inesperada, ampla e algo caótica abertura da economia que então se verificou. É interessante notar, aliás, que esses mesmos argumentos foram utilizados à larga naquela ocasião para prever o fim iminente e inexorável de nossa indústria. Dez anos depois, no entanto, verificamos que o cenário apocalíptico não se confirmou. A Tabela no 1 mostra que a abertura comercial no início da década de noventa não fez com que o Brasil se especializasse em um exportador de matérias-primas. Pelo contrário, reduziu-se a participação dos produtos básicos e aumentaram as dos produtos semimanufaturados e manufaturados ao longo do período pós-abertura.
Apesar de submetidos às duras provações da concorrência externa, da hiperinflação e da balbúrdia macroeconômica, anteriores à estabilização da economia e das elevadas taxas de juros e dos choques externos posteriores ao Plano Real, nosso parque produtivo mostra invejável vitalidade, colhendo os frutos de vigoroso esforço de modernização e ganhos de eficiência e beneficiando nossos consumidores com produtos mais baratos e de muito melhor qualidade. Assim, a nosso ver, aquele desafio já foi superado – e muito bem superado, por sinal. Uma ALCA não abalaria as estruturas de nossa economia, dado que não provocaria alterações substanciais da sua organização.
De fato, a Tabela no 2 mostra que a abertura comercial no início da década de noventa não fez com que o Brasil se especializasse em um exportador de matérias-primas. Pelo contrário, reduziu-se a participação dos produtos básicos e aumentaram as dos produtos semimanufaturados e manufaturados ao longo do período pós-abertura. Basta notar que, entre 1980 e 1989 – período pré-abertura –, nossas exportações foram compostas, em média, de 34,5% de produtos básicos, 11,2% de produtos semimanufaturados e 53,2% de produtos manufaturados. Em comparação, nos doze anos entre 1990 e 2001 (até o mês de setembro) – período pós-abertura –, aquelas médias situaram-se em 25,4% de produtos básicos, 16% de produtos semimanufaturados e 56,8% de produtos manufaturados. De outra parte, a Tabela no 3 mostra que a abertura comercial não trouxe uma farra dos importados, como normalmente se aventa. Pelo contrário, a participação dos bens de consumo nas nossas importações revelou-se decrescente na segunda metade da década de noventa, sendo compensada pelo aumento da participação das matérias-primas e produtos intermediários.
Assim, a nosso ver, aquele desafio já foi superado – e muito bem superado, por sinal. Uma ALCA não abalaria as estruturas de nossa economia, dado que não provocaria alterações substanciais da sua organização.
A registrar, também, que os estudos mencionados não consideraram elementos importantes para a consideração dos impactos da ALCA, tais como os efeitos benéficos de ganhos decorrentes de economia de escala, função do acesso a um mercado integrado com um produto de US$ 11 trilhões e com um mercado consumidor de cerca de oitocentos milhões de pessoas. Não se levaram em consideração, tampouco, os reflexos positivos decorrentes da possibilidade de acesso a insumos mais avançados tecnologicamente. Igualmente relevante, em nossa opinião, é a possível melhoria das expectativas de investidores brasileiros e estrangeiros quando confrontados com as oportunidades abertas pela integração continental em um cenário de estabilidade de regras, o que poderá redundar em expressivo aumento do fluxo de investimentos produtivos.
TABELA Nº 2
IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR CATEGORIA DE USO FINAL
1996 e 2000
Da mesma forma, não nos parece claro que a formação da ALCA impediria a elaboração e a execução de políticas industriais ativas por parte do Estado brasileiro. Deve-se lembrar, a propósito, que a adesão do País àquele projeto não implicará a perda da soberania nacional – e, em particular, não eliminará nossa autonomia na formulação e execução orçamentárias. Assim, aquela interpretação pessimista só faria sentido se se confundir política industrial com a existência generalizada de mecanismos de proteção ampla e de duração indefinida contra a concorrência externa – mas, neste caso, não necessitamos de uma ALCA para nos convencermos da sua inadequação.
Por fim, as simulações de Haddad e outros (2001) comparam os efeitos da integração comercial brasileira no caso de três alternativas: ALCA, UE, e OMC, ou seja, a abertura global.
IMPACTO DE DIFERENTES ESTRATÉGIAS DE POLÍTICA COMERCIAL
BRASILEIRA (%)
Os autores apontam que a pauta de exportações brasileiras mostra-se mais favorável a produtos de maior valor agregado no caso da estratégia ALCA, direcionados sobretudo para os países menos desenvolvidos da região. Já as exportações para os países do NAFTA concentram-se em produtos de menos valor agregado. No caso de adoção da estratégia UE, a pauta se concentraria nos produtos agropecuários, têxteis e indústria alimentícia.
O que esta e as demais simulações mencionadas anteriormente comprovam é que não há justificativas sólidas para as críticas ao projeto ALCA, que tentam demonstrar que as assimetrias competitivas entre a indústria norte-americana e a brasileira tenderiam fazer o País regredir a um estágio de exportador de commodities agrícolas, abrindo mão de qualquer projeto viável de industrialização modernizadora. Pelo contrário, parece ser mais provável que a adesão à ALCA aumentaria a participação industrial no PIB brasileiro.
Contudo, no caso do projeto UE, as hipóteses apontam para o inverso. Há maiores riscos de concentração na produção da cadeia agrícola, ao passo que a integração comercial por meio dos acordos da OMC tenderia a ser mais bem distribuída, mantendo-se a atual pauta de exportações brasileiras.
Outra conclusão interessante das simulações citadas é que existe maior complementaridade entre o Brasil e os Estados Unidos do que supõem os críticos da ALCA, que alegam que a maior produtividade global dos Estados Unidos condenariam o Brasil a abandonar seu setor industrial. De fato, o Brasil e os Estados Unidos possuem estruturas produtivas parcialmente concorrentes apenas no setor agropecuário. Os Estados Unidos são hoje uma economia de serviços, como mostra o gráfico abaixo.
Ademais, é um equívoco imaginar que a maior produtividade global norte-americana inviabilizaria o setor industrial brasileiro, já que o que preside as trocas internacionais são os princípios das vantagens comparativas, e não o das vantagens absolutas. Nesse sentido, a ALCA permitiria maior acesso aos mercados industriais tradicionais dos Estados Unidos, como os de têxteis, de alimentos processados, de siderurgia, de material de transporte, de vestuário, de couros, de calçados, etc., nos quais o Brasil estaria concorrendo com os demais países de desenvolvimento intermediário, tais como, o México, a Venezuela, a Colômbia e a Argentina, e não com a própria industria norte-americana, que há muito abandonou esses setores em favor das importações.
A indústria dos Estados Unidos se concentra nos segmentos de alta tecnologia, como informática, telecomunicações, química fina, fibras óticas, aeronáutica de grande porte e outros setores com elevada relação capital/trabalho, segmentos nos quais não há concorrência com a indústria nacional, o que explica, inclusive a baixa relação emprego na indústria de transformação/população economicamente ativa, que passou de 28% no início dos anos cinqüenta para menos da metade, ou seja, 13% atualmente.
Em outras palavras, a ALCA seria importante fator de estímulo no crescimento do setor industrial brasileiro, o qual, ainda que concentrado nos ramos tradicionais, já passou pela abertura comercial do início dos anos noventa, atingindo índices de eficiência e qualidade que lhes garantiriam competitividade frente aos seus concorrentes dentro do mercado norte-americano, especialmente dos países de fora da zona de livre-comércio americana.
Em resumo, gostaríamos de deixar claro que nossa postura não é a de adesão incondicional à integração, nem, tampouco, a de oposição radical à idéia. Acreditamos que as oportunidades que se abrem são muitas e muito relevantes, assim como os riscos. Acreditamos que a complexidade do projeto recomenda uma análise técnica e política acurada de todas as etapas e de todos os possíveis reflexos do processo. Acreditamos, portanto, que necessitamos urgentemente preparar-nos com seriedade para as difíceis decisões que, a partir de agora, se esperam dos empresários e da classe política. Acima de tudo, acreditamos que a estratégia de nos envolvermos doravante de corpo e alma nas negociações da ALCA é, indubitavelmente, a estratégia dominante que se oferece à nossa sociedade.
TABELA No 3
EXPORTAÇÃO
O MERCOSUL E A ALCA NA PERSPECTIVA DO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO POLÍTICA SOBRE POSSÍVEIS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO
Paulo Roberto de Almeida
1. O MERCOSUL como processo histórico e como realidade sociológica
Começo por duas afirmações aparentemente divergentes e contraditórias entre si:
a) “O MERCOSUL é um inegável sucesso econômico ao mesmo tempo que um nítido fracasso político, pois conseguiu, nestes dez anos de existência, incrementar o comércio intra-regional e criar complementaridades recíprocas entre as economias dos países-membros, mas falhou redondamente no sentido de estabelecer estruturas institucionais capazes de administrar esse aumento de comércio e da interdependência, situação da qual resultam pressões e conflitos latentes, que se traduzem em disputas comerciais não resolvidas”.
b) “O MERCOSUL é um fracasso econômico, mas um grande sucesso político, na medida em que não conseguiu, até o momento, ir além de uma pequena parte dos objetivos estipulados no art. 1o do TA, sobretudo no que se refere à coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e em relação à ZLC ainda incompleta (para não mencionar sua União Aduaneira, que se caracteriza pelo estado virtual); mas que, logrou, por outro lado, conseguiu assegurar solidariedade política entre seus membros, consolidou o regime democrático como padrão absoluto de inclusividade no bloco comercial e criou uma dinâmica de coordenação de posições em negociações com terceiros países e em foros internacionais, que muito fez por elevar o nome do MERCOSUL e sua credibilidade externa no plano mundial”.
São duas visões evidentemente contraditórias sobre os resultados e realizações – ou sobre as insuficiências e limites – do MERCOSUL, enquanto processo de integração ainda em curso de implementação. Mas, talvez essas afirmações não sejam tão divergentes quanto possa parecer, se analisarmos a complexidade natural do processo de construção de uma nova entidade integracionista no Cone Sul, com base em suas realidades efetivas, isto é, a convergência progressiva e a imbricação de seus sistemas produtivos a partir de estruturas econômicas excêntricas e de políticas econômicas não exatamente coincidentes na fase atual.
2. A economia a serviço da política: a construção do MERCOSUL
Meu argumento é o de que, a despeito dessa aparente contradição entre realizações e fracassos, dessa disparidade de sucessos políticos e malogros econômicos, ou vice-versa, ambas as visões são corretas e complementares, expressando um paradoxo próprio aos processos de integração econômica que resultam de um projeto político. As não-realizações e as imperfeições atuais do MERCOSUL conformam, certamente, uma agenda de trabalho para os próximos anos, agenda que compreende o acabamento ou pelo menos os avanços significativos no sentido de se completar o mandato determinado pelo art. 1o do TA. Ela também significa progressos sensíveis na área institucional, de molde a diminuir o quantum de tensão interna e, portanto, de conflitos comerciais e políticos.
Desde já devo advertir aos mais otimistas, sobretudo da área jurídica, que, apesar de minha posição de princípio favorável ao aumento da institucionalidade no MERCOSUL, não sou absolutamente partidário, neste momento, da adição de um regime de direito comunitário, ou supranacional, para o MERCOSUL. Penso que tal opção corresponde mais ao terreno das utopias acadêmicas do que ao campo das possibilidades concretas, da mesma forma como a demanda, hoje, por uma moeda comum aos membros do MERCOSUL.
A perspectiva da moeda comum não deve ser descartada ab initio, sobretudo se considerarmos que o MERCOSUL já estabeleceu um grupo de coordenação de política com vistas a avançar na direção daquilo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso chamou de pequeno Maastricht. O princípio básico da moeda única é o seguinte: se o MERCOSUL desejar se consolidar como mercado unificado, a perspectiva de um instrumento monetário comum aos seus membros é absolutamente lógica e necessária, uma vez que um mercado comum chama naturalmente uma moeda comum. Os passos iniciais podem ser dados desde já, mas apenas e tão-somente no sentido de aperfeiçoar a coordenação de políticas setoriais e monetárias entre pessoas e instituições envolvidas nessas áreas e fazê-las trabalhar conjuntamente na busca daqueles objetivos unificacionistas. Aos otimistas da área econômica caberia advertir, porém, que tal objetivo não parece perto de se realizar e vários anos passarão até que se logre alcançar as condições requeridas para se pensar em estabelecer o calendário da união monetária. Num mundo que deixou para trás, há muito tempo, o padrão ouro ou qualquer outra garantia emissionista, o critério básico da moeda é essencialmente uma questão de confiança. A esse título, caberia perguntar: que confiança inspiram em seus respectivos povos, na atualidade, as moedas dos países do MERCOSUL? Quando as respostas forem majoritariamente positivas, estaremos pertos da moeda comum.
3. Desenvolvimento histórico do processo de integração no Cone Sul
Não se pode, contudo, tratar da agenda futura do MERCOSUL, sem falar das condições estruturais prevalecentes nesta união aduaneira em formação, resultantes de uma série de assimetrias objetivas, de natureza econômica e social, e que contribuem decisivamente para o que chamei de divergências institucionais, que estão na origem das controvérsias econômicas e sociais que marcam atualmente o processo de integração.
Não é o caso de projetar aqui uma série completa de indicadores econômicos e sociais dos países-membros, operando uma confrontação-comparação dos diversos agregados possíveis: comércio global sobre o PIB, comércio global e comércio intrarregional, dívida sobre o PIB e sobre as exportações, valor agregado industrial, gastos sociais nos orçamentos nacionais, indicadores sociais em saúde, longevidade, qualidade de vida e sobretudo educação.
Tais estatísticas nos revelariam, por certo, algumas disparidades entre os países do MERCOSUL, mas elas provavelmente não seriam tão grandes quanto as que separam as regiões do Brasil entre si ou entre zonas urbanas e rurais.
Em outros termos, os problemas de ordem fiscal, tributária e de heterogeneidade de estruturas produtivas – nas áreas industrial, agrícola e de serviços – são tão importantes no plano interno brasileiro quanto as questões da unificação e uniformação de regras para o exercício da concorrência no plano do MERCOSUL. Como as políticas comerciais sempre foram utilizadas, no passado e de certa forma no presente, para a prática indireta de política industrial, percebe-se como a assimetria produtiva pode ser uma fonte de tensão comercial intrínseca.
4. Divergências de políticas macroeconômicas no MERCOSUL
Sobre essas assimetrias estruturais se superpõem diferenças conjunturais, que derivam dos ritmos e profundidades diversos nos processos de estabilização nos países-membros. Os ajustes em curso no Brasil e na Argentina diferem não apenas no timing, mas também na natureza e na substância. Basta pensar, por exemplo, na ancoragem cambial (ainda) em vigor na Argentina e nas modalidades de controle inflacionário praticados no Brasil, baseados na flutuação cambial (ainda que suja) no regime de inflation targeting.
Em outros termos, não se pode eludir o fato de que problemas estruturais e conjunturais acabam se materializando na adoção de medidas unilaterais como forma de tentar compensar os desequilíbrios internos e externos dos países-membros. A tentação unilateral é inerente a todo processo de abandono de soberanias, ainda que limitado. Ocorreu assim na Europa, e os problemas tiveram de ser corrigidos em grande medida pelo Tribunal de Luxemburgo, a Corte de Justiça da Comunidade, hoje, União Européia.
5. Opções jurídico-institucionais para o MERCOSUL: construir a supranacionalidade?
Quiçá falte ao MERCOSUL a autoridade jurisdicional de uma corte independente, que seria o primeiro e necessário grão de supranacionalidade que se faz necessário introduzir num espaço de soberanias coletivas. Mas, não está na ordem do dia a construção de órgãos supranacionais, que não serão capazes, por si sós, de resolver os problemas conjunturais e as assimetrias estruturais do MERCOSUL.
As divergências institucionais entre os países-membros correspondem a uma etapa peculiar ao processo de integração, que eu chamo de “segundo período de transição”, que deve ser o da formação de uma união aduaneira completa. Quando estará completa tal UA? Provavelmente em torno de 2005, dependendo do ritmo dos avanços e obrigações a serem assumidas pelos países-membros internamente e no âmbito da ALCA, se esta vier a existir efetivamente.
É provável que, daqui até lá, o MERCOSUL continue a acumular sucessos parciais no terreno econômico e outros tantos logros no campo político, assim como frustrações relativas em ambas as frentes. Ele foi até aqui sustentado politicamente pela vontade das máximas autoridades políticas nos países-membros, assim como pelo cenário de incertezas no plano internacional. Talvez essas sejam as condições de seu sucesso virtual: desafios externos e vontade política interna de avançar na consolidação de um espaço comum de diálogo e de coordenação. Mais do que nunca, trata-se de um work in progress.
6. Projeção internacional do MERCOSUL e desafio da ALCA
O MERCOSUL, com todos os seus problemas de união aduaneira imperfeita e de zona de livre-comércio inacabada, apresenta-se como um dado da realidade econômica e política da América do Sul, ao mesmo tempo em que representa um processo real de aproximação de posições entre países que já partilham de uma história comum. A ALCA, por sua vez, é uma hipótese de trabalho, ao mesmo tempo em que a expressão de um processo negociador que se apresenta como de difícil realização, por envolver nações de tradições diversas e que seguiram itinerários contrastantes ao longo do tempo.
O MERCOSUL é uma decisão fundamentalmente política, que se realiza apoiado em decisões de caráter econômico. A ALCA é uma proposta essencialmente econômica, que seus proponentes originais tentam implementar de forma política. O MERCOSUL emerge como um exercício de convergência de interesses entre países situados, grosso modo, num mesmo patamar de desenvolvimento econômico e social, a despeito de diferenças de tamanho entre eles. A ALCA tenciona nivelar o terreno de jogo – level the playing field – entre economias e sociedades que ostentam enormes diferenças estruturais entre si, uma vez que confronta a principal potência planetária, de fato a única superpotência existente, a três dezenas de outros países que não chegam a perfazer um quinto de sua própria massa atômica.
O MERCOSUL vem praticando um esforço de autocontenção nos litígios internos, utilizando-se basicamente de um mecanismo de administração política das controvérsias ligadas ao comércio recíproco e só então recorrendo a um tipo de solução arbitral ad hoc. A ALCA deveria normalmente ostentar instâncias resolutivas dos conflitos comerciais marcadas pela sua relativa automaticidade e independência dos governos, com efeitos econômicos mais ou menos imediatos.
Em suma, o MERCOSUL é uma modesta construção integracionista, que funciona em regime de condomínio, com relativa permeabilidade e associativismo entre os seus, até agora, poucos membros. A ALCA apresenta-se como um imenso edifício de escritórios, onde a impessoalidade de trato e a frieza das regras padronizadas prometem poucos momentos de excitação e muitos anos de aborrecimento.
Os mais otimistas acreditam que quaisquer que sejam os resultados do processo negociador da ALCA, o MERCOSUL irá necessariamente sobreviver, ainda que não se saiba exatamente como e em que condições. Seu desempenho comercial pode tornar-se francamente medíocre, a depender da profundidade e extensão da ALCA, assim como sua saúde econômica pode retroceder significativamente em relação aos prognósticos realizados no início dos anos noventa. Ele poderá, obviamente, sair fortalecido e confirmar o acertado da decisão original de se construir progressivamente um mercado comum, com base numa metodologia inovadora em relação às experiências existentes no gênero, na verdade restritas ao precedente da União Européia. Mas, ele poderia também caminhar para a erosão e ser reduzido a um mero arranjo para consultas políticas de fachada, sem maiores efeitos comerciais efetivos, já que hipoteticamente absorvido ou diluído numa ALCA bem mais ambiciosa do que os exemplos tradicionais de zonas de livre-comércio.
No caso da ALCA, subsistiam, na primeira metade de 2001, incertezas quanto ao desenvolvimento do próprio processo negociador, como a ausência e a indefinição de conteúdo em relação ao necessário mandato a ser atribuído pelo Congresso ao Executivo dos Estados Unidos. Outras limitações de natureza política – como a ausência de consultas regulares entre os líderes dos países-membros, a exemplo do que ocorre hoje a cada semestre no MERCOSUL – e alguns fatores condicionantes – como a desproporção de peso comercial entre os países participantes – atuavam para converter a implementação efetiva da ALCA em um cenário de incertezas. Se o processo negociador não resultar em acordo até o final de 2004 ou o início de 2005, o cenário hemisférico não será muito diferente do atual, com a proliferação quase anárquica de esquemas subregionais, convivendo com as tentativas multilateralistas de convivência pacífica, ao abrigo da ALADI ou da OMC. Se, por acaso, as negociações se revelarem exitosas, o MERCOSUL terá de adaptar sua arquitetura institucional e sua agenda interna à nova realidade da ALCA.
A ALCA pode ser complementar aos arranjos subregionais já existentes no Cone Sul, dependendo de seu grau de aprofundamento e dos compromissos específicos contraídos pelos países participantes. Ela não é, portanto, necessariamente excludente em relação ao MERCOSUL, mas a substância deste último conhecerá, é óbvio, inflexões econômicas importantes em função da disposição dos países-membros em preservar essa construção política, em face de um poderoso concorrente comercial.
7. Uma avaliação política sobre estratégias de atuação para o Brasil
Admitindo-se que a opção pelo estabelecimento de um espaço integrado em seu imediato entorno geográfico, tal como evidenciado na experiência do MERCOSUL, constitui uma das principais vertentes da estratégia brasileira de inserção econômica internacional na atualidade, pode-se perguntar em que o desenvolvimento dessa modalidade restrita de interdependência econômica contribui para o fortalecimento de sua economia e como a irrupção da proposta da ALCA pode, ao contrário, enfraquecer a soberania econômica do Brasil e colocar em perigo as fundações do MERCOSUL. Registre-se que as questões acima já comportam uma opção de princípio pelo MERCOSUL e uma recusa apriorística da ALCA, como parece ocorrer com a maior parte dos atuais comentaristas da economia brasileira.
Com efeito, muitas das questões que cercam o debate sobre as vantagens e desvantagens da ALCA para o Brasil e o MERCOSUL vem sendo contaminadas por uma espécie de parti pris ideológico, ou seja, uma posição de princípio que, por um lado, tende a recusar, em caráter absoluto, os fundamentos e as implicações econômicas da zona de livre-comércio hemisférica, aceitando, por outro lado, a estratégia política de menor custo do MERCOSUL para a economia brasileira ou a opção pela associação deste bloco com a supostamente mais benigna União Européia. São politicamente realistas ou economicamente racionais tais pontos de vista e correspondem eles aos interesses bem pensados da sociedade brasileira, que parece ter chegado a uma nova etapa de sua transição para a modernidade?
Esta não é a postura assumida por mim, que propugno um exame ponderado de cada um dos elementos em jogo, tendo em vista exclusivamente a formulação da melhor estratégia possível de inserção econômica internacional do Brasil. Caberia discutir cada um dos argumentos favoráveis ou contrários à ALCA, tentando separar o que se apresenta como realidade econômica decorrente da liberalização, ou seu possível desdobramento, daquilo que se poderia classificar como posicionamento político em relação ao projeto proposto pelos Estados Unidos para o continente. Outra distinção importante a ser feita é aquela que se refere ao que se poderia chamar de componentes estruturais da ALCA – seus elementos imanentes, em linguagem kantiana – e a simples mecânica do processo negociador, que vem se desenvolvendo desde a segunda metade dos anos noventa e promete estender-se até o início de 2005, pelo menos, segundo o que foi acordado em nível ministerial em Buenos Aires e ratificado na cimeira de Québec, em abril de 2001.
Com efeito, até a conclusão dessas negociações, cujos contornos específicos dependem muito do conteúdo do mandato negociador a ser atribuído pelo Congresso ao Executivo dos Estados Unidos, torna-se difícil especular sobre benefícios e ameaças da ALCA para a economia do Brasil e para o esquema do MERCOSUL. Pode-se, no entanto, antecipar, com base nas evidências até aqui demonstradas, que o legislativo e os negociadores americanos tendem a ver a construção da ALCA como um mero resultado da derrubada de barreiras latino-americanas aos produtos e serviços dos Estados Unidos, cabendo-lhes muito pouco fazer em termos de suas próprias barreiras, se não a eliminação geral, com as exceções de praxe, das tarifas normalmente baixas aplicadas na importação de produtos. Essa não tem sido a visão da diplomacia brasileira, que vem buscando colocar na mesa de negociações outros elementos importantes, com vistas a lograr um acordo final mais equilibrado, não apenas em termos de acesso a mercados – onde são evidentes diversos focos setoriais de protecionismo americano – mas também no que se refere a normas e disciplinas de política comercial, terreno no qual são igualmente claras as restrições aplicadas a produtos estrangeiros no mercado americano.
8. Cenário econômico e político do debate hemisférico
Um ponto precisa ficar claro no debate que se vai seguir. A compreensão do que seja um acordo de livre-comércio varia muito de perspectiva, segundo se faça uma análise acadêmica dos resultados da abertura econômica e da liberalização dos mercados ou se parta de evidências mais empíricas resultantes de um processo negociador concreto. Na primeira visão, geralmente de cunho economicista, a liberalização comercial, quaisquer que tenham sido sua amplitude e distribuição entre os parceiros, é vista como positiva, pois que conduz a uma alocação ótima de recursos e a uma utilização mais eficiente da dotação em fatores. Na segunda perspectiva, pode-se dizer que não existe, para a maior parte dos negociadores, essa figura utópica do livre-comércio, um conceito puramente imaginário, que só se materializa nos escritos dos teóricos acadêmicos, mas, na verdade, é dotado de pouco embasamento prático. Para esses negociadores, trata-se de lograr a melhor situação possível de reciprocidade no processo de abertura comercial, administrando áreas de liberalização progressiva em função das vantagens percebidas ou aparentes. Trata-se de um dilema teórico-prático que não poderá ser resolvido no presente texto, que tem apenas o objetivo de oferecer alguns elementos de reflexão sobre as opções do Brasil e do MERCOSUL, na presente fase de discussões sobre a consolidação interna e o aprofundamento do bloco sub-regional em face da opção hemisférica representada pela ALCA.
A discussão pode ser organizada em torno de algumas perguntas fundamentais, as mesmas que vêm sendo repetidamente colocadas pelos representantes dos meios de comunicação aos negociadores e estudiosos acadêmicos do processo hemisférico.
9. A ALCA pode fazer mal à saúde do Brasil?
A ALCA é desejável, benéfica ao Brasil, funcional para seus objetivos de desenvolvimento econômico e social?
A ALCA representa uma espécie particular no gênero integracionista, tratando-se de um processo de liberalização controlada dos mercados e de abertura administrada da economia, que já vem sendo aplicado pelo Brasil desde que ele assumiu compromissos negociais nesse sentido, em princípios dos anos sessenta (criação da ALALC), com maior ênfase, a partir dos esquemas bilaterais de integração com a Argentina (1986-88) e, de forma quadrilateral, com os demais parceiros do MERCOSUL (1991). Os cálculos sobre custos e benefícios desse gênero de abertura foram conduzidos de forma mais ou menos empírica pelos responsáveis políticos e econômicos em cada uma dessas oportunidades e julgados compatíveis com as necessidades de desenvolvimento do Brasil, ainda que em nenhum dos casos se tenha alcançado a liberalização total e a integração completa dos mercados.
Do ponto de vista estrito da otimização das oportunidades econômicas, toda experiência de integração, ainda que na forma simplificada da eliminação de barreiras aduaneiras sob um regime de livre-comércio, é desejável, relativamente a uma situação de plena autonomia econômica, pois que correspondendo a uma etapa inicial de liberalização de mercados e de inserção nos circuitos da interdependência mundial, mesmo num âmbito geográfico mais restrito. Os economistas, procedendo a uma simulação teórica de caráter extremo, recomendariam aliás uma liberalização unilateral erga omnes, isto é, conduzindo à plena integração com o mundo, pois que permite, nesse caso, o livre fluxo de fatores e uma alocação ótima das dotações econômicas. Esse tipo de exercício ricardiano não foi, contudo, tentado por nenhum país da era moderna, tendo apenas se manifestado de maneira mais ou menos abrangente sob o capitalismo de vanguarda da Inglaterra vitoriana. Desde então, as experiências de liberalização têm sido conduzidas sob forma condicional e restrita, tendo alcançado maior desenvolvimento na Europa ocidental, nos diversos esquemas ali conhecidos desde o final dos anos quarenta (no BENELUX, na CECA, na Comunidade Européia, na AELC, na União Européia, notadamente). Todos esses exemplos têm confirmado empiricamente os pressupostos teóricos traçados pelos economistas sobre os benefícios da liberalização ampliada.
Não deveria, portanto, ser diferente para o Brasil, tanto no formato mais restrito do MERCOSUL como no esquema ampliado de uma futura ALCA, ainda que não se possa
arriscar previsões mais positivas quanto a seu caráter funcional, ou não, para seus objetivos de desenvolvimento econômico e social. Em princípio, a resposta é positiva, ainda que de forma indireta, uma vez que a integração e a liberalização produzem situações de maior eficiência alocativa, conduzindo, ipso facto, ao aumento da produtividade, à expansão do emprego e à elevação dos níveis de remuneração. Deve-se, no entanto, observar que o processo de liberalização comercial, estrito senso, não tem como missão histórica produzir desenvolvimento, isto é, provocar transformações estruturais na formação social que envolve o sistema econômico, mas tão-somente produzir uma maior eficiência produtiva, o que por si só não gera distribuição de riqueza ou justiça social. A agenda desenvolvimentista é algo mais ampla que a forma de organização social da produção, implicando um complexo jogo de fatores políticos e sociais que ultrapassam em muito as possibilidades transformadoras da abertura econômica e comercial.
Resumindo, a ALCA pode ser benéfica para o Brasil, mas não se deve esperar que ela resolva todos os nossos problemas de desenvolvimento econômico e social no curto ou médio prazo. Estes só podem ser encaminhados internamente, com a mobilização de outros vetores de transformação estrutural – educação, capacitação profissional, investimentos em ciência e tecnologia, modernização institucional, etc. –, não de maneira exógena, a partir de um impulso originado no entorno econômico externo.
10. MERCOSUL e ALCA: liaisons dangereuses?
O MERCOSUL e a ALCA são compatíveis entre si? A ALCA não pode simplesmente dissolver o MERCOSUL e condená-lo ao desaparecimento, enquanto experimento sub-regional?
Em princípio, ALCA e MERCOSUL são plenamente compatíveis entre si e até complementares, uma vez que os esquemas de livre-comércio, mesmo baseados em processos negociais autônomos e independentes, tendem a se reforçar mutuamente e a produzir eficiências dinâmicas que potencializam os ganhos alocativos. No que se refere especificamente ao caso desses dois esquemas americanos, pode-se argumentar que uma zona de livre-comércio maior tende a absorver e a diluir a menor, que foi o que ocorreu, comparativamente (no gênero união aduaneira), entre o BENELUX e a Comunidade Européia no decorrer dos anos setenta e oitenta.
Este não deveria ser o destino, porém, do MERCOSUL, que corresponde a uma etapa superior da família integracionista, suplementando seu compromisso de livre-comércio com as obrigações de uma união aduaneira (tarifa externa comum, política comercial comum) e visando alcançar, num horizonte histórico ainda indeterminado, uma situação de mercado plenamente unificado. Em outros termos, o MERCOSUL sobreviveria e até poderia aumentar seu grau de coesão interna ao enfrentar o desafio de uma zona de livre-comércio envolvente, mesmo se tratando, no caso da ALCA, potencialmente, de uma super zona de livre-comércio, que compreende aspectos pouco usuais nesse gênero de exercício (como compromissos em matéria de propriedade intelectual, política da concorrência, compras governamentais e outros compromissos setoriais não-estritamente comerciais). Na prática, é evidente que o Mercado Comum do Sul não passa, atualmente, de uma zona de livre-comércio deficiente e incompleta, pois que prejudicada pela existência de alguns setores restritos à abertura interna recíproca e de outros funcionando sob regime de comércio administrado. Sua união aduaneira em fase de implementação tampouco é consistente com os pressupostos teóricos e empíricos desse tipo de esquema, pois que tem de conviver com exceções nacionais à tarifa externa comum, regimes comerciais específicos a algumas situações nacionais temporárias e excepcionais e é de fato carente de uma administração aduaneira uniforme e dotada de regras claras (falta de um código aduaneiro ou disposições quanto à arrecadação fiscal, por exemplo).
Ainda assim, mesmo que o comércio intra-MERCOSUL seja absorvido e dissolvido no esquema mais amplo da ALCA, o MERCOSUL tenderá a sobreviver enquanto construção institucional, pois que resultante de uma decisão política no mais alto nível, que aponta no sentido de sua progressão contínua, ainda que lenta e por vezes intermitente, em direção a um mercado comum e talvez até mesmo a uma união econômica, a exemplo da Europa de Maastricht (pelo menos no que se refere à união monetária). Os perigos que cercam sua evolução comercial derivam mais dos desafios competitivos associados ao pólo econômico dominante e da força centrífuga do dólar dos Estados Unidos, do que da ALCA em si, que seria pouco relevante se fosse hipoteticamente subtraída a potência hegemônica. Mas, mesmo nessa situação extrema de eventual inoperância econômica do MERCOSUL em razão da preeminência absoluta dos Estados Unidos no esquema hemisférico, o projeto sub-regional do Cone Sul tende a sobreviver, pois que ele compreende bem mais do que simples compromissos liberalizadores, estendendo-se a entendimentos sociais, administrativos e de políticas setoriais
outras que as meramente econômicas (justiça, turismo e cultura, ciência e educação, previdência social, entre várias outras), o que justificaria a continuidade desse projeto político e societal.
Resumindo, a ALCA representa um enorme desafio para a continuidade e para a afirmação da personalidade do MERCOSUL, mas a dissolução deste só se daria por expressa decisão e vontade dos dirigentes políticos dos países-membros, não em função da criação e implementação plena de uma zona de livre-comércio hemisférica, que de forma alguma eliminará, ao contrário até estimulará, o desenvolvimento de outras vertentes integrativas entre os países-membros e associados do MERCOSUL. Este tem um capital político e uma cultura própria que jamais serão alcançados no plano hemisférico, por mais poderosa e abrangente que venha a ser a ALCA no domínio econômico e comercial.
11. A ALCA e as economias do Brasil e do MERCOSUL
O projeto da ALCA não representa uma ameaça fundamental às economias do Brasil e do MERCOSUL, pelo fato de que sua vocação liberalizadora vai além da agenda tradicional de uma zona de livre-comércio, ou devido a que os elementos de assimetria estrutural são extremamente relevantes quando confrontados ao cenário mais homogêneo da América do Sul ou à dimensão mais modesta de todas as outras economias hemisféricas, à exceção dos Estados Unidos?
Sem dúvida, a pauta negociadora da ALCA vai muito além do que vinha sendo aceito como a agenda normal de uma zona de livre-comércio – que compreendia apenas liberalização do intercâmbio de bens, mais algumas disposições de caráter aduaneiro para evitar triangulação indevida. Abrange serviços, propriedade intelectual, compras governamentais, investimentos e outros aspectos menos relevantes, segundo um programa de abertura e de regulação que já se convencionou chamar de OMC plus. Pode-se, no entanto, argumentar que a ALCA apenas antecipa, ou acelera, esses aspectos pouco usuais das velhas zonas de livre-comércio e que tanto o Brasil como o MERCOSUL encontrariam a mesma pauta de reivindicações liberalizantes numa próxima rodada de negociações comerciais multilaterais ou se decidissem empreender esforço similar com outros esquemas regionais (como a CAN, a UE ou outros grupos de países).
Nem tudo porém é tão-somente uma questão de tempo, já que a ambiciosa agenda da ALCA certamente coloca desafios de monta aos países do Cone Sul, em especial no que se refere aos diferenciais de competitividade nos diferentes setores que serão presumivelmente incorporados ao esforço liberalizador hemisférico (serviços, compras governamentais, investimentos, por exemplo). Mas, deve-se observar que os mesmos temas encontram-se previstos no exercício interno do MERCOSUL, processo extremamente complexo e tematicamente diversificado, a despeito mesmo do pequeno número de países engajados e da dimensão mais modesta de seus aparelhos produtivos e de serviços, em grande medida voltados para os próprios mercados nacionais. Mais uma vez neste caso, a ALCA coloca ao MERCOSUL o desafio de seu próprio aprofundamento interno, preservando áreas de preferência sub-regional num cenário mais amplo de liberalização progressiva no plano hemisférico. A homogeneidade cultural e a intensidade de vínculos intra-MERCOSUL deve atuar em seu benefício, estimulando negócios no âmbito sub-regional mesmo em face de oportunidades ou desafios potenciais no cenário continental mais vasto.
Alternativamente, os perigos presumidos ou efetivos para o MERCOSUL derivados do esquema da ALCA poderiam ser pressentidos a partir das assimetrias fundamentais que caracterizam as economias do Hemisfério, não apenas em termos de dimensão bruta (a chamada economia de escala), mas essencialmente em razão dos diferenciais intrínsecos de produtividade e de capacidade de penetração mercadológica. Ainda aqui, os perigos são mais supostos do que reais, uma vez que algumas vantagens comparativas naturais e dinâmicas dos países do MERCOSUL podem servir de contrapeso ou atuar em seu benefício, no confronto com a potência avassaladora do gigante do Norte. É de se esperar, por exemplo, que, mesmo depois de empreendido sério esforço de modernização produtiva e de aggiornamento tecnológico por parte dos países do MERCOSUL, os diferenciais de produtividade permanecerão importantes em relação àqueles observados em setores de serviços e ramos industriais nos quais os Estados Unidos já detêm uma liderança incontestável. Mesmo neste caso, os diferenciais de custos de mão-de-obra para serviços associados, particularidades dos mercados locais, diferenças ou especificidades culturais, assim como o simples fator da proximidade geográfica atuarão em benefício do Brasil e do MERCOSUL para uma ampla gama de bens e serviços, produzindo, portanto, atração de investimentos e transferência de tecnologia num horizonte de tempo indeterminado depois de começada a implantação da ALCA.
Numa análise puramente econômica, aliás, a ameaça das assimetrias não apresenta a mesma relevância estrutural, se pensada fora de um esquema de capitalismo nacional. Com efeito, os economistas deduzem uma situação de maior racionalidade econômica intrínseca quando um país industrialmente menos desenvolvido se associa, num esquema de livre-comércio, a um parceiro mais poderoso, não quando dois ou mais países igualmente subdesenvolvidos empreendem a construção de um mercado comum. Daí as freqüentes críticas de economistas liberais ao esquema do MERCOSUL, cuja opinião é que o Brasil deveria abrir-se diretamente aos Estados Unidos, num exercício de comércio preferencial, pois tal situação conferiria mais vantagens a sua economia menos avançada, ademais de permitir o desenvolvimento das especializações produtivas. Na prática, como já constatamos, as situações de livre-comércio nunca são perfeitas, persistindo espaços de liberalização restrita e diversos mecanismos de proteção setorial que inviabilizam o pleno jogo da movimentação de fatores, idealizada pelos economistas teóricos.
Não se trata aqui de uma questão que possa ser resolvida in abstracto, podendo apenas ser equacionada no terreno concreto das negociações para a definição das regras da futura zona de livre-comércio hemisférica, assim como no domínio bem mais prático (e microeconômico) das associações produtivas que serão promovidas voluntariamente pelas próprias empresas, independentemente da vontade dos governos. Com efeito, as empresas, conhecendo o cenário ambiental em que terão de atuar num determinado setor, antecipam-se às medidas governamentais de imposição de novas regras, construindo alianças táticas e acordos pragmáticos com competidores e parceiros no seu setor de atividade, contribuindo assim para reduzir progressivamente tais assimetrias. Esse processo será tão mais rápido quanto mais desregulado e aberto for o mercado setorial em questão.
Não é certo, por exemplo, que as empresas brasileiras e as do MERCOSUL sejam invariavelmente menos performantes do que as dos Estados Unidos em todos os setores abertos à competição, assim como não é seguro que o diferencial mercadológico em favor das empresas multinacionais seja válido em todas as situações de acesso e de penetração em novos mercados. Segmentação da demanda, disponibilidade de fatores, apresentação dos produtos, identificação cultural e sobretudo capacidade adaptativa e imaginação criadora podem atuar em proveito de empresas locais em certas áreas de bens e serviços. O Brasil, historicamente, já demonstrou possuir uma enorme capacidade de digestão de novas tendências e de novas técnicas produtivas, não havendo razão para acreditar que ele não saberá responder ao desafio que a ALCA coloca para o seu sistema produtivo e para a sua capacidade inovadora. A passividade e o fatalismo nunca foram traços da personalidade brasileira.
Resumindo, a ALCA possui, sem dúvida, um certo potencial destruidor de empregos, em função das diferenças reais ou presumidas, de escala e de produtividade, entre as economias hemisféricas, assim como pelo fato de ela estender-se a uma gama tão ampla de setores que ultrapassa, por vezes, a capacidade balanceadora e a missão restauradora das condições normais de competição por parte dos governos nacionais. Sem embargo, os perigos são mais aparentes do que reais, na medida em que o próprio setor privado encontrará soluções pragmáticas para tais assimetrias, que representam outras tantas oportunidades para ganhos temporários antes que a liberalização regional se converta em verdadeiro processo de globalização. Neste caso, o excesso, ou a tentativa de regulação governamental pode dificultar, mais do que facilitar, o processo de superação das assimetrias existentes.
12. O fantasma das normas laborais e ambientais
Meio ambiente e normas laborais são fatores limitantes e negativos no esquema de negociações hemisféricas? Tais cláusulas vão bloquear a expansão do comércio ou o livre fluxo dos investimentos?
Tais normas, a exemplo das barreiras técnicas e outras medidas não-tarifárias que limitam ou obstaculizam o pleno acesso aos mercados, podem efetivamente constituir fatores limitantes a uma verdadeira liberalização hemisférica, pois que confirmam, se implementadas a partir de uma visão exclusivamente nacional da questão, o sistema de arquipélago de economias que caracterizou, durante muito tempo, a economia internacional. A dificuldade não está tanto na fixação de um determinado padrão, supostamente mais elevado, para equacionar problemas no campo trabalhista e na proteção do meio ambiente – algo continuamente tentado nos foros multilaterais –, mas em sua utilização abusiva, de forma unilateral, para bloquear a livre movimentação de bens, serviços e de capitais e tecnologias, inclusive mediante o recurso a sanções de natureza comercial. Essa possibilidade deve ser simplesmente vetada na mesa de negociações, pois que corresponde a uma reação protecionista daqueles que desejam fazer girar para trás a roda da história, ou seja, impedir que o capital se dissemine pelo planeta, aproveitando as melhores chances de custo-benefício para uma alocação ótima de recursos.
Parece ocorrer, nesse particular, uma curiosa colusão de interesses e de propósitos entre sindicalistas do Norte e seus contrapartes do Sul, entre ONGs de ecologistas das duas pontas do Continente Americano, entre refratários pragmáticos (por definição de direita) e opositores ideológicos (geralmente de esquerda) ao livre-comércio, ademais da já conhecida (e pouco santa) aliança entre antiglobalizadores de todos os quadrantes do Hemisfério. Normas laborais e ambientais converteram-se no terreno comum de luta de todos aqueles que se posicionam contrariamente à ALCA, seja pelos nobres motivos da defesa efetiva do meio ambiente e dos direitos humanos, seja por aqueles bem mais interessados (e por vezes mais mesquinhos) da defesa do emprego local ou de uma idílica produção saudável (e subsidiada), em fazendas familiares supostamente protegidas da concorrência selvagem introduzida pelas variedades geneticamente modificadas. O mais estranho, certamente, é ver sindicalistas do Sul defendendo empregos no Norte – uma vez que a introdução de normas laborais tem precisamente como objetivo impedir a fuga do capital, e portanto a transferência de empregos ao sul do Rio Grande – ou ecologistas, normalmente contrários à desigualdade inerente às estruturas econômicas internacionais, promovendo o protecionismo agrícola nos países desenvolvidos ou a manutenção involuntária de populações inteiras de coletores-extrativistas nas regiões tropicais em níveis próximos da miséria absoluta.
A formulação tentativa e a promoção ativa de normas e padrões ambientais e laborais mais avançados, quando combinadas aos estímulos adequados para a livre circulação de fatores, inclusive da mão-de-obra, pode, no entanto, atuar como elemento de melhoria nos padrões de vida da maioria da população, sobretudo nos países ainda em desenvolvimento, servindo para elevar a produtividade do trabalho e a performance geral das economias mais atrasadas. Sua vinculação a acordos de comércio tem a virtude, porém, de bloquear a disseminação desses mesmos padrões, que seus promotores querem ver implementados, uma vez que dificultam a mobilidade do capital e a transferência de tecnologia, pela simples razão de inibir os fluxos de comércio, em lugar de estimulá-los.
Resumindo, um sistema de códigos de conduta, de caráter voluntário mas de adesão progressiva, para padrões ambientais e laborais pode permitir superar situações de bloqueio psicológico que vêm contribuindo para contaminar o ambiente negociador da ALCA. Quanto ao Brasil, consciente das limitações, mas também dos enormes progressos realizados nessas áreas, ele não parece ter algo a temer a partir da fixação de metas mais ambiciosas nos terrenos social e ambiental. A fixação de metas indicativas para a adesão progressiva dos países, mais do que a determinação de padrões uniformes para todos numa escala sincrônica de tempo, pode servir para reconciliar o capital e o trabalho, assim como ecologistas e empresas.
13. O abuso do antidumping e o escândalo dos subsídios agrícolas
Práticas abusivas de salvaguardas comerciais e de antidumping, assim como políticas deliberadamente distorcivas das condições de comércio, a exemplo das medidas de apoio interno na área de agricultura, podem falsear os resultados da ALCA, tornando o exercício liberalizador meramente retórico e desequilibrado?
Certamente, e aqui o Brasil e o MERCOSUL devem atuar com toda a determinação possível para eliminar as práticas mais danosas à liberdade de comércio, nos terrenos em que ele apresenta uma competitividade natural bastante superior à do parceiro, supostamente mais poderoso. Os Estados Unidos, com efeito, já declararam que pretendem deixar intocada, no processo de negociações da ALCA, sua panóplia de medidas de defesa comercial, numa postura contraditória com o espírito de qualquer negociação multilateral, na qual todos os elementos detentores de incidência nos fluxos de comércio devem ser honestamente objeto de exame e de eventual discussão quanto a sua adequação ao novo espaço econômico integrado.
Esse posicionamento tem menos a ver com a suposta consistência desses mecanismos nacionais de defesa comercial com as regras do GATT do que com o elemento de chantagem política exercida pelo Congresso contra a liberdade de ação dos negociadores do Executivo dos Estados Unidos. Trata-se de elemento puramente político, não sustentável em qualquer critério econômico de competição leal e de abertura negociada de mercados, e inteiramente dependente do exercício de uma efetiva capacidade negocial, que deve poder manifestar-se no caso do MERCOSUL e do Brasil, em particular.
Resumindo, um acordo de livre-comércio hemisférico, no qual determinados componentes da agenda permanecem unilateralmente inegociáveis – uma reprodução econômica do conhecido aforismo orwelliano segundo o qual no socialismo comercial todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros –, não parece corresponder aos princípios aprovado em Belo Horizonte, em 1997, quanto ao equilíbrio de resultados e ao compromisso indivisível em benefício de todos.
14. A ALCA significa desnacionalização da economia brasileira?
A ALCA conduzirá à desnacionalização da economia brasileira? Subsistirão políticas setoriais em nível nacional?Diminuirá a margem de liberdade alocada à política econômica governamental?
A eventual desnacionalização – não de setores, mas de frações de mercados setoriais –, a partir da venda ou fusão de empresas brasileiras a gigantes estrangeiros, não será diferente ou em todo caso maior do que o que já ocorre no âmbito do processo de globalização atualmente em curso, que foi voluntariamente assumido pelo Brasil como um desafio importante a ser vencido, não como uma ameaça a ser evitada. Em nenhum dos processos conhecidos de ativa interdependência econômica, como são os existentes no âmbito da OCDE e a fortiori no seio da UE, diminuiu o papel do Estado ou enfraqueceu a economia nacional, pela simples razão de o capital estrangeiro passar a participar com maior intensidade dos esquemas produtivos internos e dos circuitos locais de produção e distribuição. Ao contrário, as pequenas empresas locais adquirem dimensão nacional e a partir daí passam a atuar no plano internacional, constituindo um capitalismo multinacional que foi até agora o apanágio dos países mais avançados. Ocorreu assim nos casos de Portugal e Espanha, bem como da Itália, e não há porque descartar que tais processos venham a ocorrer igualmente no âmbito do Brasil e do
MERCOSUL.
O Brasil tem, por certo, um crônico problema de déficit em transações correntes e de desequilíbrio na balança de pagamentos, que acompanhou todo o seu processo de industrialização. Mas tais fragilidades estão igualmente associadas ao ambiente geral dos negócios, mais do que à ausência de capacidade reguladora do Estado, que assumirá formas novas num cenário mais previsível de planejamento microeconômico. O fato de que parceiros estrangeiros passem a atuar em setores antes vedados ou mais limitados à presença de multinacionais não se traduz necessariamente numa desintegração automática das cadeias produtivas, antes numa integração destas a circuitos mais amplos nos planos hemisférico ou mundial.
É evidente, por outro lado, que qualquer acordo internacional que se faça em áreas ainda inéditas de regulação multilateral ou regional, como é o caso da ALCA – que parece apontar para um instrumento relativamente intrusivo em termos de políticas setoriais ou de mecanismos regulatórios – redunda numa diminuição da esfera da soberania absoluta dos Estados nacionais e na redução ulterior dos poderes regulatórios dos legisladores econômicos e, na outra vertente, num aumento do grau de interdependência das economias e da margem de liberdade alocada aos agentes econômicos privados. Mas, isso é próprio das tendências atuais tanto do regionalismo como do multilateralismo econômico, assim como da própria agenda negociadora internacional, das quais participa o Brasil, em plena consciência de causa e tendo sempre como critério absoluto de atuação o interesse nacional na matéria. Entre esses critérios, não se situa o de privilegiar o capital estrangeiro em detrimento do capital nacional, mas, sim, o de atribuir a ambos um ambiente regulatório relativamente uniforme quanto às regras gerais de exercício da atividade, o que é conhecido em terminologia gattiana como tratamento nacional.
Em resumo, a internacionalização da economia brasileira e a constituição de firmas nacionais de dimensão internacional – algo presumivelmente desejado, mesmo pelo mais ferrenho opositor da ALCA e do capitalismo norte-americano – se darão, não no quadro de um suposto processo de preparação da economia brasileira para enfrentar a concorrência externa – período de tempo que é sempre indefinido e invariavelmente dependente de condições ótimas de políticas macroeconômicas, comercial e industrial, que nunca se realizam na prática –, mas no próprio bojo da globalização, seja ela restrita ao Hemisfério ou ampliada em escala planetária. Processos de acumulação primitiva nunca ocorreram de fato, a não ser nas análises ex-post que tendem a racionalizar a experiência histórica e a oferecer como modelo o que nunca passou de um processo único e original em termos de desenvolvimento socioeconômico de uma determinada formação nacional.
15. O Brasil pode ser condenado ao isolamento?
O Brasil estaria isolado se decidisse permanecer fora da ALCA?
Trata-se de uma decisão inteiramente política, a partir de uma hipótese extrema, mas que deverá ser tomada com base numa análise econômica e diplomática no curso do processo negociador. A ALCA não é o único processo negociador de que participam ou participarão o Brasil e o MERCOSUL, bastando, como exemplo, mencionar o processo birregional com a União Européia, os entendimentos no contexto da África austral e a opção preferencial no âmbito da América do Sul. As opções para o Brasil e para o MERCOSUL não estão fechadas, como alguns cenários mais pessimistas parecem antecipar. É bem mais provável, aliás, não existir uma ALCA, por razões que não teriam nada a ver com a oposição ou relutância brasileira (mas mais provavelmente com a relutância do Congresso e do próprio Executivo dos Estados Unidos), do que ser concluída uma ALCA sem a participação do Brasil.
Uma revisão de meio século do multilateralismo econômico e político revela que nenhum país de dimensões respeitáveis, seja ele atrasado ou desenvolvido, permanece isolado no cenário internacional. A experiência histórica da China, da Índia, da Rússia e dos próprios países desenvolvidos ocidentais, a começar pelos Estados Unidos e passando pelos grandes da Europa – hoje unidos no mais exitoso experimento de integração já conhecido – confirma que o isolamento é uma fase temporária e passageira de qualquer processo de emergência e consolidação de novas estruturas de poder econômico e político mundial. A posição do Brasil em relação ao sucesso – ou fracasso – das negociações da ALCA não deveria fugir a essa regra não-escrita da diplomacia contemporânea. O Congresso dos Estados Unidos, aliás, teria provavelmente maior responsabilidade nesse eventual fracasso, do que uma suposta intransigência do Itamaraty ou do governo brasileiro. Muito depende, em todo caso, da capacidade negociadora da diplomacia brasileira no terreno da barganha concreta em torno da ALCA, bem como de sua capacidade explicativa em direção dos públicos externo e interno. Nesse particular, o Brasil – dotado de uma diplomacia econômica que deita raízes nas primeiras décadas do século XIX – pode considerar-se bem servido e dispondo de enormes vantagens comparativas em relação a vários outros países do continente.
Painel 2 - A experiência do NAFTA
Presidente: Pedro Sampaio Malan (Ministro da Fazenda – Brasil)
Expositores: Gilberto Dupas (Coordenador-Geral do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo)
Jeffrey Schott (Representante do Instituto Internacional Econômico –
Estados Unidos)
Fernando de Mateo (Coordenador-Geral de Negociações com a América
Latina, ALCA e Europa. Secretaria de Economia – México)
Debatedores: Antonio Kandir (Deputado Federal – PSDB/SP)
Samuel Pinheiro Guimarães (Embaixador)
Paulo Sotero Marques (Jornalista do Grupo O Estado de S. Paulo, e correspondente em Washington – Estados Unidos)
Relator: Ricardo Wahrendorff Caldas (Professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília)
Trabalho apresentado:
- O discurso hegemônico do livre-mercado e a vulnerabilidade dos grandes países da periferia – Gilberto Dupas
APRESENTADORA – Senhoras e senhores, inicia-se neste momento o segundo painel do Seminário “O Brasil e a ALCA”. Presentes à Mesa o Exmo. Sr. Pedro Sampaio Malan, Ministro de Estado da Fazenda, que a preside; na condição de expositores, o professor Gilberto Dupas, o Dr. Jeffrey Schott e o Dr. Fernando de Mateo; como debatedores, o Exmo. Sr. Deputado Antonio Kandir, o Exmo. Sr. Samuel Pinheiro Guimarães e o jornalista Paulo Sotero Marques, e, como relator deste segundo painel, o professor Dr. Ricardo Wahrendorff Caldas. Com a palavra o Ministro Pedro Malan.
PEDRO MALAN – Na verdade, é motivo de grande satisfação estar aqui e uma honra presidir esta sessão, que conta com especialistas da qualidade, calibre, experiência e profissionalismo daqueles que farão suas exposições e dos que serão os debatedores do tema que nos ocupará a partir de agora.
Entendo desnecessário apresentá-los a todos, porque são conhecidos. Mas não poderia deixar de registrar a enorme importância – na verdade, histórica – desta iniciativa do Presidente Aécio Neves de convocar uma reunião no Congresso Nacional, onde essas questões obrigatoriamente devem ser discutidas e aprofundadas, para tratar de temas tão relevantes como o de pensar o Brasil, pensar o mundo em que vivemos, pensar a inserção do Brasil neste mundo, como disse, não o mundo do século XIX, ou mundo do século XX, mas o mundo do século XXI.
O tema que nos ocupará é o NAFTA – este é o único tema que estaremos discutindo neste painel –, e quero fazer uma brevíssima intervenção, porque estou encarregado de controlar o tempo dos expositores e debatedores e não posso exceder no meu. Serei breve, apenas à guisa de introdução.
Qual a importância e o interesse do NAFTA? O grande interesse acerca do NAFTA está em três fatores principais. O primeiro é o de que o NAFTA foi o acordo inicial de integração comercial envolvendo países desenvolvidos – Estados Unidos e Canadá – e um país em desenvolvimento, o México.
Havia, até 1994, dúvidas a respeito de que acordo com essas características pudesse não atender aos interesses de parceiro de menor dimensão e desenvolvimento econômico e social relativo.
Passados seis anos e testadas essas dúvidas, o resultado preliminar é conhecido: o NAFTA – é forçoso reconhecer – teve impacto extremamente dinâmico sobre a economia mexicana, promovendo crescimento, investimento, e dando continuidade a uma série de reformas estruturais.
Esse acordo, de fato, teve extraordinário impacto sobre os resultados das exportações mexicanas, que passaram de 52 milhões de dólares, em 1993, para 166 bilhões de dólares, no ano 2000. A razão exportações/Produto Interno Bruto do México passou de 15% para 31% no ano passado. É verdade que as importações também se ampliaram, chegando a 174 bilhões de dólares no ano passado.
Sabemos todos que o comércio é uma via de mão dupla, e não existe na História nenhum grande exportador que também não seja um grande importador. Os dados aparecem em outros indicadores da economia mexicana. Estou seguro de que o Dr. Mateo analisará isso com mais profundidade, mas, depois de cair 6,2%, em 1995, a taxa de crescimento do PIB mexicano, de 1995 a 2000, foi de 5,2%, 6,8%, 4,9%, 3,8% e 6,9%. Um crescimento superior ao período pré-NAFTA.
A razão exportação/PIB, como disse, passou de 15% para mais de 30%, no período, e o crescimento real das exportações de bens foi, a partir de 1985, de 18,5%, 16,3%, 13%; 11,6% e 13,6%.
Portanto, não há dúvidas de que o México se beneficiou com um processo de integração. As economias maiores – Estados Unidos e Canadá – também melhoraram os seus indicadores de comércio.
O Canadá, que tinha um índice de exportações sobre o PIB da ordem de 26%, em 1990, passou a marca de 40%, em 1998, e chegou a 45% no ano passado. Os Estados Unidos, uma economia continental, com uma relação exportação/PIB de 10%, em 1990, chegou a 11,2% no ano passado. Isso sem falar nos benefícios indiretos do acordo, em termos de redução do desemprego, alívio das pressões inflacionárias e ampliação das opções para o investimento relacionado ao comércio.
Seria equívoco acreditar que a repetição do NAFTA em outras realidades produziria automática e exatamente os mesmos resultados. México, Estados Unidos e Canadá, já detinham grau de trocas comerciais extremamente significativo e se beneficiam, obviamente, de sua ampla e extensa continuidade geográfica.
Ao mesmo tempo, é importante notar que o sucesso do NAFTA deu-se em momento de excepcional crescimento da economia norte-americana. Com a mudança do ciclo que ora se observa entre nós, a questão é saber em que medida a integração mostrará o mesmo dinamismo. Mas é um equívoco, a meu ver, partir do princípio de que o acordo vai passar a expor deficiências até então desconhecidas.
É inevitável que, de alguma maneira, o desenho e as características do NAFTA tenham impacto sobre a negociação da ALCA. Isso se dá não só pelo sucesso do NAFTA, como também porque é um modelo conhecido. Os entendimentos em curso no âmbito do Organização Mundial do Comércio, de um lado, e o NAFTA, de outro, acabam por estabelecer certos parâmetros que não podem ser deixados integralmente de lado na formação de acordo complexo como a ALCA, que envolve países de diferentes dimensões e diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social. O mesmo se aplica nas nossas discussões no âmbito das conversações do MERCOSUL, União Européia e até na nossa discussão no âmbito do MERCOSUL ampliado.
Pelo contrário, exatamente por causa dessas características, isso significa que devemos buscar soluções criativas. E esse é o maior desafio dos negociadores de todas as partes. Acredito que tanto melhores serão as condições de inovar e buscar soluções criativas e adaptadas às nossas características quanto mais pudermos aprofundar nossos conhecimentos sobre o NAFTA. Não apenas sobre os conceitos que presidiram a sua implantação, como, particularmente, sobre os seus resultados práticos.
Não poderíamos ter melhor grupo para discutir essa questão no painel de hoje. O Dr. Fernando de Mateo é um dos principais negociadores mexicanos desse acordo e profundo conhecedor de comércio internacional e da experiência mexicana no NAFTA e em vários outros acordos bilaterais do México com outros países. O Dr. Jeffrey Schott é um dos maiores especialistas no assunto, esteve envolvido diretamente na avaliação e evolução da expansão do comércio internacional e tem clara visão das questões norte-americanas a esse respeito. E o Gilbert Dupas é um dos maiores especialistas brasileiros no tema.
A apresentação dos três expositores terá o benefício de contarmos com debatedores da categoria do ex-Ministro e Deputado Antonio Kandir, do jornalista Paulo Sotero Marques e do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que acaba de tomar assento à mesa.
Sem mais delongas, quero dar início a este – estou seguro – promissor debate, passando a palavra ao primeiro dos expositores, o professor Gilberto Dupas.
Antes, porém, faz-se necessário dizer que recebi instruções dos organizadores deste encontro para limitar o tempo de exposição de cada apresentador a quinze minutos. Por isso, faço especial apelo para que nos atenhamos ao prazo, porque há uma longa programação para o resto do dia.
Com a palavra o professor Gilberto Dupas.
GILBERTO DUPAS – Muito obrigado, Ministro Pedro Malan, companheiros da Mesa, parece-me que a discussão do NAFTA tem de ser precedida de rápida introdução sobre a natureza do comércio internacional hoje e como ele se insere na lógica das cadeias produtivas globais.
É na fragmentação e nessa intensa diáspora da produção mundial que espalha pedaços e partes de produção pelo mundo afora, unificada pela tecnologia da informação, está a única forma de se entender a lógica do comércio.
O gráfico tradicional, para aqueles que, com razão, defendem a abertura econômica, que pretende mostrar o sucesso dessa política é basicamente este aqui. Não temos retroprojetor, mas vou indicar para os senhores. A partir da abertura econômica, em 1985, temos o PIB mundial consolidado, e o comércio mundial crescendo mais ou menos assim. De tal modo que, no período 1985 a 2000, o comércio mundial teria crescido duas vezes e meia a mais do que o PIB somado dos países do mundo, o que é, antes de tudo, uma anomalia macroeconômica de grande calibre. Se os PIBs são, entre outras coisas, a somatória líquida dos valores adicionados das produções globais, este gráfico apenas quer dizer, não necessariamente que o comércio é um fator autônomo ao PIB mundial, mas, simplesmente, que a produção mundial está espalhada por vários lugares do mundo, fragmentada nessa diáspora e trafegando via fronteiras. Para juntar partes e componentes a produtos finais, ela provoca volume aparente de comércio em dupla e múltipla contagem, o que, evidentemente, faz esse volume aparentemente exótico, mas que, na realidade, não é incoerente macroeconomicamente.
Isso é apenas a expressão de que a fragmentação da produção mundial permitiu que essa produção se espalhasse pelo mundo todo, juntamente com os investimentos com FDI necessário para suportá-la.
A questão seguinte é saber como os países puderam se beneficiar desse imenso crescimento do comércio e se houve certa apropriação qualitativa desse crescimento. Se examinarmos os vários países ou blocos, vamos perceber que – tirando a China, que é um caso excepcional, o seu comércio cresceu 240% nesse período – a participação do bloco Filipinas, Indonésia, Malásia e Tailândia, no comércio mundial, cresceu 56%; a do bloco Coréia, Hong
Kong, Cingapura e Taiwan cresceu 34%; a do México cresceu 45%, muito embalada pelo NAFTA, como disse o Ministro Malan; mas a do Chile cresceu 40%, a da Argentina cresceu 38%, e a do Brasil decresceu 26%. Caiu de 1,4% para 1% sua participação no comércio mundial.
Esse dado é importante porque, ao olharmos os países do NAFTA que estabelecem entre si claramente operação sinérgica e complementar de ótima qualidade e de características bastante peculiares e atípicas – México, Estados Unidos e Canadá –, podemos ser tentados a imaginar que o modelo NAFTA é a solução fundamental para o acerto de alguns grandes países da periferia nesse concerto do comércio internacional, porque o México poderia significar exemplo, digamos, eficaz dessa solução.
Portanto, vem um pouco a idéia de que o que é bom para o México eventualmente também seria bom para o Brasil. Vamos voltar a isso daqui a pouco.
Na realidade, ao olharmos o que acontece no NAFTA, onde o México de fato apropriou-se de grande parte do crescimento do comércio e o Canadá também cresceu seu comércio, numa integração sinérgica, sistêmica e de alta qualidade com os Estados Unidos, temos de olhar antes de tudo que efeito essa fragmentação fez da produção global dentro do próprio comércio americano.
Como os senhores sabem, o déficit de 400 bilhões do comércio americano poderia indicar, na abordagem econômica tradicional, uma produtividade, uma competitividade inadequada nos Estados Unidos, o que evidentemente está longe de ser verdade. A razão fundamental desse déficit hoje nos Estados Unidos é que basicamente esse fracionamento das cadeias produtivas das suas empresas globais é tão intenso que as filiais de empresas americanas hoje produzem na Europa, na Ásia, na América Latina, 2,4 trilhões de dólares, portanto, praticamente 25% do PIB americano. Desses 2,4 trilhões de dólares, que são esses fragmentos de produção global que as empresas americanas produzem fora dos Estados Unidos, 700 milhões são exportados para os Estados Unidos.
Esse fenômeno não é só americano. Se olharmos, por exemplo, as empresas estrangeiras de produção de partes ou de produtos finais sediadas no território americano, veremos que elas faturam 1,9 trilhões de dólares, portanto, cerca de 20% do PIB americano.
O entendimento dessa lógica é fundamental hoje, se quisermos entender a natureza do comércio internacional. É a maneira pela qual podemos nos apropriar positivamente de parte deles.
Por outro lado, o Investimento Direto Americano (FDI), necessário para sustentar esse imenso fluxo de diáspora da sua produção global, evidentemente centrou-se em grande parte no Canadá, 8% no total, na Ásia 18%, mas principalmente na Europa, onde os Estados Unidos têm aproximadamente 55% do seu total de investimento de estoque, de investimento direto, que cresceu substancialmente na década de sessenta. Quer dizer, esse fluxo não busca apenas mão-de-obra barata, busca clusters tecnológicos, proximidade dos mercados mundiais, etc.
Ora, se o NAFTA aparentemente foi uma solução harmônica e sinérgica para esses três países, convém-nos focar particularmente a questão do México, pela semelhança conosco – aquele é um grande país periférico da economia mundial –, principalmente na avaliação da integração brasileira à ALCA, que eventualmente pode ser parecida com a questão mexicana. Minha conclusão é a de que está longe de ser.
Na realidade, nesse aspecto, estou convencido de que o que é bom para o México não é bom para o Brasil. Por quê? Por duas razões fundamentais. A primeira delas: a fronteira porosa americana/mexicana estabeleceu situação absolutamente sui generis, em que o bolsão de mão-de-obra barata mexicano pôde trafegar em dois sistemas: para o Norte, através da fronteira porosa – toda vez que há um ciclo de expansão nos Estados Unidos, contaminando o mercado americano, ele é irrigado com mão-de-obra barata informal. E é importante que a assimilação seja clandestina, porque, em sendo clandestina, nos momentos de reversão do ciclo, pode ser empurrada de novo para baixo dos poros da fronteira e fechado o aumento de guarda de fronteira.
Então, primeiro, há esse movimento de baixo para cima, no sentido do trabalho informal, e há as maquiladoras em território mexicano, que evidentemente significam, na linha de complementaridade e especialização, enorme parte desses 165 bilhões de dólares, que o Ministro Malan mencionou como sendo as exportações mexicanas, dos quais cerca de 70% são para os Estados Unidos.
Se os senhores analisarem a relação entre o custo da mão-de-obra mínima, de mínima qualificação americana e mexicana, a partir da crise mexicana dos anos oitenta, verão que ela se manteve durante todo esse período aproximadamente dez vezes menor. Atualmente, o custo com encargos da mão-de-obra de mínima qualificação nos Estados Unidos é de treze, catorze dólares e, no México, de aproximadamente 2,70 dólares, com todos os encargos.
Essa vantagem com a fronteira porosa, absolutamente disponível para essa irrigação no sentido vertical e nos sentidos superior e inferior, estabeleceu para o México oportunidade extremamente original e absolutamente atípica, que lhe permite realmente explodir suas exportações em 165 milhões de dólares, hoje. Mas, por outro lado, não lhe garantiu equilíbrio comercial. Pelo contrário, apesar disso, o México tem de importar cerca de 175 milhões de dólares, basicamente em função da lógica de adição de valor, e, portanto, até o México, que exporta 165 milhões de dólares, precisa lidar com um déficit comercial que necessita ser complementado com a entrada de capitais e, obviamente, com investimento direto.
No entanto, o México aproveitou essa oportunidade de maneira, parece-me, inteligente, usando, digamos, esse espaço para uma integração original que lhe permitiu um projeto de país que, se é ótimo para os Estados Unidos, certamente lhe é bastante razoável.
A conseqüência disso é que a abertura mexicana veio simultaneamente com dois efeitos: uma imensa internacionalização das suas exportações. Se olharmos as vinte maiores empresas exportadoras da América Latina, veremos que, em 1999, as oito ou nove maiores são mexicanas, tirando apenas a empresa de petróleo da Venezuela; e se olharmos quem são essas empresas mexicanas, veremos que são a General Motors, do México, a Volkswagen, a Chrysler, a IBM, a Ford, a Nissan, etc. Basicamente, a exportação fundamental do México está inserida na lógica das tarifas produtivas globais e, assim, o México conseguiu inserção bastante interessante.
Por outro lado, o processo de privatização mexicano, que foi tão intenso quanto o brasileiro ou quanto o argentino, em termos, permitiu que o México, utilizando sinergias internas de seu capital local, viabilizasse grupo de empresas que têm chance hoje de jogarem no mercado internacional com players internacionais mexicanos.
Se os senhores olharem as vinte maiores empresas privadas nacionais da América Latina, verão que as cinco primeiras são mexicanas e que as duas seguintes são brasileiras. Na realidade, temos entre elas oito empresas mexicanas, quatro brasileiras, uma argentina e uma chilena.
Fundamentalmente o México, por meio dessa sua inserção absolutamente atípica e original, conseguiu não só uma apropriação de parte importante do fragmento dessas cadeias de empresas internacionais americanas, como também conseguiu fazer com que seu capitalismo nacional desenvolvesse condição e capacitação para gerar um grupo relativamente interessante de empresas mexicanas, que podem ser transnacionais, o que é um fator bastante importante.
Muito bem. Se analisarmos hoje o NAFTA e o restante do continente latino-americano, vamos ver que a simetria fundamental é a simetria de PIB versus população. Se o NAFTA tinha 10,2 trilhões de dólares de PIB – pelos dados que tenho, de 1999 –, os três países sozinhos tinham 87% do poder econômico do continente. Em termos de população, esses países tinham 49%.
É essa a simetria que nos garante alguma oportunidade na discussão da lógica e da estratégia de inserção, porque, na realidade, a expansão dos mercados à margem das grandes populações americanas está olhando fundamentalmente os grandes países da periferia, onde o consumo de calça Lee, tênis Nike, Coca-Cola, telefone celular e, daqui a pouco, Internet, que já está em 70% das residências dos Estados Unidos, enquanto aqui no Brasil está em somente 3%. Os mercados centrais estão saturados.
Então, na realidade, o olhar das grandes corporações para a população em crescimento de renda na margem é que lhes faz definir o interesse estratégico e fundamental dos mercados.
É sobre esse interesse estratégico que reside ou residiria nosso espaço de barganha com relação à definição de políticas que nos permitam fazer com que a inserção na lógica das cadeias agregue valor e não gere, perversamente, situação semelhante à do MERCOSUL, por exemplo. No seu período de glória – entre 1992 e 1998 –, teve condições de elevar as exportações em 60%, mas acabou tendo que elevar as importações em 150%, gerando déficit estrutural e expressivo na balança comercial que só foi possível manter por meio de política bastante forte de entrada de capitais externos, especialmente do Foreign Direct Investiment – FDI, que tem os seus limites definidos em virtude do contorno da lógica de time das privatizações.
Então, o NAFTA e o restante do continente têm duas assimetrias: poder econômico/PIB e populações. É nesse espaço que podemos fazer barganhas. E como o NAFTA, especialmente os Estados Unidos, o líder hegemônico mundial, protege-se do seu próprio discurso de abertura? Não vou repetir os dados, pois V. Sas. os têm ouvido aqui com freqüência. O que acontece, por exemplo, com o subsídio agrícola americano? Ele evoluiu, no final da Era Clinton, de 35% para 70%, basicamente, da renda líquida de agricultura. O ex-Presidente Clinton imaginava que teria de ceder na rodada de milênio. Essa rodada não aconteceu, e ele foi substituído por um republicano que acabou elevando esse índice.
Ao lado do subsídio agrícola, essencial para a manutenção da lógica hegemônica, existe também subsídio industrial recentemente descoberto em virtude da lógica do fracionamento das cadeias globais.
V. Sas. sabem que a União Européia, há três meses, ganhou causa judicial contra os Estados Unidos e as suas empresas, porque o fracionamento da produção mundial por todos os territórios, inclusive pelos paraísos fiscais, permite abatimento de Imposto de Renda das corporações americanas, considerado subsídio pelo critério da OMC. Portanto, na primeira ação judicial, a União Européia poderá receber, inicialmente, mais de cinco bilhões de dólares em indenizações.
Portanto, o bloco NAFTA, capitaneado pelos Estados Unidos, sabe muito bem como se proteger com subsídios, não só agrícolas, mas também industriais. E faz isso bem, com a força de país hegemônico que conduz o processo com bastante competência.
Em suma, essa é a dificuldade fundamental. E reafirmo: a integração que o México conseguiu, especialmente com os Estados Unidos, não serve de exemplo para o Brasil, porque se trata de integração bastante original, pelo menos em vários aspectos.
Por outro lado, a recessão atual, temporária ou não, devido aos atentados terroristas, apresenta variável nova à discussão, ou seja, a vontade política americana de consolidar o NAFTA ou de expandir a ALCA, tema que outros palestrantes vão debater aqui em outra oportunidade. Mas, certamente, é variável adicional que, no meu entendimento, tenderá num primeiro momento a firmar certo isolamento do bloco NAFTA e certo desconforto do México, mantendo o centro da lógica sobre os Estados Unidos, para que mais tarde, eventualmente, os olhos americanos se abram novamente para o restante da América Latina.
São essas as considerações que eu queria tecer. A explicitação da lógica das cadeias globais é fundamental para o entendimento da própria lógica do NAFTA e da possibilidade de ganhar espaço na integração mundial, tirando vantagens ou não.
Muito obrigado.
PEDRO MALAN – Agradeço ao professor Gilberto Dupas a excelente apresentação e congratulo com S. Sa. por ter cumprido o tempo previsto. Espero que os outros façam o mesmo.
Sem mais delongas, passo a palavra ao professor Jeffrey Schott.
JEFFREY J. SCHOTT (Exposição em inglês.) – Muito obrigado. Primeiramente, gostaria de agradecer à Câmara dos Deputados por me ter convidado para participar deste importante seminário. Estou muito honrado de estar presente, principalmente por estar sentado ao lado do Ministro Pedro Malan, homem muito respeitado em todos os mercados financeiros internacionais. É um prazer estar nesta Casa.
O assunto a que vou me referir é a construção da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) com base na experiência do NAFTA.
Acabei de publicar o livro Perspectivas para a Área de Livre-Comércio das Américas, que analisa os acontecimentos relativos ao desenvolvimento econômico no Hemisfério Ocidental, desde a reunião global de Miami, há sete anos. Há necessidade de melhorar o desenvolvimento econômico nessa área. Para isso temos de analisar a experiência do NAFTA. Será que podemos tirar alguma lição com a experiência do NAFTA para desenvolver a Área de Livre-Comércio das Américas? De algum modo, as duas iniciativas são comparáveis. Em ambos os casos, os Estados Unidos dominam o cenário econômico, com 85% do PIB da América do Norte, e com 75% do PIB do Hemisfério Ocidental. Ambas iniciativas unem países desenvolvidos e países em desenvolvimento e cobrem variados temas que procuram eliminar barreiras ao comércio e investimentos com limitadas exceções. Este é outro ponto ao qual quero voltar brevemente.
Ambas as iniciativas são impulsionadas por objetivos políticos, que são iguais ou de importância diferente. Diferentemente do NAFTA, a Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA) envolve trinta e quatro países com grandes diferenças de tamanho e nível de desenvolvimento econômico. No NAFTA, a proporção do PIB dos Estados Unidos e do México, era de vinte para um. Na ALCA, a economia americana é treze vezes maior que a do Brasil e chega a ser até cem vezes maior que toda a economia combinada da América Central e de todos os países do Caribe. Ou seja, representaria o grosso da participação na ALCA.
Não posso deixar de falar sobre acordos regionais, como o do MERCOSUL, que gerou comércio inter-regional, e vou mencionar algumas lições extraídas da experiência do NAFTA. Se houver tempo, falarei também, resumidamente, sobre a evolução da própria ALCA.
A primeira lição, talvez a mais importante e fundamental a se aprender é que o NAFTA foi idealizado para promover o crescimento econômico, estimular a competição dos mercados domésticos, reduzir a inflação e promover o investimento tanto interno quanto estrangeiro. Funcionou e tem funcionado bastante. Sabemos pelas várias estatísticas que as empresas norte-americanas são agora muito mais eficientes e produtivas. Elas se reestruturaram, e conseguiram tirar vantagem da economia de escala de produção e também de especialização. Esse é um dos maiores benefícios que obtivemos com esse tipo de acordo. Mas, ele só pode ser feito se as políticas internas de fato propiciarem o ambiente favorável para que se expanda a atividade econômica. Esse é, de fato, um requisito importante e relevante para este Seminário.
De 1995 ao ano 2000, o México cresceu a uma taxa média de 3,6% e, apesar da grande recessão do ano de 1995, apesar da crise, teve um crescimento robusto. O NAFTA contribuiu para o crescimento do comércio entre os Estados Unidos e o México. Depois de entrar em vigor, o comércio entres os dois países triplicou. Um ano antes de o NAFTA ter início, em 1983, o intercâmbio era de 81 bilhões de dólares. No ano passado o valor foi de 248 bilhões de dólares.
O comércio do bloco NAFTA aumentou também com o resto do mundo. E qual é a lição que podemos tirar disso para a ALCA? Que é grande o potencial de expansão dos mercados da América Latina. Se esse crescimento foi atingido no NAFTA, sem problemas, aqui seria bastante significativo.
Gostaria de dar um exemplo com relação a isso. O comércio entre o Brasil e Estados Unidos, como já foi dito, tem crescido bastante nos últimos dois anos, a 20% ou 30% por ano. Isso ainda é muito pouco, porque eram 29 bilhões de dólares no ano passado, comparando-se ao comércio entre os Estados Unidos e o México, que foi de 248 bilhões de dólares.
Se o Brasil tivesse o mesmo acesso ao mercado americano que tem o México, e se os Estados Unidos tivessem o mesmo acesso ao mercado brasileiro que têm ao mercado mexicano, ajustando-se as diferenças com o tamanho do mercado, é claro, e também levando em conta as distâncias geográficas, poderíamos estimar que o comércio bilateral depois da introdução da ALCA seria triplicado, talvez entre setenta a oitenta bilhões de dólares pelo menos, depois do início de um regime de livre-comércio.
Há oportunidades fantásticas de expandirmos nosso comércio bilateral e aumentarmos nossas relações de investimento além dos valores atuais. Há uma lição muito importante a ser aprendida com a experiência do NAFTA.
A segunda lição, o NAFTA e a ALCA, como todos os pactos de comércio, criam oportunidades, mas não garantem as vendas. Para promover o crescimento sustentável e tirar total proveito dessas oportunidades, a importância da política macroeconômica deve aumentar dentro e fora dos países. Medidas monetárias de câmbio e de taxa de juros devem ser tomadas. O NAFTA não fez isso, mas criou, sem dúvida, incentivos para os países-membros, a fim de cooperarem de maneira mais íntima com relação a esses assuntos. Já que cada país tem interesse no bem-estar econômico de seus parceiros, a existência do NAFTA foi importante nas decisões americanas de subscrever o pacote de resgate do peso mexicano em 1995.
Outras considerações dependem dos esforços, até mesmo do MERCOSUL, para criar políticas macroeconômicas e gerenciar as pressões relacionadas às diferenças entre as taxas de câmbio.
A terceira lição é que os acordos de livre-comércio colocam os países em níveis diferentes de desenvolvimento econômico. Essas foram as grandes revelações do NAFTA. As obrigações devem ser implementadas de modo a refletir as diferenças econômicas, com a implementação assimétrica de obrigações comuns. Assinar um acordo de livre-comércio não é a mesma coisa que assegurar o próprio livre-comércio. Algumas reformas no comércio são implementadas imediatamente no momento em que o acordo entra em vigor; outras demoram mais algum tempo. Em circunstâncias limitadas, algumas reformas serão adiadas indefinidamente. O NAFTA, por exemplo, concedeu de cinco a dez anos para que todas as barreiras fossem derrubadas, e quinze anos, até janeiro de 2009, para a liberalização das barreiras agrícolas impostas à economia americana e mexicana.
Será que ALCA precisará estabelecer períodos mais longos de transição? Com poucas exceções por países e produtos, não acredito que isso seja necessário, por duas razões: primeiro, os países ocidentais continuam a se liberalizar com relação às áreas de livre-comércio e lutam por pactos, tanto na América do Norte quanto na América do Sul. Isso é bem visto ao longo do tempo; segundo, muitas vezes os governos aceleram a implementação dos compromissos da Área de Livre-Comércio, uma vez que ela está funcionando. Isso se deve à demanda das indústrias que querem adequar suas estratégias e se anteciparem às necessidades do novo regime. Esse fenômeno ocorreu na Europa, com o anúncio dos mercados de livre-comércio, e na América do Norte: no Canadá e nos Estados Unidos. Os investidores chegaram ao México muito antes de o NAFTA ter sido assinado. O progresso junto à ALCA será de fato sinal bastante poderoso para os investidores estrangeiros, que acirrarão mais investimentos para a Área de Livre-Comércio das Américas.
Preparei uma lista de recomendações em áreas específicas, incluindo a agricultura, e também em relação às regras de origem. Elas têm enorme importância para os negociadores comerciais por causa do debate político.
Nestes últimos minutos gostaria de mencionar um tema específico, que provoca muitas emoções, tanto nos Estados Unidos como no Brasil: o antidumping.
Neste particular o NAFTA não trabalhou com eficiência, e o assunto foi renegado – tanto o antidumping como os subsídios. O único aspecto do NAFTA que trata do antidumping é a criação de um mecanismo para a resolução de conflitos, que de fato acelera a revisão judicial de qualquer tipo de determinação definitiva com relação ao antidumping. O assunto constitui um problema crucial nas negociações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos. Quanto analisamos a situação dos países envolvidos, vemos que quase todos os casos se situam na área da siderurgia, que é sempre motivo de debate. A questão do aço precisará ser discutida muito antes de a ALCA concluir as suas negociações, pois há urgência em lidar com a reestruturação desse setor, como já acontece nos Estados Unidos devido à falência de importantes empresas produtoras de aço. Nas negociações internacionais os americanos sempre levam em conta os problemas representados por essa capacidade ociosa. Há outros assuntos que devem ser tratados antes de 2005, e resolvidos de forma satisfatória. Dentro da ALCA o antidumping precisa ser resolvido, e os Estados Unidos vão empenhar-se em resolver essa questão, que constará da agenda das negociações dentro da ALCA e até mesmo na própria OMC, havendo forte resistência do Congresso americano a qualquer mudança na legislação vigente.
Relembro uma lição parecida que aprendi quando era negociador comercial, há vinte e cinco anos, na rodada de Tóquio. Os Estados Unidos criaram restrições às importações brasileiras mesmo sem terem confirmadas suspeitas de ocorrência de dumping. O Brasil solicitou então que tais importações fossem submetidas a um injury test (teste de danos), ao que o Congresso Americano reagiu afirmando não poder mudar a lei. Os negociadores americanos ponderaram que se o Brasil e os Estados Unidos voltassem com um bom acordo, eles reconsiderariam. Voltamos com um bom negócio, chamado de Acordo da Rodada de Tóquio, e o Congresso mudou a lei americana. Não quero dizer com isso que os embaixadores e os negociadores não terão uma tarefa difícil na construção das bases para um regime de livre-comércio, que seja satisfatório ao interesse americano, permitindo mudanças significativas na atual lei americana. Acredito que ainda há muito espaço para trabalharmos conjuntamente para que o Congresso possa trabalhar de maneira efetiva. Acho que essa será uma lição importante para a ALCA. Devemos deixar de lado o emocional, evitando que um trabalho sério deixe de ser realizado. Ele tem de mostrar resultados em 2005.
Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Pedro Malan) – Agradeço ao professor Jeffrey Schott a excelente exposição e por ter obedecido exatamente ao tempo estabelecido a todos os participantes do debate, por decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves.
Peço aos organizadores que reduzam o grau de luminosidade do auditório. O Ministro Pedro Parente agradece.
Concedo a palavra ao Dr. Fernando de Mateo, que apresentará a perspectiva mexicana sobre o NAFTA, pelo tempo de quinze minutos.
FERNANDO DE MATEO (Exposição em espanhol.) – Sr. Ministro, gostaria de agradecer a V. Exa. o convite que recebi dos senhores. É uma honra para mim estar participando deste painel.
Começarei apresentando algumas transparências.
Primeiramente, quero dizer que o México é um país que tem tratados de livre-comércio com trinta e um países no mundo inteiro. Como os senhores podem ver, temos o NAFTA e tratados com todo o Mercado Comum da América Central, com quatro países da América do Sul, todos os países da União Européia e todos os países da Associação Européia de Livre-Comércio.
O que fizemos para que o México se convertesse num país com rápido crescimento médio na área do comércio, na última década, de 15,3%? Os senhores podem ver aqui como o resto dos países cresceram. Não vou explicar o crescimento de cada um. Não há tempo para isso.
O México se converteu no sétimo país comercial do mundo, tomando a União Européia como unidade, com crescimento, desde que entrou em vigor o Tratado do NAFTA, de 16,5%. Com cada um dos países com os quais temos tratado de livre-comércio, houve crescimento muito importante na área do comércio. O crescimento do comércio bilateral de cada um deles foi muito maior.
Os senhores podem ver no gráfico o seguinte: o Chile teve crescimento de 66,3%; a Venezuela, 100%. Todo esse crescimento ocorreu desde que entrou em vigor cada um dos tratados. Em um ano, o comércio com a União Européia cresceu 21%.
Os senhores talvez possam dizer que estou sendo presunçoso. Mas o que quero dizer são duas coisas: os tratados de livre-comércio, como disse o Sr. Ministro no início, podem curar tudo e resolver todos os problemas. Eles só não curam mal de amor. Eles têm de estar acompanhados de políticas monetárias saudáveis, mas esses tratados ajudam o desenvolvimento econômico. Se os senhores notarem, a linha azul mostra o crescimento do Produto Interno Bruto do México nos últimos anos. Em 1995, o Produto Interno Bruto caiu 6,2%. Mas as exportações cresceram, em termos de produto, 5,2%. Isso quer dizer que, mesmo com o crescimento das exportações em 1995, o Produto Interno Bruto caiu mais de 11%. E os senhores podem perceber que em cada um desses anos o crescimento do PIB foi responsável pelas exportações em mais de 50%.
O que isso quer dizer? A cada ano, as exportações contribuem pelo menos com metade do crescimento do Produto Interno Bruto. Os senhores podem ver no gráfico com a linha verde que o salário aumentou a partir de 1995. A linha azul mostra o custo de trabalho unitário; e a outra, o índice da produtividade do trabalhador. Isso não é o todo, mas grande parte devido às exportações.
Então, por que foi feito o acordo de livre-comércio? Em primeiro lugar, deu-nos acesso a mercados em trinta e um países. Naturalmente, as exportações estão concentradas na América do Norte. Isso é certo. Nossas importações também. Além de nos dar acesso a trinta e um países no mundo, obtivemos insumos com preços e qualidades internacionais e nos abriu a possibilidade de adquirirmos tecnologias modernas e de ponta. Foi o que conseguimos durante os últimos anos.
Melhoramos os serviços – o Sr. Mário Marconini falará sobre eles –, que se tornaram parte fundamental da nossa economia. Com serviços modernos, preço e qualidade internacionais, ganhamos uma indústria moderna, que poderá crescer significativamente. É o que estamos conseguindo com o tratado de livre-comércio. Os importadores mexicanos têm certeza do êxito.
Houve problemas com os Estados Unidos. Temos um mecanismo de solução de controvérsias que funciona – isso foi assinalado pelo expositor que me antecedeu – e cria um marco atrativo para o investidor. Isso se converteu em interesse importante para países emergentes: estimular o crescimento econômico.
Fala-se muito sobre as máquinas. Mas se os senhores verificarem, o conteúdo nacional bruto da máquina, em 2000, foi de 23,7%. Em julho deste ano, subiu para aproximadamente 25%. O conteúdo nacional está crescendo aproximadamente 30% ao ano. O conteúdo nacional líquido de importações totais, incluindo máquinas, é de 30%. Evidentemente, as máquinas aqui representam aproximadamente 47% das exportações brasileiras. Estamos falando também de 40% das exportações de outras manufaturas.
Estamos tratando basicamente de duas coisas. Com relação à primeira, não temos conteúdo nacional reduzido. São processos produtivos simples. E temos um desafio. Por exemplo, o México está exportando 290 milhões de calças jeans ao ano para os Estados Unidos. Ele está investindo alguns milhões nos Estados Unidos. Estamos fabricando com tecido mexicano. Se o senhor for a uma loja de produtos mexicanos nos Estados Unidos comprar – como podem ver – uma televisão, constatarão que ela é mexicana. Aproximadamente 80% das televisões vendidas no México são mexicanas.
No México, o Sul é a parte subdesenvolvida; o Norte, a desenvolvida. Os senhores podem ver como, em diferentes Estados, estamos criando áreas que seriam voltadas à produção industrial, verdadeiras indústrias do vale do silício mexicano em Jalisco, no Estado de Guadalajara.
Aqui vemos também como, há alguns anos, a produção mexicana estava concentrada no México em Monterrey e também na cidade de Guadalajara. Os senhores podem ver como foi sendo transferida para o sul a produção mexicana destinada à exportação.
Yucatán era um estado que, há alguns anos, só atraía o turismo, nada mais. Agora há trabalho para muitos setores. Aqui vemos como o comércio exterior entrou em cada uma das regiões. Nessa parte verde escura, os senhores podem ver o comércio exterior e o resto da parte do sul, da península de Yucatán. Insisto que o comércio exterior não resolve todos os problemas. Temos outros setores para trabalhar também.
Foi o que negociamos com todos os tratados de livre-comércio. Esse seria o acesso ao mercado relativo, ao investimento que conduz o setor público. Foi tudo negociado em relação ao NAFTA. Negociamos dentro de cada um dos tratados do livre-comércio da América Latina e da União Européia. Há vários aspectos. É o que estamos vendo sobre a ALCA.
Sr. Presidente, se V. Exa. me permitir, gostaria de mostrar-lhes quando vão ficar livres de tarifas todos os mercados que há no nosso tratado de livre-comércio.
Em 1998, eles ficaram isentos de taxas. Em 1o de julho, ficamos livres de impostos. E parte dos produtos agrícolas, em 2003, também ficará isenta de taxas com a União Européia. Gostaria apenas de mencionar isso.
Estou à disposição dos senhores para qualquer esclarecimento.
Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Pedro Malan) – Agradeço ao Dr. Fernando de Mateo a excelente e extremamente informativa exposição. Sem mais delongas, embora fosse meu desejo tecer alguns comentários, o que farão pessoas mais qualificadas aqui presentes, concedo a palavra, por dez minutos, ao Deputado Antonio Kandir.
ANTONIO KANDIR – Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar os três expositores pela qualidade das apresentações.
Há cinco aspectos que gostaria de comentar e que ficam claros a partir da experiência do NAFTA e das exposições de hoje. Vemos que o processo de liberalização comercial tem o grande potencial de melhorar a qualidade das instituições de política econômica, a própria política econômica e a performance econômica dos países.
Em segundo lugar, e nesse particular a experiência mexicana é muito rica, um dos caminhos para o maior sucesso no processo de liberalização comercial é não pensar num único acordo, mas em vários acordos simultâneos.
A terceira observação: temos que reconhecer que a experiência do NAFTA é muito interessante, mas tem algumas especificidades que prejudicam a idéia de considerar a ALCA simples extensão do NAFTA.
A quarta observação: qualquer acordo comercial que inclua os Estados Unidos é sempre enorme oportunidade. Afinal de contas, dados de 2000 revelam que os Estados Unidos importaram do mundo um um trilhão e 441 bilhões de dólares. Qualquer acordo comercial interessa, a princípio. Interessam-nos vários acordos comerciais simultâneos; interessa-nos sempre acordo comercial com os Estados Unidos, pelo potencial que têm.
A quinta observação: qualquer acordo comercial com parceiro de tal peso, ao mesmo tempo que é grande oportunidade, pode representar grande risco. Esse risco decorre exatamente do poder econômico do parceiro, que permite impor determinadas regras do jogo depois da realização de alguns acordos.
A exposição do Dr. Fernando de Mateo foi muito interessante, mas há alguns episódios de frustração no caso do México. Não conheço os detalhes, mas não imagino que tenha sido positivo o resultado, por exemplo, das recentes decisões americanas a respeito dos caminhões mexicanos, o que provoca incerteza. Não é a questão em si que preocupa, mas o fato de que o Congresso americano toma decisões ao arrepio do que é estabelecido nos acordos comerciais.
A assimetria de poder é muito importante em vários aspectos. Não sou especialista na matéria, mas recomendo que as pessoas interessadas no assunto reflitam sobre a experiência do NAFTA no que diz respeito ao seu capítulo 11, relativo aos investimentos, no qual são colocados no mesmo nível Estados e empresas. Todo e qualquer conflito pode ser resolvido por sistema de arbitragem internacional.
Esse tipo de resolução de conflitos entre Estados e companhias deve ser analisado. Há duas hipóteses: companhias relativamente fracas diante de Estados razoavelmente poderosos; e empresas razoavelmente poderosas diante de Estados relativamente fracos. Diga-se de passagem, esse é um problema não só de países da periferia, mas também de determinados Estados, de países avançados. O capítulo 11 do NAFTA apresenta alguns riscos do ponto de vista da regulação.
No caso do México, determinadas corporações questionaram decisões dos governos estaduais, o que gerou processo de arbitragem e penalidades de algumas centenas de milhões de dólares. Esse é o risco da regulação.
Faço esses breves comentários para demonstrar que, na verdade, a matéria requer profunda análise. Entendo que este seminário estimula todos nós, particularmente do Congresso Nacional, a refletir mais sobre o assunto.
Do ponto de vista do Congresso brasileiro – digo isso mais na condição de deputado do que de especialista –, fica muito clara a mensagem apresentada no painel anterior. O governo federal fez grande trabalho, capitaneado pelo Ministro Pedro Malan, de estabilização de preços, de melhoria da condição fiscal, enfim, quase tudo que era necessário para promover o crescimento do Brasil. Qual é o nosso limitante no momento? Ampliar a nossa performance de comércio exterior. Como fazer isso? Um dos caminhos é a liberalização comercial. Se for para valer, interessa-nos.
A negociação da ALCA nos tem preocupado porque, para determinadas questões, ou seja, subsídios agrícolas e normas antidumping, a resposta que temos dado a alguns interlocutores é a de que essas matérias não devem ser tratadas no âmbito da ALCA, mas da OMC. Quando negociamos MERCOSUL e Europa, recebemos a mesma resposta, ou seja, a de que a matéria deve ser remetida à OMC.
Portanto, cabe ao Brasil continuar firme nas duas negociações e criar condições políticas para que, no prazo mais curto possível, avance na negociação com a OMC. Particularmente, gostei do que disse o Sr. Félix Peña: a nossa postura deve ser a de quem gosta de jogar pôquer – aliás, o Ministro Malan é excelente jogador de pôquer –, simultaneamente, em várias mesas, sem o menor constrangimento de jogar com jogadores trampadores.
O Brasil trabalhou para estabilizar os preços e a questão fiscal, ou seja, criou política econômica saudável. O nosso problema é crescer e, para isso, precisamos de livre-comércio para valer. Não temos constrangimento algum para negociar, desde que as negociações sejam reais, e os jogadores, menos trampadores.
PEDRO MALAN – Muito obrigado, Deputado Antonio Kandir. O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães comprou dois minutos do seu tempo, os quais não sei se, a preço vigente, está disposto a utilizar na sua totalidade.
Com a palavra o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES – Em primeiro lugar, agradeço imensamente aos organizadores deste seminário o convite para dele participar.
O NAFTA tem extraordinária importância para nós, apesar de todas as simetrias e peculiaridades. Na minha opinião, tenderá a ser o modelo da ALCA, por várias razões. Primeiro: pela diminuta capacidade de negociação dos países menores. Foi dito por um dos expositores que o PIB dos Estados Unidos é cem vezes maior do que o dos países da América Central e do Caribe juntos, e treze vezes maior do que o do Brasil. De modo que a sua capacidade de orientar as negociações numa certa direção é muito grande.
Depois, o que está sendo negociado na ALCA é muito semelhante ao que foi negociado no NAFTA. Além disso, será muito difícil obter mais dos demais parceiros do que já se obteve do Canadá e do México; e dar mais aos demais parceiros do que já se deu ao Canadá e ao México, membros do NAFTA. Portanto, a tendência é seguir nessa direção. Dificilmente será possível imaginar algo muito diferente ou totalmente diverso.
Em segundo lugar, é interessante observar – e tem sido dito um pouco superficialmente – que o Canadá pouco aparece nas negociações sobre a relação entre Estados Unidos e México, assim como sobre a relação entre a eventual ALCA, os países subdesenvolvidos e os Estados Unidos.
Obviamente, os objetivos das negociações eram distintos. O objetivo do Canadá, ao procurar entrar na negociação entre Estados Unidos e México, sugerida pelo Presidente mexicano, era garantir o acordo de livre-comércio com os americanos.
Os objetivos dos Estados Unidos eram muito importantes. Um deles, ainda não concretizado totalmente, na minha opinião, era ter acesso às fontes de energia mexicanas, ou seja, ao petróleo mexicano. Se não me engano, o professor Jeffrey Schott mencionou esse fato no livro que escreveu, há muitos anos, sobre a integração das Américas. E o objetivo ainda não foi totalmente alcançado porque o acordo do NAFTA reservou a parte do petróleo – e não a de petroquímicos – e de energia elétrica para o controle do Estado mexicano.
Outro objetivo americano era trazer de volta da Ásia para mais próximo do território americano várias multinacionais lá instaladas e procurar se beneficiar do custo relativamente mais baixo da mão-de-obra mexicana para aumentar, de forma mais segura, a competitividade de grandes empresas americanas.
Portanto, os objetivos eram muito diferentes. O objetivo do México, naturalmente, era atrair capital estrangeiro dos Estados Unidos, principalmente, onde teve mais êxito, e garantir determinado modelo de política econômica, fenômeno que o professor Jeffrey Schott, no passado, chamou de locking. Ele não me contraditará. Então, era a oportunidade de manter certas políticas econômicas do governo da época.
Parte do grande crescimento do PIB mexicano deriva do grande crescimento das exportações mexicanas, na maior parte concentrado na área das indústrias maquiladoras. O fenômeno não é igual ao de um país que começa a produzir industrialmente e a partir dali exporta. Na realidade, é movimento de entrada seguido por agregação de valor, emprego de mão-de-obra, muito importante, certamente, mas que acaba em exportação e entra no cômputo do Produto Interno Bruto.
Na minha opinião, o NAFTA terá grande importância para a constituição da ALCA. Aliás, o professor Schott procurou apresentar o NAFTA como base para a constituição da Área de Livre-Comércio das Américas, defendendo certos pontos mais controvertidos, a exemplo do antidumping. Para nós, do Brasil, há três questões fundamentais: a vulnerabilidade externa mencionada pelo Deputado Antonio Kandir, ou seja, a necessidade fundamental de exportar. O Presidente da República já lançou o lema: “Exportar ou morrer”. Eu diria outra coisa: “Obter superávit comercial ou morrer”. Se as importações acompanharem as exportações, o efeito esperado de redução do déficit de transações correntes não se realizará. De modo que é preciso obter superávit comercial. Nesse sentido, a experiência mexicana, que levou ao grande aumento das exportações, não correspondeu ao aumento do superávit comercial.
Outro aspecto relativo à vulnerabilidade a largo prazo é o seguinte: logo depois do início do NAFTA houve a crise do peso mexicano. Foi necessária a modesta quantia de quarenta e sete bilhões de dólares para superá-la. A crise, naturalmente, foi decorrente de refluxos de capital especulativo, da abertura comercial – e isso não pode ser atribuído ao NAFTA –, da sobrevalorização do peso, do grande ingresso de capitais especulativos.
A largo prazo, o ingresso de capitais diretos, muito importante e que ajuda a transformar a economia, a aumentar a produção e as exportações, significa necessariamente serviços. No caso do México, o que ocorre? Grande parte dos investimentos diretos americanos são voltados também para as exportações. É diferente do que poderia acontecer em outros países da eventual ALCA, onde os investimentos poderiam ser mais voltados para a produção, para o mercado interno. Nada impede – e, salvo engano, isso foi dito anteriormente – desequilíbrios resultantes desse cenário.
Quanto à concentração do comércio exterior, apesar do esforço do México em assinar trinta e um acordos de livre-comércio, ela aumentou. E a participação dos Estados Unidos no total das importações e exportações mexicanas aumentou e muito: chega a aproximadamente 90%, no caso das exportações. Isso significa que a economia mexicana fica extremamente vulnerável diante de variações da economia americana, para o bem e para o mal. Nos ciclos de expansão, a economia mexicana é afetada de forma benéfica; e na retração, de forma negativa, para evitar a palavra maléfica.
A diversificação do comércio exterior no Brasil foi tão louvada que o País passou a ser considerado global trader, porto positivo. No caso do NAFTA, a diversificação não se verificou, apesar dos esforços.
Tenho um minuto para falar das desigualdades brasileiras. Realmente, não é muito tempo, mas tentarei seguir o exemplo dos demais expositores e concluir rapidamente.
O risco de aumento das desigualdades interpessoais e inter-regionais é muito grande, a exemplo do que já ocorre no México, apesar dos esforços em reduzi-las. O México, hoje em dia, tem marca muito interessante: 24 bilionários em dólares, após a criação das políticas econômicas da década de noventa.
Concluindo, quero ressaltar a grande importância do NAFTA em relação à ALCA. O capítulo 11 do NAFTA foi mencionado pelo Deputado Antonio Kandir, mas certamente haverá o capítulo 11 na ALCA.
Além disso, quanto às duas questões relativas à ALCA citadas pelo Dr. Schott, não serão negociados nem o antidumping nem os subsídios nem os produtos agrícolas.
Muito obrigado a todos.
PEDRO MALAN – Agradeço ao Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães a excelente e sempre instigante apresentação. Para abordar alguns temas, em particular o último, S. Exa. precisaria de mais de um minuto, porque é tema central de debates futuros no Brasil. Infelizmente, o tempo é curto.
O último debatedor é o Dr. Paulo Sotero Marques, que não comprou dois minutos do Deputado Antonio Kandir. Portanto, tem o tempo máximo de dez minutos para sua exposição.
PAULO SOTERO MARQUES – Muito obrigado. É um prazer estar aqui e uma alegria, sendo jornalista, dar respostas em vez de fazer perguntas.
Em primeiro lugar, acho que há importante diferença, sim, entre ALCA e NAFTA. E esse dado sempre será relevante, sobretudo para o Brasil. Parafraseando o famoso Presidente mexicano Porfírio Díaz, o Brasil fica talvez mais perto de Deus do que dos Estados Unidos.
Não sei qual é a conseqüência disso na negociação futura, mas a geografia é muito importante, e o México fez o que fez em termos de integração com base, obviamente, na geografia.
Ficou a impressão, pelas exposições, de que talvez o NAFTA seja muito popular nos Estados Unidos, que seja algo que realmente os americanos querem e estão empenhados em fazer, e que os mexicanos resistem a ele. A realidade é exatamente oposta. O NAFTA é tratado com crescente consenso no México, onde tem cada vez mais apoio.
Na qualidade de jornalista, entrevistei mais de uma vez um cientista político mexicano, homem de oposição ao NAFTA que formou grupo de debate de alternativas às políticas macroeconômicas incursas no México e que justificavam o modelo do NAFTA, com a participação de três importantes líderes brasileiros: o atual Presidente do PT, Deputado José Dirceu, o ex-Presidente Itamar Franco e o ex-Governador Ciro Gomes. Esse cientista político é hoje o chanceler do México. O seu nome é Jorge Castañeda, e agora é defensor do NAFTA. E não tenho notícias de que esteja contestando o atual modelo econômico do México, exatamente igual ao que era antes criticado. Na última eleição presidencial mexicana, nenhum dos três candidatos usou a oposição ao NAFTA como bandeira. Eu acho que este é um dado relevante.
Nos Estados Unidos, ocorre exatamente o oposto. Se o NAFTA fosse popular, o Congresso americano já teria aprovado o fast track, agora conhecido como Trade Promotion Authority, a Autoridade de Promoção Comercial, fundamental para aquele país. A Constituição americana garante ao Congresso e não ao Executivo a jurisdição sobre a formulação de política comercial.
Eu tenho em mãos anúncio do dia 11 de outubro deste ano, publicado em vários jornais americanos pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automobilística, Aeroespacial e de Implementos Agrícolas, da campanha contra a aprovação do Trade Promotion Authority, sob a alegação de que os Estados Unidos não podem repetir as negociações ao estilo do NAFTA.
Portanto, é um engano partir do pressuposto de que o NAFTA é algo imensamente popular nos Estados Unidos. E esse é um dos problemas que afeta, hoje, o seu aprofundamento.
Do ponto de vista do Brasil, que conquistou a sua democracia há mais tempo do que o México e está trabalhando para aprimorá-la, o NAFTA é fator de aprimoramento daquele país em mais de um sentido. Dois dados importantes: o México adquiriu, por causa do NAFTA e de todos os acordos mencionados pelo professor Fernando de Mateo, imensa capacidade de negociação de acordos comerciais e tem hoje time de primeiríssima qualidade na área.
Na condição de jornalista, observo sempre que essa é discussão constante aqui no Brasil. E precisamos nos aprimorar nesse ramo. Nós temos capacidade de fazê-lo. Então, comecemos logo, porque o tempo está passando. O México já fez a lição de casa e tem excelentes negociadores comerciais.
Segundo fato importante: o México é hoje uma democracia com presidente legítimo. Isso é, em parte, resultado das pressões de abertura criadas pelo NAFTA, que teve participação importante no México. A lógica da abertura econômica tornou impossível manter o sistema autoritário que, por várias razões, a iniciou.
Há alguns dados complementares que talvez mereçam ser mencionados em relação a fatos que tornam a negociação da ALCA muito diferente da negociação do NAFTA. O primeiro deles: o México foi beneficiado por ter sido um dos primeiros países da América Latina a iniciar o processo, há dez anos, além da óbvia vantagem geográfica que tem em relação ao mercado americano.
O segundo: o México é tema de segurança nacional para os Estados Unidos. Era antes por causa da imigração, que o NAFTA tenta organizar. É importante lembrar que o Presidente Vicente Fox, do México, propôs o aprofundamento do NAFTA, alegando que não podiam firmar acordo que permitisse apenas a livre circulação de mercadorias e de capital. Achava necessário regularizar também o fluxo de trabalhadores.
A economia americana, como se sabe, não pode funcionar em período de prosperidade sem os milhões de trabalhadores mexicanos explorados exatamente pela sua condição de ilegalidade. Antes de 11 de setembro, havia sido iniciado debate muito importante nos Estados Unidos, que contava com o apoio dos sindicatos, sobre a imigração. O próprio Presidente
George W. Bush participava da discussão que estava em curso. Obviamente, com os eventos de 11 de setembro, a discussão foi adiada, e não se sabe quando será retomada, porque a ordem hoje, nos Estados Unidos, é proteger, no sentido mais literal da palavra.
Para finalizar, na qualidade de jornalista e considerando os meus contatos com os mexicanos, acho muito importante para nós, brasileiros, aprender a negociar. Os Estados Unidos têm estrutura de negociação comercial que envolve vinte mil técnicos especialistas. Eu já escrevi sobre isso há algum tempo. É com essa estrutura que nós temos que negociar. Os mexicanos se prepararam e, aparentemente, estão muito contentes com isso, porque existe, como eu disse, crescente consenso no País a respeito dos benefícios do NAFTA e da necessidade de aprofundá-lo.
Muito obrigado.
PEDRO MALAN – Agradeço ao Sr. Paulo Sotero Marques a excelente apresentação.
Do mesmo modo, agradeço aos expositores Gilberto Dupas, Jeffrey J. Schott, Fernando de Mateo, Deputado Antonio Kandir e Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Longe de mim pretender, nos dois ou três minutos a mim destinados pelo Presidente Aécio Neves, sintetizar a riqueza de informações e de perspectivas sobre o tema de que nós tratamos aqui e seus desdobramentos, porque tudo na vida tem implicações.
Quero apenas fazer breve comentário, à guisa de conclusão da minha participação neste debate, dado que, lamentavelmente, terei que me ausentar. Apesar disso, aviso aos interessados em debater que os integrantes da Mesa estarão à disposição para isso.
No que diz respeito à análise do NAFTA, o que se observa é que cada um de seus membros – Estados Unidos da América, Canadá e México –, a sua maneira, definiu seus interesses nacionais. Cada um desses países tem visão de passado, presente e futuro; visão da região como espaço privilegiado de atuação; e determinada visão do mundo, procurando se situar nele numa perspectiva de médio e longo prazos – o que é importante –, sem a qual não se fazem coisas duradouras lá e aqui.
Isso tem que ser feito mediante avaliação realista dos países – da qual depende a sua capacidade negociadora –, de onde estão e aonde podem chegar, levando em consideração os recursos de que dispõem para exercer o seu papel negociador. São recursos econômicos, financeiros, humanos, tecnológicos, diplomáticos e, quando for o caso, militares. Essa avaliação é fundamental para que se evite, de um lado, a bravata destituída de significado e, do outro, apequenar-se diante do mundo, achando que nada é possível fazer porque não se tem recursos para enfrentar mundo mais bem preparado.
Preparemo-nos, mesmo sabendo que isso demanda tempo, que isso não se faz da noite para o dia. Como dizia Mao Tsé-Tung, uma longa marcha tem que começar com os primeiros passos.
Teremos tanto mais capacidade negociadora quanto mais consigamos criar essas estruturas? Paulo Sotero tem razão: o México as vem criando há algum tempo. Outros países o fizeram ou estão fazendo também. O Brasil está tentando fazer isso depois de décadas em que não formou nem no setor público – com a brilhante exceção do Itamaraty, que tem número reduzido – nem no setor privado, por ter economia fechada em torno de si mesmo, capacitação humana, entendimento jurídico e técnico e competência específica para participação significativa nessas negociações.
Então, o mais importante é que a influência de um país, no mundo de hoje, depende da percepção de sua capacidade de caminhar para equacionar seus inúmeros problemas econômicos, financeiros, sociais, político-institucionais, culturais, éticos, morais e de outras naturezas.
E é fundamental que sejamos capazes de fazê-lo para nós mesmos, porque um país que não é capaz de fazer isso para os seus próprios cidadãos é incapaz de mostrar-se como tal para o resto do mundo.
Portanto, é possível sempre olhar a questão do ponto de vista do muito que resta a fazer.
É preciso sempre considerar a necessidade de fazer algo. Nesse tipo de negociação, disse o Deputado Kandir, é preciso ter menos emoção e pura politização e mais razão, técnica, argumento e convencimento, o que não significa que não haja espaço para a política.
O fato é que precisamos envolver o Congresso, a exemplo do que fazem outros países. Essa discussão tem lugar no Congresso Nacional e é da maior importância, porque os outros países tratam com competência, principalmente na defesa de certas medidas de natureza protecionista, dos interesses reais da sua sociedade expressos por intermédio do seu congresso.
O Congresso Nacional brasileiro será, espero eu, crescente e ativo participante da discussão desses temas, sem a politização total indevida e sem a pura emoção, que não levam a nada em negociações internacionais, embora sejam, em alguns momentos, sem a bravata do público, elemento importante.
Digo isso porque ouvi vários participantes, aos quais queria me associar, citarem a importância de o Brasil se empenhar seriamente na ampliação do seu acesso a mercados, de expandir suas exportações não só de produtos agrícolas, mas também de produtos industriais.
Jeffrey Schott mencionou o tom emocional das nossas negociações, o que é verdade, dada a nossa resistência a medidas de antidumping a certas exportações brasileiras, em particular àquelas que mostram maior potencial de crescimento e de competitividade. Para essas discussões temos sólidos argumentos, assim como também expressaremos a nossa profunda insatisfação com a forma pela qual subsídios à produção e às exportações agrícolas, tanto dos Estados Unidos quanto da União Européia, têm lugar.
Nesse sentido, acho muito importante evitar declarações infelizes. Recentemente, um candidato à Presidência da República disse entender o protecionismo europeu e as barreiras que impõe sobre as nossas exportações agrícolas: “Eles estão corretos. Nós precisamos, primeiro, fazer a nossa parte para depois exigir alguma coisa”.
Essa visão é profundamente equivocada, assim como a de que o País não deve reduzir as suas exportações para atender a certas demandas do consumo doméstico, questão que não é discutida há quase vinte anos neste país. Já se deixou de lado a idéia de que um país deve escolher se bem trata do mercado doméstico ou bem se preocupa com a sua competitividade externa. São questões há muito superadas. E quanto mais rapidamente pudermos superá-las no debate político doméstico, melhor será para a nossa capacidade negociadora no futuro.
A despeito de todas as limitações que o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães tão bem registra, a função de um país, a médio e longo prazos, é procurar sempre superá-las da melhor maneira e não se declarar apequenado e derrotado de antemão ou se sublimar, usando expressão freudiana, assumindo bravatas públicas que não levam a nada.
Acho que foram excelentes as exposições e o debate realizados aqui. Não vou tentar, de forma alguma, resumi-lo. Agradeço aos expositores e debatedores a presença.
Acabo de receber a informação de que o Presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, disse não haver tempo para debates, na medida em que os participantes devem fazer breve intervalo antes da retomada do seminário, às quinze horas, quando terá início o painel que será presidido pelo Ministro Sérgio Amaral e que tratará do tema “Acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem”.
Muito obrigado a todos.