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Painel 2 - Defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual
APRESENTADORA – Iniciamos, neste momento, os trabalhos da sexta sessão do Seminário “O Brasil e a ALCA”, com o tema “Defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual”. O coordenador dos trabalhos será o Exmo. Sr. Embaixador Rubens Ricupero, Secretário-Geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Como expositores, teremos o Dr. José Graça Aranha, a Dra. Lytha Spíndola e o Sr. José Tavares de Araújo. Como debatedores, o Exmo. Deputado Germano Rigotto, o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva e o Dr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida. O relator será o Dr. Benedito Moreira.
Com a palavra o Sr. Embaixador Rubens Ricupero.
RUBENS RICUPERO – Bom dia. Gostaria de fazer um apelo às pessoas no sentido de tomarem assento e fazerem silêncio para que possamos imediatamente iniciar os trabalhos.
Dispomos, infelizmente, de um tempo limitado. Por isso, gostaria que este debate fosse, de fato, o mais objetivo possível, a fim de contribuir com os objetivos do seminário.
Realmente, esta é a melhor maneira de contribuir para a informação da sociedade brasileira sobre esse tema. A melhor maneira de contribuir para o esclarecimento deste tema é justamente não nos perder apenas em discussões genéricas, sobre princípios ou mesmo de cunho ideológico, com uma carga política muito marcada, mas procurarmos identificar os temas da negociação, de que forma eles se encontram neste momento nas negociações, quais as posições que estão em cotejo e quais as idéias construtivas que poderíamos apresentar no sentido de traçar caminhos, saídas para os atuais impasses.
Neste sentido, sinto-me muito honrado em poder dirigir os trabalhos. Tive a oportunidade de ler, com muita atenção, interesse e proveito, os três trabalhos dos expositores. Todos são excelentes trabalhos, que recomendo e acho mesmo indispensáveis. Não sei se houve tempo para que eles fossem lidos antes. De qualquer forma, partirei da premissa – peço aos expositores que me acompanhem – de que o que consta nesses trabalhos já é conhecido da assistência.
Portanto, embora isso, provavelmente, não seja verdade, não há tempo, em um seminário como este, para explicar o que é salvaguarda, antidumping, direito compensatório ou para elucidarmos como evoluiu a propriedade intelectual. Não temos tempo. Para isso, precisaríamos de muito mais tempo e de um esforço pedagógico. Portanto, tem-se que se pressupor que os trabalhos são conhecidos, embora eu saiba que, infelizmente, esta não é a verdade.
Precisamos ter como ponto de partida os trabalhos escritos, que os senhores já possuem, e acrescentar algo que não conste deles. O que é esse algo? De início, necessitamos estabelecer certas prioridades. Esta mesa inclui temas muito variados; embora todos sejam importantes, talvez no contexto da negociação da ALCA não tenham a mesma premência.
Por exemplo, embora eu goste muito de política de concorrência – acabo de participar, em Paris, do Fórum Global de Concorrência –, não creio que este tema, no momento, tenha uma centralidade especial na ALCA, pelas razões que o Sr. José Tavares expõe: poucos países têm leis de concorrência e o que se está propondo é relativamente modesto. Trata-se do esquema de colaboração. Assim, não creio que se deva gastar muito latim com esse tipo assunto.
Ao contrário, há outros temas particularmente importantes. Eu gostaria de realçar sobretudo os temas relacionados à defesa comercial, com grande ênfase em antidumping, com alguma ênfase em direitos compensatórios e menos em salvaguarda. Obviamente, no caso de propriedade intelectual, o problema fundamental agora é tríplice, é a propriedade intelectual e a relação com saúde pública, principalmente.
Nesse sentido, seria importante que os expositores procurassem apresentar o quadro atual das negociações. Eu não as acompanho tão de perto porque, no meu trabalho, cuidamos mais de temas globais do que de regionais. Mas o que tenho ouvido dos meus amigos funcionários do Itamaraty envolvidos com as negociações é que alguns desses temas estão mais avançados do que outros.
Por exemplo, foi-me dito que, em propriedade intelectual, embora americanos e canadenses tenham procurado estimular que se vá nessas negociações além do que já existe nos acordos da OMC, aparentemente, não há muito entusiasmo não só do Brasil, mas dos demais participantes em aceitar esta posição, o que, devo dizer, me parece absolutamente correto, levando-se em conta o argumento que o meu amigo José Alfredo Graça Lima apresentou ontem, em outro debate, no sentido de que qualquer modificação substancial em propriedade intelectual envolve grande mudança das leis nacionais de propriedade intelectual. E mudança de legislação tem de ser erga omnes, precisa ter validade universal. Não se justifica, num acordo de livre-comércio, mudar um tema que é, por essência, multilateral e que, na verdade, se tiver que mudar, é melhor que se faça dentro das negociações multilaterais.
Esta é a posição fundamental. Não vejo razão para que um país como o nosso se mova dessa posição, a não ser que algum argumento especial seja apresentado. Acho que o quadro de uma negociação de livre-comércio não se presta tanto a estas matérias que, na verdade, são estranhas à negociação, estritamente falando em livre-comércio, embora possam ter alguma relação direta ou indireta.
Em relação ao movimento dos grupos, ouço dizer também que a situação inversa emperra em antidumping. Aparentemente, são países como o Brasil ou países latino-americanos que têm procurado promover a mais acentuada discussão desses temas e, aí, tem cabido aos americanos impor certos freios, procurando dizer que, na verdade, tais temas extrapolam o âmbito regional. Se bem que devo dizer que, em Genebra, eles também não estão mostrando nenhuma disposição de discutir o tema. Tanto que têm procurado até excluir a própria expressão na declaração preparatória.
Portanto, no fundo, a posição predominante lá é a que José Tavares cita em seu trabalho. O documento de mais de sessenta senadores, apresentado ao Presidente George W. Bush, diz que os negociadores americanos não devem tocar nas leis que dão aos Estados Unidos instrumentos de defesa comercial.
E aí eu gostaria até de provocar os que vão discutir antidumping, lembrando-lhes de que, no momento, em Genebra, está havendo curiosa evolução: os países em desenvolvimento e outros, sobretudo os asiáticos, que sempre pressionaram para que houvesse significativas negociações na área de antidumping, começam a ter dúvidas quanto a isso, porque nos últimos meses houve uma sucessão de decisões em painéis da OMC, no sistema de solução de controvérsias, quase todas no sentido de limitar muito o arbítrio de autoridades, tanto européias quanto americanas, no uso de instrumentos de antidumping. Uma das mais importantes foi uma recente decisão em caso envolvendo a Índia e a União Européia, mas houve vários casos da União Européia contra os Estados Unidos. E há quem comece a acreditar que talvez o caminho mais promissor, em lugar de negociações diretas, acabe sendo a codificação das decisões do sistema de solução de controvérsia. Essa é uma das questões que quero pleitear, no sentido de saber até que ponto seria melhor insistir em negociações diretas, aqui ou na OMC, ou deixar para as soluções de controvérsia.
No caso de salvaguardas, gostaria apenas de limitar-me a dizer que esse, teoricamente, é um instrumento talvez melhor do que o antidumping, mas tem sido pouco utilizado, dadas as dificuldades de fazer uso das salvaguardas. Dois fatos novos talvez mereçam menção: a recente proposta brasileira no âmbito do MERCOSUL, como contraproposta à idéia argentina de gatilho por causa do regime cambial, e a tendência norte-americana de invocar salvaguardas no caso do aço, atualmente em curso. Então, valeria a pena um comentário. Não o farei porque eu mesmo não tenho tempo e não devo gastar o tempo dos senhores.
Quanto à propriedade intelectual, está havendo problema semelhante ao caso de antidumping. Os países em desenvolvimento que estavam pressionando muito para terem uma declaração sobre a relação entre o acordo tríplice e a saúde pública, sobretudo na questão das importações paralelas e da licença compulsória, começam agora a ter dúvidas, porque hoje a situação se inverteu. Quem está querendo a declaração são os países industrializados. É o caso dos Estados Unidos, da Suíça e de outros. Mas eles querem uma declaração muito detalhada, entrando em extraordinários pormenores legais sobre como e em que condições poderiam utilizar as importações paralelas ou a licença compulsória, o que está levando os demais à dúvida sobre se isso, em vez de garantir a flexibilidade, não vai eliminá-la, e se não seria melhor tentar deixar o acordo como está, porque ele foi baseado naquilo que o antigo presidente do grupo, o Embaixador da Suécia, chamava de ambigüidade construtiva. Não sei até que ponto se pode eliminar essa ambigüidade.
Finalmente, nestas meias palavras de conclusão, reitero pensamento que tenho defendido em alguns artigos meus: acredito muito importante para o Brasil que as negociações em âmbito regional não se façam isoladamente do contexto multilateral.
A primeira razão pela qual sempre fui favorável ao lançamento de uma rodada multilateral é relativa ao fato de que, na condição de brasileiro e de latino-americano, entendo muito inconveniente para nós negociarmos exclusivamente no âmbito regional, pelas razões que os senhores conhecem: um acordo de livre-comércio não é obrigado a cobrir 100% do intercâmbio, basta que seja substancialmente todo o intercâmbio, o que representa 85%, talvez 80%. E o risco é o de que fiquem de fora justamente muitas áreas do nosso interesse, como o aço. Há o antidumping sobre o aço, problemas com o etanol, com o açúcar, com o suco de laranja, proteção ao algodão dos Estados Unidos e outros desse tipo.
Como há grande risco de que a agricultura, os subsídios à exportação agrícola, o antidumping e outros temas desse tipo sejam revestidos com o argumento de que são globais, temos de ter um mínimo de coerência: o que é global deve ser negociado no multilateral; portanto, propriedade intelectual é global e devia ser negociada no âmbito multilateral. Mas temos de fazer todo o possível para que haja uma negociação multilateral e que essa negociação englobe as áreas que, por acaso, sejam excluídas da ALCA. E vou mais longe: deveríamos ter não só uma sincronização, ou seja, que as negociações se dessem ao mesmo tempo, mas também uma sintonia. Isto é, é preciso que, assim que elas terminem, seja possível avaliar se ganhamos multilateralmente o que não ganhamos regionalmente.
É muito importante que se faça esse equilíbrio. E gostaria de ouvir algum comentário nesse sentido.
Portanto, feita esta introdução, gostaria de passar a palavra ao primeiro expositor, o Dr. José Graça Aranha, que disporá de quinze minutos para o seu pronunciamento.
JOSÉ GRAÇA ARANHA – Sr. Embaixador Rubens Ricupero, demais membros da
Mesa, senhoras e senhores, a histórica crença mundial de que a política sempre foi efeito e, por isso, veio a reboque das relações de comércio está sendo hoje em dia revista por meio de profunda reflexão. Não se pode mais acreditar que a política passou a existir para fazer frente às necessidades de negociação nas relações de comércio. Pelo contrário, cada vez mais se fortalece a tese de que a política foi determinante para que o comércio se desenvolvesse e se fortalecesse.
Por isso, em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a Câmara dos Deputados pela realização do Seminário “O Brasil e a ALCA”, que será muito importante para criarmos algumas convicções sobre o nosso papel nas relações comerciais no Hemisfério.
O debate político sobre a ALCA em relação a todos os temas, em especial à seara do INPI, a propriedade industrial, pode ser sintetizado na declaração ministerial de São José: reduzir as distorções no comércio, promover e assegurar adequada e efetiva proteção dos direitos da propriedade intelectual, levando-se em conta as mudanças tecnológicas.
Esse tema – propriedade intelectual – é fundamental para que se crie em nossos países consciência sobre a central importância da pesquisa e do desenvolvimento para o setor produtivo e ainda sobre a importância da interação entre a universidade e o mercado.
É claro para todos nós que o conhecimento, a educação, a qualificação profissional e a inovação tecnológica, bem como sua incorporação ao mundo da produção e da comercialização, são ingredientes para o processo de modernização dos nossos países.
Temos importante papel nesse cenário na condição de especialistas na área da propriedade intelectual. E seminários como este que se realiza hoje, repito, são o nosso melhor instrumento para atingirmos os objetivos traçados em São José.
O desenvolvimento econômico das nações depende cada vez mais do processo de avanço tecnológico e tem no direito da propriedade intelectual o seu mecanismo mais eficaz de proteção. O conhecimento gerado pela informação, as novas formas de sua divulgação importam completa revolução dos sistemas tradicionais de proteção da tecnologia. As fronteiras nacionais desaparecem ao simples toque de um mouse, conectando o computador à rede mundial, potencializando a circulação de ativos por intermédio do mundo virtual, e a custos reduzidos. É grande a transformação que sofre o processo de desenvolvimento tecnológico em face da globalização da economia mundial.
Temos hoje nova ordem econômica, que pode ser resumida para aqueles países que são detentores de tecnologia e conhecimento e aqueles que são importadores. E, nesse contexto, cresce a importância do papel dos institutos de propriedade intelectual. Numa definição simplista, o direito da propriedade intelectual tem como objetivo proteger mecanismos que garantam ao detentor do conhecimento justa retribuição ao esforço de pesquisa e desenvolvimento investido. E é nítido também o seu reconhecimento pelas nações com maior desenvolvimento tecnológico, que fazem grande uso do sistema da propriedade intelectual, como é o caso da Alemanha, dos Estados Unidos e de muitos outros.
Ser detentor da tecnologia obriga a proteção pelo ordenamento jurídico, mas deve-se ter a preocupação de fazê-lo de modo equilibrado, para não dimensionar além do necessário o aspecto temporal de sua propriedade, como também não impor restrições descabidas que acabem por não incentivar os investimentos necessários à pesquisa científica.
A inexistência de adequada proteção poderá acarretar redução de investimento e, como resultado, redução do desenvolvimento tecnológico.
A partir do governo Fernando Henrique Cardoso, em cujo primeiro mandato foi promulgada a nova Lei de Propriedade Industrial no Brasil, depois de amplo debate realizado aqui no Congresso Nacional, procura-se dar ao Instituto de Propriedade Industrial (INPI) condições de se transformar em efetivo agente econômico para a economia nacional e de se capacitar para atender às novas demandas internacionais, principalmente em relação ao acordo tríplice da Organização Mundial do Comércio. Esse acordo tríplice, que, com a criação da OMC, estabeleceu novo patamar na proteção da propriedade industrial e intelectual, estabeleceu regras mínimas que têm de ser respeitadas pelos países-membros, sob pena de esses países sofrerem inclusive retaliações comercias.
Vou fixar-me um pouco mais no caso das patentes pela sua importância na relação entre os países como fator gerador de transferências de tecnologia. Originariamente restrita ao Estado nacional, em decorrência do princípio da territorialidade, a patente adquiriu ao longo do tempo, em certas regiões do mundo, caráter supranacional. Sem dúvida, a patente possibilitou o desenvolvimento tecnológico na medida em que garante ao seu inventor o retorno do investimento feito.
Logo ficou claro que as leis nacionais não eram suficientes para evitar os problemas que passavam a ocorrer. Acordos internacionais vieram suprir essa lacuna. O primeiro pilar desse sistema foi a Convenção de Paris, em 1883, que foi, no campo da propriedade industrial, por mais de cem anos, o único que teve vocação internacional, até que tivemos, em 1995, o estabelecimento da Organização Mundial do Comércio e o acordo tríplice.
Esses acordos, porém, continuam ainda obrigando a concessão de patentes por cada governo, e somente agora na Europa se pensa na proteção unificada para a solidificação do mercado comum. Essa é uma preocupação que certamente também vamos enfrentar no âmbito do MERCOSUL e na ALCA.
Dados dos relatórios e estatísticas anuais do Departamento de Comércio dos Estados Unidos mostram que, em 1947, menos de 10% das exportações americanas eram cobertos pela proteção da propriedade intelectual; em 1986, essa participação cresceu para 37%, e, em 1994, mais de 50% das exportações americanas tinham alguma conexão com a propriedade intelectual.
Nossa abertura econômica tem-se expressado na integração regional, apesar de alguns saltos e sobressaltos, com o objetivo de aumentar nossas relações comerciais e mesmo nossas posições no mercado internacional. Portanto, temos de ter a preocupação de que a proteção dada pelo sistema seja firme e determinada. Temos também de reconhecer que a indústria brasileira ocupa lugar central no conjunto da economia pela irradiação que exerce sobre os demais setores, especialmente na criação e qualificação direta e indireta do emprego, na geração e uso da tecnologia e pela posição crítica do intercâmbio com outras nações em termos de comércio e investimento. Não há desenvolvimento sem indústria.
É importante reconhecer também que, nos últimos anos, o setor privado brasileiro fez grandes progressos em termos de eficiência e de resultados de produtividade. O desenvolvimento se faz hoje no mundo sob uma base tecnológica que evolui rapidamente. Não se trata mais de promover exclusivamente o crescimento sob base tecnológica relativamente estável e amadurecida. Para crescer, a indústria brasileira tem de aplicar tecnologias recentemente geradas nos próprios países desenvolvidos, muitas ainda protegidas por patentes ou outras formas de proteção existentes no campo da propriedade intelectual.
Nesse sentido, temos hoje no INPI, como visão estratégica, a determinação de disseminar a informação tecnológica contida em nossos acervos de documentos e patentes como instrumento para o desenvolvimento tecnológico. A disponibilização dessa informação tecnológica contida nesses documentos e patentes é uma preocupação que temos para que esse setor possa sair de histórico marasmo e servir de apoio à indústria nacional.
O INPI recebe mensalmente cerca de quarenta mil documentos de patentes que têm origem nos países mais desenvolvidos. Temos um acervo de vinte milhões de documentos e patentes que divulga com exclusividade tudo o que foi inventado, tudo o que foi publicado sobre tecnologia de 1920 até hoje e que serve de base às análises sobre a novidade desses eventos. Mas pode, sobretudo, funcionar como poderoso instrumento de informação. Já fizemos vários estudos. Um dos mais recentes foi solicitado pelo Ministério da Saúde, em que o INPI fez um levantamento para saber o estado da técnica com relação aos medicamentos para o tratamento da AIDS. O estudo foi enviado ao Ministério da Saúde, que o transmitiu aos laboratórios oficiais para que estes pudessem fazer alguns daqueles medicamentos que compõem o coquetel de tratamento da AIDS. Fizemos também um estudo para a Petrobras, quando ocorreu um grande vazamento. Esse estudo indicava o que existia em matéria de patentes no controle e na proteção do meio ambiente.
Mais recentemente, na semana passada, enviamos ao Ministro Sérgio Amaral, com a sugestão de que o enviasse ao Ministro José Serra, estudo sobre o Antraz, contendo todas as patentes relativas a vacinas e antibióticos existentes sobre a matéria. Para a nossa surpresa, constatamos que as duas primeiras patentes nessa área eram brasileiras, datadas de 1906, feitas ainda no Instituto Oswaldo Cruz, hoje Fundação Oswaldo Cruz, por dois cientistas brasileiros, e era um tratamento para uso veterinário.
Ainda nessa parte, estamos participando ativamente dos fóruns de competitividade do governo, que têm como meta dar apoio ao trabalho de capacitação das nossas empresas.
Temos claras no INPI nossas obrigações de proteção, conscientização e capacitação de propriedade industrial. Sabemos que temos esse limite. Sabemos que somos a ponta de um processo em que outros agentes estão, salvo raras exceções, ainda não muito conscientes dessa importância. Isso nos incomoda.
Creio que o governo tem despertado para o fato de que, apenas com crescimento tecnológico, as empresas brasileiras poderão aumentar sua produtividade. E cresce a preocupação de criar política de inovação tecnológica no Brasil como forma de melhorar essa competitividade.
Acrescentaria que também precisamos, paralelamente, fortalecer essa consciência sobre a propriedade industrial, ter política, diretriz, rumo.
O INPI está se preparando para atender a essa demanda. Temos de encontrar respostas para o futuro, respostas para o projeto que temos de modernização da instituição, um projeto que, na realidade, não é apenas desta administração, mas dos usuários do INPI. Temos de encontrar respostas para o trabalho de conscientização sobre a importância do sistema da propriedade intelectual para o desenvolvimento econômico – uma importância que transcende o dever simplesmente de conceber privilégios e proteger direitos, ou seja, de conceder patentes e registrar marcas.
Os direitos da propriedade intelectual – refiro-me ao ideal, não ao que hoje é o real – devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e disseminação do conhecimento. Essa, inclusive, é a essência do art. 7o do Acordo Tríplice, que já mencionei, referência obrigatória nas relações de comércio e que me tem pautado quando defendo que o sistema da propriedade intelectual deve cumprir sua função social.
Foi com satisfação que ouvi ontem o Sr. Clemens Boonekamp, representante da OMC, defender a necessidade de maior flexibilização do Acordo Tríplice, em especial no que se refere à proteção patentária e ao acesso dos povos ao medicamento. Essa, aliás, sempre foi a posição do governo brasileiro na questão de patentes. A normativa internacional deve levar em conta os problemas econômicos e sociais dos países, como bem lembrou ontem o Ministro José Serra ao se referir à declaração feita pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso na recente reunião de Québec.
Essa preocupação, tão presente nesta Casa, fez-nos, desde o primeiro momento, criar a convicção de que o INPI, como executor da política governamental para a propriedade industrial no País, precisava ir além de suas complexas atividades, quase cartoriais, apesar de importantes.
A sociedade, o governo, o Congresso Nacional e, em especial, o setor produtivo precisam estar conscientes da importância do sistema da propriedade intelectual para o nosso país, de pronto, evitando que o INPI seja entrave ao desenvolvimento. Sendo entrave, o INPI pode se transformar em gargalo para o ingresso de tecnologia estrangeira, inibir investimentos e causar sérios danos à imagem do Brasil. E a preocupação com o futuro do INPI deve ser constante. Aliás, o fato de estarmos aqui hoje mostra que a Câmara dos Deputados tem essa preocupação.
Precisamos encontrar respostas. São esses problemas que desejamos evitar, são essas as respostas que devemos dar – as respostas a que me referi anteriormente –, que para nós, no INPI, significam funcionar bem, atender com rapidez e qualidade. É essa nossa obrigação, o sentido de parte do dever cumprido. Ainda há, obviamente, muito o que fazer.
Apresentarei rapidamente alguns dados importantes, que resumirei nos indicadores das áreas-fim da instituição.
Na área de patentes, até 1998, decidíamos quatro mil e quinhentos processos por ano; em 2000, decidimos vinte mil processos; em 2001, decidiremos vinte e quatro mil. Na área de marketing, decidíamos cinco mil casos ao mês; atualmente estamos decidindo vinte mil. Automatizamos o INPI. A partir de janeiro próximo, todos os processos e petições que entrarem terão o controle eletrônico.
No momento em que o esforço exportador brasileiro é quase unanimidade, não podemos perder de vista esses objetivos. Com esse espírito, devemos participar dos debates sobre as normas da propriedade intelectual, que serão cristalizadas nos acordos no âmbito da ALCA.
Muito obrigado.
RUBENS RICUPERO – Agradeço ao Dr. José Graça Aranha, a quem peço desculpas por ter esquecido de fazer sua apresentação. S. Sa. é Presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
No debate, seguramente, voltaremos ao tema. E, então, gostaria de ouvir a opinião de S. Sa. e dos demais participantes sobre alguns aspectos da proposta concreta americana, que, se não me equivoco, foi formalizada em dezembro do ano passado, no âmbito da ALCA. Essa proposta tem alguns pontos relevantes. Por exemplo, ela abandona a exclusão da patenteabilidade de animais e de plantas, de organismos vivos.
Portanto, é uma proposta que pretende ir além do Tríplice, tal como é atualmente, porque pretende tornar possível a patenteabilidade de plantas e de animais. Isso nos interessaria no âmbito regional? A proposta também, por exemplo, inclui muitas medidas adotadas na legislação americana e que acabam redundando na prorrogação do prazo de validade das patentes, ao permitir que, a cada vez que se conteste a expiração de uma patente, durante um prazo de três anos ou mais, se não me equivoco, ela continue em vigor. Temos interesse em ampliar o prazo de validade da patente dessa forma?
Portanto, em algum momento, seria bom também ouvirmos algo sobre o que está na mesa de negociação, embora, aparentemente, pelo que ouço, não tenha havido até agora grande avanço nessa matéria.
Passo agora a palavra à Dra. Lytha Spíndola, Secretária de Comércio Exterior, que falará justamente sobre a defesa comercial do Brasil.
Seria interessante se pudéssemos ter enfoque bem preciso em relação ao que está sendo discutido no âmbito da ALCA, à luz dos interesses brasileiros, tanto como exportador, como país que sofre o uso ou o abuso dos instrumentos de defesa comercial em outros países, quanto como importador, condição em que também precisa se defender, às vezes, em certos setores.
Tem a palavra a Dra. Lytha Spíndola.
LYTHA SPÍNDOLA – Muito obrigada. Sr. Embaixador, Srs. Deputados, demais membros da Mesa, senhoras e senhores, boa tarde a todos.
Temos em discussão tema muito instigante: defesa comercial. Trata-se de tema novo no Brasil e muito novo também para todos nós que nos dedicamos ao estudo do comércio exterior.
Nesse sentido, as provocações que o Embaixador fez ao início foram muito importantes. Deparamo-nos hoje com uma discussão sobre salvaguardas da Argentina.
O Embaixador Botafogo encontra-se hoje em Montevidéu, discutindo essa matéria no âmbito do MERCOSUL. A partir de amanhã, estarei com eles em Buenos Aires, para discutirmos o tratamento a ser dado a essa matéria de natureza comercial bilateral com relação à Argentina, seu escopo e alcance. Obviamente, depois das discussões bilaterais, isso deverá ser discutido no âmbito do MERCOSUL. Ainda não temos grandes definições a respeito. A matéria está na ordem do dia.
Pois bem. Trazer salvaguarda à discussão e às manchetes dos jornais provoca na sociedade o questionamento acerca da importância da defesa comercial em matéria de livre-comércio no âmbito da ALCA e da OMC. O Embaixador nos provocou, dizendo que é um tema global. Talvez a discussão devesse ser feita preferencialmente na OMC. Contudo, nós, que estamos negociando um pacote completo, um single undertaking em termos de ALCA – e o Embaixador Graça Lima está presente –, temos de colocar esse tema na agenda, até porque o uso discricionário que os países mais desenvolvidos fazem desse instrumento nos preocupa bastante. Portanto, temos de colocar alguma disciplina nessa matéria.
Entendo que o Embaixador falava de um paralelismo na condução dessas discussões e que, nelas, o equilíbrio é fundamental. Só para mencionar um exemplo rápido, o Brasil, há poucos meses, perdeu discussão no Tribunal Arbitral do MERCOSUL em relação à exportação de carne de frango para a Argentina, exatamente porque não haviam sido internalizadas as regras de defesa comercial no âmbito do MERCOSUL.
Esse contencioso vai agora para a OMC. O Brasil, enfim, faz seu recurso à OMC com relação à matéria. É importante para o MERCOSUL, para a ALCA, e é importante também no aspecto multilateral. Felizmente, o Brasil tem dado atenção crescente a essa matéria.
Hoje, à tarde, se não me engano, a professora Vera Thorstensen vai falar aqui a respeito da pesquisa que fez na OMC sobre essa matéria. As conclusões que já me antecipou são fantásticas. Não vou falar nada para não lhe tirar a oportunidade de fazê-lo, mas sugiro a quem tiver interesse em defesa comercial que assista à palestra que ela fará à tarde a esse respeito.
Defesa comercial serve e tem sido utilizada pelos países mais desenvolvidos para bloquear produtos, que, no nosso caso, são competitivos. De fato, temos enorme competitividade em alguns segmentos, como o da agricultura e algumas commodities básicas. Podemos ver nas cópias do nosso trabalho que são exatamente esses os produtos que enfrentam barreiras nos países mais desenvolvidos. São aqueles em que, se o comércio fosse livre, teríamos um espaço a ocupar muito maior do que o que ocupamos hoje. Não só os subsídios agrícolas, as políticas de apoio e proteção ao produtor, ao exportador local, inibem as exportações brasileiras, mas também a utilização arbitrária de instrumentos de defesa comercial.
Portanto, o Brasil, nessa matéria, não pode ter atitude diferente. Os países desenvolvidos são extremamente agressivos, e nós também temos de fazer uso desse instrumento para proteger o produtor brasileiro e para defendê-lo nos contenciosos abertos por terceiros países.
Em relação a isso, fico muito feliz em dizer que, apesar de termos um grupo muito pequeno no Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior, ele é muito competente e tem realizado trabalho à altura das necessidades do País.
Farei um rápido resumo dos principais pontos das anotações que estão com os senhores, para mostrar a importância do trabalho que tem sido desenvolvido em matéria de defesa comercial no Brasil, em especial nos últimos sete anos, porque, de fato, criamos o Departamento de Defesa Comercial nos idos de 1994.
A abertura comercial brasileira se fez baseada em três linhas de política: redução tarifária, eliminação dos controles administrativos e desregulamentação das operações de comércio exterior. Como ocorre nas economias que praticam livre-comércio, o Brasil se preparou para agir com rapidez e eficiência, para que as nossas exportações não sofressem restrições por mediações protecionistas, ou que as nossas importações incorporassem práticas desleais de comércio, que prejudicassem o parque industrial nacional. governo
A consolidação da abertura comercial exigiu, portanto, que o dedicasse atenção prioritária ao setor de defesa comercial, aparelhando-o para combate às práticas desleais de comércio. Foi nesse contexto que o Brasil aperfeiçoou seu sistema. Os acordos antidumping, de subsídios e medidas compensatórias e de salvaguarda fazem parte das normas da OMC, às quais o Brasil aderiu formalmente, no final de 1994.
As práticas de dumping e subsídios são consideradas desleais. Assim, a reação a esse tipo de comércio constitui-se legítima defesa. A imposição de direitos antidumping ou compensatórios atinge somente o transgressor, e seu objetivo é o de neutralizar o dano que a produção doméstica sofre por conta desses artifícios.
A salvaguarda, por sua vez, busca atenuar o custo de ajustamento das indústrias nacionais diante de surtos de importação que desestruturem o mercado interno. Na medida em que o setor beneficiado assuma o compromisso de reestruturação competitiva e seja dada a compensação aos parceiros comerciais prejudicados que a solicitarem, pode-se temporariamente restringir tais importações.
Em todos os casos de matéria de defesa comercial, é realizada ampla investigação, com a participação de todas as partes interessadas, em que dados e informações são conferidos e opiniões são confrontadas, para que se possa impor um direito antidumping ou compensatório ou aplicar uma salvaguarda. Nos casos de práticas desleais de comércio, a investigação deve comprovar a existência de dumping ou de subsídio, de dano à produção doméstica e de nexo causal entre ambos. Para utilização da salvaguarda, deve-se constatar prejuízo grave causado por importações crescentes.
Independentemente do tipo de investigação, as conclusões devem constar de parecer.
Todos os procedimentos previstos pelas normas da OMC devem ser observados, e as decisões devem ser levadas ao conhecimento público, por intermédio de ato editado no Diário Oficial da União.
O país que aplica a medida, caso questionado internacionalmente, terá de aceitar pedidos de consulta e, eventualmente, defender a sua posição em penas aplicadas pela OMC.
O Brasil, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e na União Européia, adota a prática de realizar verificações in loco sempre que necessário, tanto interna quanto externamente, para aferir a veracidade das informações prestadas pelas partes interessadas durante o processo, de forma a proporcionar maior consistência de investigações e a seus resultados. Todas essas demandas exigem trabalho sofisticado e eficiente.
O Departamento de Defesa Comercial (DECOM), além de conduzir as investigações contra práticas desleais de salvaguardas e elaborar os respectivos pareceres, defende também os nossos exportadores sujeitos a esses mesmos tipos de processos no exterior.
Essa última tarefa está relacionada à vertente das exportações e, hoje, passa a ter importância fundamental diante da ameaça do aparecimento de nova onda protecionista, agravada pelo recurso, muitas vezes arbitrário, por parte dos países desenvolvidos. Como mencionamos, há medidas de defesa comercial, como barreiras ao comércio.
Para o Brasil, é vital ampliar suas exportações. E o papel da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, nessa área, é o de impedir que restrições protecionistas reduzam nossas vendas externas, especialmente aquelas já tradicionais, dos principais produtos da nossa pauta, exatamente aqueles em que somos mais competitivos.
O apoio ao exportador sujeito a um processo no exterior começa pela orientação sobre a legislação internacional de defesa comercial, passa pelo exame dos procedimentos que estão sendo contra ele adotados, continua na estruturação de sua defesa e se conclui na formação de posicionamento do governo para contestação na OMC, caso tenha havido desrespeito a normas ou procedimentos.
Para esse mister, a Secretaria de Comércio Exterior trabalha de forma cooperativa, integrada com a Câmara de Comércio Exterior e, em particular, com o Ministério das Relações Exteriores.
Hoje em dia, a competência para decisões a respeito de defesa comercial é da Câmara de Comércio Exterior. A ela cabe fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios; homologar compromisso de preços e definir diretrizes para a aplicação das receitas oriundas da cobrança dos direitos antidumping e compensatórios.
Como os senhores sabem, a Câmara de Comércio Exterior é composta por seis Ministros.
Compete à Secretaria de Comércio Exterior – à nossa área especificamente – a abertura de investigação e o início do processo de revisão do direito definitivo ou de compromisso de preços.
As decisões finais são tomadas com base em parecer formulado pelo DECOM.
A nossa área tem tido todo o empenho para que a defesa comercial tenha como contrapartida a participação ativa dos empresários, os principais beneficiários dessas medidas de interesse nacional. As dificuldades para lidar com a matéria vêm sendo superadas mediante trabalho conjunto e cooperativo em que ambas as partes atuam com determinação e profissionalismo. E os empresários precisam ter pleno conhecimento dos instrumentos disponíveis, para que se tornem parceiros permanentes no aprimoramento de sua aplicação.
Os números também atestam a crescente credibilidade do sistema de defesa comercial brasileiro. Foram recebidas, no período de 1995 até outubro de 2001, utilizando-se o critério par produto/país, cento e vinte e cinco novas petições, das quais cento e uma resultaram em abertura de investigação, o que representa cerca de 81% de sucesso para o peticionário nacional.
Relativamente aos encerramentos de investigação, as estatísticas também apontam considerável evolução no mesmo período: 65% das investigações foram encerradas com a aplicação de direitos.
Esses resultados são compatíveis com os dos principais aplicadores do mecanismo antidumping no mundo, em especial com os Estados Unidos e União Européia.
Das cinqüenta e uma medidas definitivas atualmente em vigor, onze referem-se a exportações chinesas para o Brasil, cinco dos Estados Unidos, três da África do Sul, da França e do México, uma cada um, para mencionar apenas as de maior freqüência.
Levando-se em conta as investigações abertas e ainda não encerradas, estão em curso, no momento, quinze investigações. Esses números e fatos conhecidos deixam ver apenas a parte do caminho já percorrida. Investigações solicitadas e ainda não abertas, em fase de exame técnico, são de natureza ainda sigilosa.
Com relação à atribuição de apoiar o exportador brasileiro sujeito a investigações no exterior, a Secretaria já coordenou a elaboração de quarenta e dois processos, dando suporte ao empresariado nacional e a outros órgãos envolvidos.
De acordo com dados da OMC e de outras fontes, cinqüenta e uma investigações foram abertas contra o Brasil e encontram-se em curso quinze investigações. O principal aplicador de medidas de defesa contra o Brasil são os Estados Unidos (dezenove direitos em vigor e duas investigações em curso), seguindo-se a Argentina (dez direitos em vigor e oito investigações em curso) e o México (nove direitos em vigor e uma investigação em curso).
A maior competição internacional decorrente da ampliação dos fluxos de comércio certamente acirrará as disputas comerciais, e a tendência é a de que haja incremento no uso dos instrumentos de defesa comercial.
No âmbito da ALCA, a SECEX participa dos dois grandes grupos de negociação sobre a matéria defesa comercial.
Colaboramos também na formulação da posição brasileira no âmbito do MERCOSUL.
Para concluir, gostaria de realçar que esse trabalho tem sido feito por grupos técnicos. Várias reuniões foram realizadas em todos os âmbitos. E reputamos essa matéria prioritária no contexto das negociações internacionais. Gostaria também de realçar também que o Brasil tem buscado prosseguir com determinação em trabalho que visa ampliar, consolidar e aperfeiçoar o relacionamento comercial entre os países do Hemisfério e as regras de defesa comercial no âmbito de todas essas negociações.
Estou certa de que o aprofundamento e a intensificação de nossas relações comerciais nos exigirão cada vez mais eficiência e agressividade na defesa dos interesses brasileiros, porque outros países fazem isso, tanto nos foros regionais quanto nos multilaterais. Também estou certa de que, nessa matéria, o Brasil está no rumo certo.
Muito obrigada.
RUBENS RICUPERO – Agradeço muito à Sra. Lytha Spíndola as suas palavras.
Quero saudar a presença do Presidente da Câmara dos Deputados, meu particular e querido amigo Deputado Aécio Neves.
Antes de passar a palavra ao Sr. José Tavares de Araújo, registro que S. Sa. é um dos estudiosos mais sérios em matéria de comércio em geral e de tudo o que se relaciona à legislação e às políticas comerciais. O trabalho que mandou contém pontos muito interessantes. E, à guisa de provocação, quero salientar um dos aspectos que me surpreenderam – e não vai nessa surpresa nenhuma crítica, porque realmente a surpresa a que me refiro está no sentido descrito no dicionário,
Para mim, foi inesperado.
S. Sa. diz, na página sete, quando discute qual poderia ser a conduta do governo brasileiro na etapa de negociações sobre antidumping na ALCA, que ela será influenciada por três fatores: primeiro, pela possibilidade de explorar as fragilidades da posição americana, as divisões que há nos Estados Unidos; segundo, por uma eventual aliança nossa com outros países interessados em mudar as regras atuais de antidumping. E, finalmente, o último ponto, que é muito importante e, acredito, talvez devesse ser o central do nosso debate, por uma avaliação substantiva dos interesses brasileiros envolvidos na negociação, em concreto, caso a caso. Em relação ao último ponto, ressalta ser importante lembrar, por exemplo, que, segundo o estudo que cita, de 1996 – e aí a minha surpresa –, o resultado líquido das investigações iniciadas pelos Estados Unidos contra o Brasil, no período de 1980 a 1988, implicou ganhos positivos para os exportadores brasileiros. Diz ainda que um outro estudo sobre o caso do suco de laranja não desmente esses resultados.
Confesso que isso me surpreendeu. Pode até parecer um pouco paradoxal, porque poderia dar a entender que o nosso interesse seria até o de que nos aplicassem mais instrumentos de defesa comercial de antidumping.
Como disse, realmente aprendo sempre muito com os trabalhos do Sr. José Tavares e tenho certeza de que deve haver bons argumentos nesse caso. Aproveitaria assim para fazer uma indagação: nessas negociações, já que todos concordamos que vale a pena negociar, não só no multilateral, na OMC e, se os americanos aceitarem, no âmbito regional, o que seria realista obter? Por exemplo, pelo que ouço dizer, até agora não houve sinais de que haja disposição de conceder na possível ALCA o mesmo tratamento que o NAFTA dá ao México em matéria de procedimentos, etc. Seria impossível tentar pelo menos que, no âmbito regional, houvesse o mesmo tipo de regra de procedimento que há para o México?
Tem a palavra o Sr. José Tavares de Araújo.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO – Muito obrigado, Embaixador Ricupero, meu amigo.
Antes de responder às indagações de V. Exa., quero agradecer sinceramente pela honra de poder estar presente a este seminário. Agradeço ao Deputado Marcos Cintra o convite e registro, de público, a minha impressão e minha surpresa ante a competência com que este seminário foi preparado, no meu caso em particular, nos cuidados que tiveram com detalhes de passagem, envio de programa, etc.
Quero também cumprimentar ao Deputado Aécio Neves por essa importante iniciativa, a primeira que acontece no Hemisfério. Nos últimos anos tem havido seminários sobre ALCA por toda a parte. Eu vou a quase uma por mês, por dever de ofício, mas é a primeira vez que se tem um seminário, um congresso com participação como esta. Então, esse é um dado inovador.
Eu havia preparado um texto chamado Antidumping e política de concorrência na ALCA e no MERCOSUL e pretendia, originalmente, lê-lo, mas ontem já havia decidido mudar a orientação. Minha intenção inicial era a de concentrar-me no tema política de concorrência, que, como foi dito com razão, não é premente, mas é tema fundamental para a ALCA. Mas o antidumping me persegue há quinze anos.
De 1985 a 1988, no governo Sarney, fui Secretário de Política Aduaneira. Quando fui para lá – e está aqui a Rosária, que pode dar o seu testemunho e que me ajudou em tudo o que fiz ou tentei fazer –, estava decidido desde o primeiro dia a fazer a reforma da tarifa para preparar a abertura comercial brasileira. Sabia que, para a abertura, primeiramente, deveríamos preparar uma legislação antidumping, votada em 1987. Saí da CPA no começo de 1988, ano em que foi realizada a reforma tarifária. E saí com um certo gosto amargo, devido ao fato de que passei três anos tentando promover uma abertura, e o único trabalho que levei ao fim foi a criação de mais um instrumento de proteção. Voltarei a falar sobre esse ponto em seguida.
Infelizmente não poderei tecer maiores comentários sobre a política de concorrência, mas considero o tema fundamental para a ALCA.
Conforme chamou-nos a atenção o representante da CUT, no painel anterior, a ALCA é essencialmente um instrumento de fixação de regras, em trinta e quatro países. E a regra fundamental é a que diz respeito à defesa da concorrência. Uma área de livre-comércio, como qualquer outro processo de integração, só existe na prática quando há condições similares de concorrência nos mercados domésticos dos países que dela fazem parte. Esse ponto é importante e será outro aspecto que comentarei antes de entrar no velho tema de antidumping.
Pelas discussões de ontem e um pouco pelas de hoje, tem-se a impressão de que a ALCA é algo que estará pronto em 2005. Isso é um grande equívoco. A ALCA é fundamental, mas é algo a muito longo prazo. A importância da ALCA está para as Américas como o GATT esteve para as economias industrializadas em 1947. O Acordo do GATT permitiu a liberalização comercial entre os países industrializados, mas o processo levou trinta anos. A ALCA não levará menos de quarenta anos para estar minimamente funcionando. Não digo que ela não seja importante. Estou apenas querendo chamar a atenção dos senhores, porque haverá tempo para fazer tudo o que foi dito hoje de manhã, ou seja, de nos preparar.
Se não fizermos o dever de casa, a culpa será nossa, não da ALCA. E se não fizermos, a ALCA não existirá, o que é outro ponto importante. Se o Brasil não participar da ALCA, ela não existirá. Haverá outros esquemas de integração.
Deixarei de tratar o tema de política de concorrência, em que se concentrarão os problemas do século XXI, como demonstrou a mesa anterior. São alguns temas relativos às regulações domésticas, aos serviços, às normas de meio ambiente, à questão das condições de trabalho, etc. Tudo isso, no final, tem a ver com a questão de política de concorrência, porque a autoridade de concorrência, numa economia moderna, tal como já acontece no Brasil e na Argentina, é o regulador de última instância da economia. E política de concorrência é um dos temas que também me encanta, porque é uma área em que o MERCOSUL está adiantado em relação à ALCA, e assim ficará durante muito tempo, não obstante todos os problemas do
MERCOSUL.
Voltemos ao tema de antidumping, que tanto me persegue. No momento, estou trabalhando em três projetos sobre antidumping. Estou fazendo um trabalho para a CEPAL, outro para o CEBRI e outro, com Honório Kume e Guida Piani, para o IPEA. Estou sempre fugindo do tema, mas ele me persegue.
Antidumping é um instrumento típico de proteção de economias abertas. Até 1970, ele não existia. Entre 1970 e o final dos anos oitenta, só a União Européia, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália usavam-no. Na década de noventa, o Brasil, a Argentina, a África do Sul, a Coréia, a Índia e o México passaram a ser usuários importantes desse instrumento. As economias pequenas e os países pobres não usam esse instrumento. Como, aliás, é típico na situação da ALCA.
Há um quadro no meu trabalho que mostra que o problema de antidumping afeta fundamentalmente os interesses do Brasil, da Argentina, do Canadá, do México e dos Estados Unidos. Esses são os parceiros.
O antidumping tem uma peculiaridade muito interessante: é um instrumento de proteção desenhado para funcionar bem numa economia aberta, por duas razões fundamentais. Primeiro, ele tem dupla seletividade. É seletivo no plano doméstico, porque está focalizado apenas naqueles produtos com os quais o País tem problemas de competição no exterior; e é seletivo em relação ao resto do mundo. É uma medida de proteção que afeta alguns exportadores no resto do mundo, mas não todos, e que não gerou, pelo menos até agora, escaladas protecionistas. Dessa forma, a economia continua aberta.
Todos os países que usam o antidumping dizem: “Uso por razões específicas, mas minha economia continua aberta à competição internacional”. Só há essas pequenas exceções, o que é verdade.
Há outra peculiaridade. E aqui vou ter de fazer uma pequena correção no que foi dito pela Dra. Lytha Spíndola. S. Sa. disse que 65% de nossas investigações vão até o fim com determinação positiva. Essa é uma diferença do Brasil em relação aos Estados Unidos e à Europa. Nos Estados Unidos e na Europa, a maioria das investigações não chega ao fim. Nesse ponto é que verificamos a segunda grande peculiaridade do antidumping: as ações não chegam ao fim porque, no meio do caminho, alguma coisa acontece. Ou há acordo de preço, o que a legislação permite; ou acordo de restrição voluntária de exportações; ou, como fazem freqüentemente os japoneses, quem está sofrendo a ação investe em outro país.
Abro um parêntese telegráfico: o Japão, entre os países da OMC – antes de a China entrar –, era o que mais recebia ações antidumping. E ele não aplica e não reclama. Há algo esquisito nesse aspecto.
RUBENS RICUPERO – Reclamar não, porque eles são os grandes propositores da negociação.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO – Ao iniciar uma ação antidumping, os exportadores têm uma série de alternativas que, ao final, lhes permite compartilhar rendas de proteção com a indústria doméstica. O resultado disso é que, no agregado, alguns exportadores podem perder com o mercado e realmente serem prejudicados pelas ações antidumping. Existe uma grande literatura, um dos melhores trabalhos produzidos pela própria ITC dos Estados Unidos – posteriormente voltarei a esse ponto –, que diz que a única coisa certa em relação ao antidumping é que quem perde ao final é o consumidor do país que está tomando a ação, embora isso não seja necessariamente irracional do ponto de vista daquele país. Como é um instrumento de proteção seletiva e temporária, isso pode fazer sentido.
Meu tempo está se esgotando. Abordarei rapidamente o tema fundamental da discussão de antidumping dentro da ALCA, que é o embate com a posição americana, que não deseja mudar. Antes de entrar no assunto, lembro aos senhores que não estou dizendo que o antidumping é necessariamente positivo para a exportação brasileira. Estou dizendo que ele não é necessariamente negativo. Por isso é importante, como mostrei, fazer uma avaliação substantiva de como essas ações estão afetando as nossas indústrias exportadoras.
É importante notar que, não obstante a posição rígida do governo em não querer negociar antidumping na ALCA e muito menos na OMC, internamente existe amplo debate sobre antidumping nos Estados Unidos, em que podemos caracterizar pelo menos quatro posições – três posições, além da posição oficial de não se mexer em nada. Em uma posição oposta à oficial está a maioria da comunidade acadêmica americana – economistas e profissionais que lidam na área de antidumping, que seriam a favor da abolição unilateral de antidumping por parte dos Estados Unidos. Eles acham que os Estados Unidos deveriam ser igual ao Japão: só receber e não aplicar. Essa posição, embora seja majoritária entre os economistas e os acadêmicos, não tem obviamente o menor IBOPE.
Existem duas outras posições, apoiadas por pessoas influentes, como Alan Greenspan e outros, que são mais intermediárias. Alan Greenspan, por exemplo, está dentro daquela corrente muito importante que quer restringir a ação do antidumping para os casos de efetiva prática desleal de comércio, que deveria ser utilizada enquanto não houvesse um marco multilateral para tratar de questões de concorrência.
Outra posição igualmente influente nos Estados Unidos é a do Cato Institute, um centro, um think tank superconservador, mas que é muito influente na atual administração americana. O Cato Institute diz que os Estados Unidos têm de mudar a posição, porque até agora só estamos olhando para o lado interno, para as indústrias que estão protegidas contra antidumping. Temos de ver que os outros países da ALCA estão utilizando mais ações antidumping contra os Estados Unidos. Temos de olhar os interesses dos nossos exportadores.
É um diálogo um pouco de surdo. E no meio de tudo isso existe uma instituição fundamental, que decorre muito da rigidez da posição americana. É a Internacional Trade Commission.
A Internacional Trade Commission foi fundada em 1916. É uma comissão que tem seis conselheiros: três democratas, três republicanos. Cada um deles tem mandato de nove anos, não renovável, e a cada dezoito meses um novo conselheiro é nomeado.
A ITC assessora o Presidente, assessora o USR e o Congresso em todos os temas relativos à política comercial, mas o seu estatuto não participa de negociações internacionais.
Eu gostaria de me estender mais sobre a forma de enfrentar esse negócio. Quero chamar a atenção para um último detalhe. Alguns dos melhores trabalhos sobre o impacto das ações antidumping e sobre a economia americana foram feitos por técnicos da Internacional Trade
Commission. O resultado desses trabalhos mostra aquilo que a Academia Americana e o resto do mundo estão cansados de mostrar, ou seja, que o custo que o consumidor americano paga pelas ações antidumping é muito maior do que os benefícios recebidos pela indústria protegida.
Acontece que isso dá, em média, três bilhões de dólares para a economia americana, o que é peanuts; e eles são distribuídos pelo conjunto da sociedade. Então, eles estão absolutamente conscientes do que estão fazendo. Alguns dos trabalhos já foram feitos há vários anos, foram renovados, e a ITC não muda de posição.
São esses os dados que temos para negociar. A posição americana, formalmente, é muito sólida. Há esse manifesto a que o Embaixador Rubens Ricupero se referiu, que está no meu trabalho, mas essa posição não é fácil de ser sustentada domesticamente.
Na próxima terça-feira haverá um seminário no Cato Institute, em Washington, do qual vou participar. As quatro correntes que mencionei estarão presentes, discutindo a questão do antidumping.
Então, é uma posição aparentemente inamovível, mas domesticamente a coisa não é tão sólida quanto parece. Há outras fragilidades, mas infelizmente o tempo não me permite mencioná-las.
RUBENS RICUPERO – Agradeço ao Sr. José Tavares de Araújo a exposição. Passo a palavra ao primeiro debatedor, Deputado Germano Rigotto, que disporá de sete minutos.
GERMANO RIGOTTO – Cumprimento o Sr. Embaixador Rubens Ricupero, os nossos expositores Lytha Spíndola, José Tavares de Araújo, José Graça Aranha, como também os meus companheiros debatedores Carlos Eduardo Lins da Silva e Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
Quero dizer que a realização deste seminário, “O Brasil e A ALCA”, se deve a uma decisão do Presidente Aécio Neves, que felizmente está na mesa neste momento.
Este encontro é muito importante, e até mesmo as discordâncias que estão aparecendo – como a minha, que é frontal em relação ao que foi dito pelo Dr. José Tavares de Araújo.
Acho que a ALCA não pode mais ficar restrita aos nossos negociadores e a decisões de gabinete. A discussão sobre a ALCA, definitivamente, tem de envolver a sociedade como um todo, assim como as decisões que serão tomadas. Inclusive a de estarmos ou não inseridos na ALCA, que vai passar por este Congresso, talvez no final de 2005.
A minha discordância em relação ao que foi mencionado pelo Dr. José Tavares de Araújo é a seguinte: se acreditarmos que vamos ter quarenta anos para a implantação da ALCA, poderemos ser atropelados por decisões que serão tomadas em três, quatro anos.
Na verdade, a implantação total da Área de Livre-Comércio das Américas será feita em etapas. Mas temos de vencer algumas etapas imediatamente. E o prazo está aí: final de 2005. O Congresso brasileiro e os dos trinta e três países que comporão a ALCA terão de decidir se haverá ou não integração do bloco hemisférico. Daí a decisão do Presidente Aécio Neves de realizar este encontro.
Quero dizer ao Presidente Aécio Neves que já houve decisões da Câmara dos Deputados no sentido de se envolver mais nessa discussão da ALCA. Por exemplo, de 1998 a 1999, presidi uma Comissão Especial – inclusive ali fora o pessoal do Arquivo fez uma exposição do trabalho realizado naquele período – em que o Congresso começou a se envolver mais efetivamente nesse debate.
Mas, por decisão de V. Exa., temos um seminário que não termina aqui, pois vão ocorrer outros eventos nesses próximos meses e nos três próximos anos. Um deles é o grande encontro – já decidido por V. Exa. – em Brasília, no Congresso Nacional, dos trinta e quatro presidentes... Perdão, não são trinta e quatro, mas trinta e cinco, pois Cuba tem de estar presente. É um absurdo que Cuba não faça parte do debate da Área de Livre-Comércio das Américas. Temos de entender a necessidade daquele país fazer parte, sim, do processo de negociação. Quero dizer que esse encontro dos trinta e cinco presidentes dos parlamentos das Américas vai ser muito importante para continuarmos a tomar posição em relação ao assunto e a envolver a sociedade nesse debate.
Hoje, muita coisa foi dita aqui. Falou-se sobre a importância da defesa comercial. O que acontece com subsídios e com a legislação americana antidumping, por exemplo, não tem nada a ver com defesa comercial. É barreira protecionista pura e simplesmente. Se os Estados Unidos são os maiores defensores da Área de Livre-Comércio das Américas, temos de compreender e colocar na mesa que poderemos, sim, aceitar o Brasil integrado à ALCA, desde que os Estados Unidos, antes de qualquer coisa, aceitem colocar na mesa de discussão essas barreiras protecionistas que impedem a entrada dos nossos produtos.
Quero dizer, Dr. José Tavares de Araújo, que não tenho a menor dúvida de que perdemos muito em exportações devido a esses barreiras. Enquanto estamos aqui reunidos, a imprensa noticia que os Estados Unidos tomam novas medidas protecionistas em relação ao aço americano, fazem novas condenações ao aço brasileiro. Por quê? Porque a siderurgia americana não é competitiva, não se modernizou e não tem condições de competir com o nosso aço. E aí são colocadas barreiras tarifárias ao aço brasileiro, uma após outra, impedindo que tenhamos avanços nas nossas exportações. E se pegássemos todas as restrições e barreiras que são apresentadas – não é em relação ao aço, ao calçado, ao suco de laranja, ao têxtil –, teríamos de discutir o conjunto de barreiras tarifárias, não-tarifárias, sanitárias, fitossanitárias, sem considerar a questão dos subsídios.
Se quisermos livre-comércio, tem de ser em duas mãos. Os Estados Unidos defendem livre-comércio em uma só mão: eles exportarem. Quando nós vamos exportar, colocam barreiras enormes às exportações dos produtos brasileiros. E a situação não é muito diferente em relação à União Européia.
Então, gostaria de dizer que, se estamos envolvidos nesse debate, nessa discussão, passou do tempo de ficarmos restritos a decisões de gabinete, com o respeito que tenho pelos negociadores brasileiros.
Aqui ouvimos posições incríveis. Alguns disseram que não devemos participar da negociação. É um absurdo, uma irresponsabilidade! O Brasil tem de participar da negociação da ALCA até para denunciar o que está acontecendo em relação a essa questão da legislação antidumping, dos subsídios, principalmente aos produtos agrícolas, e a todo esse protecionismo.
O Brasil não pode isolar-se. Temos de participar do processo de negociação. Ouvi defensores da não-participação, assim como ouvi dizerem que é quixotesca a posição de tentar convencer os Estados Unidos e a União Européia a não subsidiarem os seus produtores agrícolas. Quer dizer, vamos concordar com subsídios que distorcem o mercado, que não têm lógica, que dizem que não teremos, dentro da ALCA ou fora dela, condições de dar os subsídios que dão os Estados Unidos ou a União Européia. Vamos concordar com isso e dizer que eles estão certos e nós errados.
O tesouro brasileiro vai concorrer com os tesouros americano e francês, procurando dar os mesmos subsídios que são dados na França, na Alemanha e nos Estados Unidos. É claro que não temos condições! Agora, temos de mostrar e colocar na mesa de negociação que esses subsídios distorcem o mercado. Se defendemos livre-mercado, temos de entender que não podemos deixar de colocar na pauta de negociação questões como essa.
A presença dos senhores e das senhoras aqui é a demonstração clara de que a sociedade brasileira quer participar. Tenho acompanhado o trabalho que o Itamaraty vem desenvolvendo com um grupo de negociadores respeitáveis, corajosos.
Presidente Aécio Neves, Embaixador Rubens Ricupero, quem não se lembra de que, pouco tempo atrás, os Estados Unidos tentaram antecipar a ALCA para 2003? Quem foi que colocou na mesa que não poderia ser 2003 e buscou aliados para impedir a antecipação da ALCA? Foi o Brasil, através dos nossos negociadores. Foi o Poder Executivo brasileiro que colocou claramente essa posição.
No Executivo temos uma Secretaria que está procurando enfrentar todo esse quadro internacional, toda essa competição desigual. Quero dizer, Dra. Lytha, que respeito muito o trabalho dos senhores. Como é que podemos competir com a poderosa máquina americana, nessa questão dos processos de dumping?
A Dra. Lytha disse que há perto de quarenta pessoas trabalhando nesses processos de investigação. Sabem quantos americanos há? Mil e duzentos. Técnicos capacitados, pessoas instrumentalizadas.
O nosso Executivo está trabalhando com competência, mas sem a instrumentalização que deveria ter. Temos um quadro que nos leva a compreender que o processo de abertura, que se iniciou em 1990 e que cresceu a partir de 1992, foi feito açodadamente. Esse processo determinou que não estávamos instrumentalizados para abrir as nossas fronteiras, porque não tínhamos legislação eficiente para evitar o dumping. Não tínhamos equipes eficientes. A legislação era tão ineficiente que depois de 1992 tivemos de modificá-la. Sei disso porque fui um dos relatores do projeto novo no Congresso Nacional. Não tínhamos legislação, não tínhamos equipe para enfrentar esse processo de concorrência com a abertura da nossa economia, não tínhamos os instrumentos necessários, etc.
Elogio o Executivo pela posição que tem adotado nesse processo de negociação, no que diz respeito tanto à ALCA como à União Européia e à própria OMC. O Presidente Aécio Neves designou-nos para participar, daqui a dez dias, da rodada de negociação da OMC, no Qatar. Quer dizer, no olho do furacão. Mas considero fundamental essa rodada de negociação da OMC. Os nossos negociadores devem aproveitar essa oportunidade para tomar uma posição clara em relação a todas essas artimanhas utilizadas e que impedem o crescimento das nossas exportações.
Se tudo isso está acontecendo, e teremos a possibilidade de aproveitar a negociação com a União Européia, a rodada da OMC, de avançar nessa negociação com a ALCA, temos de fazer o dever de casa antes de pensar em estar integrado à ALCA e em competir com a poderosa economia americana.
O governo não está querendo fazer a reforma tributária. Presidi, nesta Casa, uma Comissão que, de 1999 a 2000, produziu um projeto de reforma tributária com muito debate e com muita discussão. Está aqui o Deputado Antonio Kandir, que foi o Vice-Presidente. Essa Comissão trabalhou ouvindo todos os setores. Ela procurou mostrar que, para sermos competitivos numa economia globalizada, devemos ter um sistema tributário que nos dê condições de competir, acabando com tributos cumulativos.
Infelizmente, em todo o trabalho realizado pelo Congresso Nacional, houve enorme má vontade de parte do Executivo, que preferiu ficar fazendo remendos fiscais sobre remendos fiscais, não enfrentando a questão da reforma estrutural.
Sem uma reforma que harmonize o sistema tributário brasileiro com o sistema tributário do resto do mundo não temos como ser competitivos conforme deveríamos. Não vamos conseguir enfrentar um déficit em conta corrente, que chega a 25 bilhões de dólares este ano, sem exportar mais. Com todo o câmbio favorável, vamos chegar a um superávit, na balança comercial, de perto de um bilhão de dólares, quando deveria estar perto de 20 bilhões de dólares. Isso porque temos entraves, emperramentos. Um deles é um sistema tributário que não tem harmonia alguma com o resto do mundo e que nos impede de competir.
Temos de enfrentar, na mesa de negociação, todas essas barreiras colocadas aos produtos brasileiros. Não podemos aceitar a negociação da ALCA sem que se aceite discutir e derrubar essas barreiras. E temos de, internamente, fazer o nosso dever de casa. A partir daí não o Congresso, não o Executivo, mas a sociedade brasileira vai dizer se a ALCA realmente é o caminho.
O Presidente Fernando Henrique, em Québec, disse que o MERCOSUL era o nosso destino, que a ALCA era uma opção. Eu diria o seguinte: o MERCOSUL é o nosso destino, temos de trabalhar para fortalecê-lo. A ALCA é uma opção. Se a decisão fosse hoje, com certeza seria contrária à inserção do Brasil na ALCA. Não teríamos a mínima possibilidade, se essa decisão tivesse de ser tomada hoje.
No final de 2005, vamos ter de vencer todas essas etapas. E aí a decisão será tomada não pelo Congresso, não pelo Executivo, mas com a participação da sociedade brasileira mais politizada e participante, procurando acompanhar todo esse processo de negociação.
Gostaria de dizer que fico muito feliz de ter participado deste painel. Aproveito para cumprimentar, mais uma vez, o Embaixador Rubens Ricupero e o Presidente Aécio Neves, que está imprimindo à Câmara dos Deputados um ritmo muito forte de trabalho, principalmente na discussão dessas questões estruturais que têm de passar por esta Casa.
Falou-se em regulação, em etapas que temos de vencer antes da integração hemisférica, mas acredito que este seminário é um marco. É o momento de dizer que não haverá, definitivamente, uma decisão de cúpula, de gabinete, mas da sociedade brasileira como um todo. Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.
RUBENS RICUPERO – Agradeço ao Deputado Germano Rigotto. Foi importante mostrar que essas questões devem ser tratadas com engajamento construtivo e até – por que não? – com certa paixão. O que é feito sem paixão no fundo não vale a pena.
Gostaria de passar a palavra ao Presidente, Deputado Aécio Neves, que foi citado várias vezes. S. Exa. terá de se retirar em seguida.
AÉCIO NEVES – Obrigado, meu querido amigo, Embaixador Rubens Ricupero. A minha saudação é bastante breve.
Tive a oportunidade de, ontem, por duas vezes, manifestar-me em relação ao mérito da discussão que hoje ocorre no Parlamento brasileiro. Mas a minha presença neste instante, mesmo que por alguns minutos, tem dois objetivos. O primeiro deles é saudar de forma muito especial o meu caro amigo, Embaixador Rubens Ricupero, que tive o privilégio de conhecer há cerca de dezesseis ou dezessete anos. É, sem dúvida alguma, uma das poucas unanimidades deste país. O respeito que ele tem internamente só não é menor do que aquele que desfruta hoje nos principais organismos internacionais, que têm responsabilidades enormes com a construção deste novo mundo.
Meu caro Rubens Ricupero, através da sua presença, saúdo os ilustres debatedores que participaram deste painel, em particular o meu amigo Germano Rigotto, um dos responsáveis por esta realização.
Ao ver aqui ainda tanta gente, tantos jovens, constato que este seminário vai marcar um tempo no Congresso brasileiro. Estamos fugindo um pouco daquela demanda natural, cotidiana de uma pauta determinada, de pressões naturais que uma casa política recebe, para nós mesmos estabelecermos a nossa pauta. Estamos buscando fazê-lo ouvindo a sociedade e tentando identificar quais as questões que efetivamente interessam ao País de hoje e ao Brasil que queremos construir no futuro.
Não tenho dúvida de que o estabelecimento do contraditório, que rapidamente já podemos perceber aqui – e em outros painéis aflorou de forma muito clara –, por si só é uma demonstração da importância do tema que estamos debatendo. Independentemente de qual seja a posição em 2005, será um marco extremamente importante para o futuro do Brasil e da sua economia.
Portanto, estamos, pela primeira vez, inserindo o Congresso Nacional, a casa da sociedade brasileira neste debate. Concordo com o que disse o meu colega Germano Rigotto: em última instância, é nesta Casa que serão ratificados ou não os acordos.
Nada mais positivo do que, desde já, darmos transparência a este debate, ouvindo aqueles que têm coisas importantes a dizer, não importa a que corrente de pensamento estejam filiados. O mais importante é que essas negociações, por mais competentes que sejam aqueles que hoje as lideram, no campo brasileiro, ocorram em benefício das decisões que serão tomadas.
É muito importante que os problemas aflorem agora e que possamos compreender de forma muito clara quais os setores da economia brasileira que, no momento em que passarem a competir com economias mais capitalizadas ou tecnologicamente mais desenvolvidas, vão ter dificuldades, e quais as etapas que esses setores precisarão vencer. Enfim, é importante que esse debate se amplie – este é um dos objetivos deste seminário – e ecoe pelas universidades, que vejo aqui representadas, pelos setores empresarias, por todos os cantos do País, alcançando todas as pessoas que compreendem a importância do assunto.
A presença de parlamentares das mais diversas correntes de pensamento e regiões do País – desde ontem, e tenho certeza de que até o final da tarde de hoje, quando se encerra este seminário – é para mim motivo de satisfação.
A realização deste seminário era uma ousadia, dentre tantas outras que temos buscado imprimir, ao lado dos deputados Germano Rigotto, Antonio Kandir e de tantos outros companheiros, nesta nova fase da Câmara dos Deputados.
Confesso-lhes que não sabíamos qual seria o desfecho deste encontro. É a primeira vez que a Câmara dos Deputados organiza algo dessa dimensão. E havia a expectativa gerada pela presença de alguns dos principais atores internacionais dessas negociações, e certamente dos principais atores nacionais. Quando se organiza algo dessa magnitude, fica-se preocupado.
Quero dizer que não tenho dúvidas de que a Câmara dos Deputados cumpre o seu papel ao permitir que a sociedade brasileira, que no futuro sofrerá as conseqüências das nossas ações – espero eu, mais positivas do que negativas –, participe desde já deste debate. Portanto, permitam-me cumprimentar sobretudo os debatedores e os palestrantes pela participação, que faz com que essa iniciativa tenha valido a pena.
Na seqüência do evento, como disse o Deputado Germano Rigotto, vamos preparar um documento sobre os resultados dos debates, e o distribuiremos interna e externamente. No início do ano que vem, pretendemos fazer no Parlamento brasileiro... Até porque acredito que o Brasil já vinha assumindo – e fará isso agora de forma mais consistente – uma liderança no Cone Sul, em relação a essas negociações. Pretendemos fazer um grande encontro continental parlamentar. Os representantes, presidentes e líderes dos Parlamentos dos trinta e cinco países – concordo com o Deputado Germano Rigotto – estarão aqui, certamente ao lado de outras expressões, inclusive internacionais, para que mostremos que a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional não se conformarão com o papel passivo de ratificar acordos. Queremos influenciar decisivamente nas negociações, com um único objetivo: o interesse nacional.
Muito obrigado pela presença dos senhores.
RUBENS RICUPERO – Passo a palavra ao segundo debatedor, meu amigo Carlos Eduardo Lins da Silva.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA – Os senhores são testemunhas de que a imprensa não é mais bem tratada aqui do que os empresários.
Há mais ou menos três meses, participei de um programa roda-viva. No centro da roda estava o Deputado José Dirceu, Presidente do PT. Quando voltei para casa, minha filha de quinze anos e duas amigas disseram: “Puxa, vimos você na TV. Que legal!” Quando indaguei sobre o que mais gostaram, elas responderam: “Tipo a ALCA”. Então perguntei: “O que é ALCA?” Uma delas respondeu: “É tipo aquela coisa que os americanos querem fazer para acabar com a indústria brasileira”.
Tiro três lições desse episódio.
Primeiro, como os assuntos internacionais estão se disseminando no Brasil. A sociedade nunca teve tanto interesse pelas questões internacionais como agora. Vaca louca, ALCA, globalização, McDonald’s, essas coisas nunca foram tão importantes para a sociedade brasileira. Provavelmente, pela primeira vez na história da política brasileira, a campanha presidencial, no ano que vem, poderá abranger temas de política externa como assuntos prioritários do debate nacional.
A segunda lição que tirei foi que os políticos são realmente muito hábeis, porque o Deputado José Dirceu conseguiu pelo menos duas coisas naquela noite. Primeiro desviar-se da minha pergunta. Não perguntei o que era a ALCA, mas sim como o PT, se chegar ao poder nacional, se vencer as eleições para a Presidência no ano que vem, irá se diferenciar da política do PSDB na condução das negociações da ALCA, em nome do Brasil, já que, logo em seguida ou um pouco antes da posse, o Brasil passará a ser o co-Presidente das negociações da ALCA, juntamente com os Estados Unidos. Era isso que eu gostaria que ele me respondesse. Aliás, os dirigentes do PT costumam evitar esse assunto mesmo em conversas informais. Imaginem num programa de televisão!
A segunda prova de que ele foi muito bem-sucedido é que a sua opinião sobre a ALCA ficou gravada na cabeça de uma eleitora que no próximo ano estará votando, como se essa opinião fosse um fato. Quer dizer, quando pedi uma definição da ALCA para a menina, ela me disse: “A ALCA é aquilo que os Estados Unidos querem fazer para acabar com a indústria brasileira”. Possivelmente, se esse tema for importante, pelo menos aquela eleitora o PT terá ganhado para a eleição do ano que vem.
A terceira lição que tirei desse episódio foi que cabe aos jornalistas e aos políticos enorme responsabilidade, no momento em que as questões internacionais são tão importantes para a sociedade brasileira. Os jornalistas e os políticos é que vão prestar informações à opinião pública e fazer com que ela se manifeste e decida o que o Brasil vai fazer em relação às questões internacionais.
Nós, jornalistas e políticos, corremos permanentemente o risco da supersimplificação, da pressa ao fazer afirmações, da demagogia e da desinformação. E devemos estar precavidos, porque a nossa responsabilidade é muito grande.
Vou dar um exemplo de como – vou falar pelos jornalistas; pelos políticos, falem os políticos – esse risco é enorme, usando apenas um dos temas de hoje, porque não é possível ir além disso. A evidência é a seguinte: todos reclamaram do tempo. Quinze minutos, sete minutos são muito pouco. O Ministro Ricupero disse com propriedade que o tempo não permitia nem que se apresentassem os pontos principais de cada uma das monografias que foram feitas para esta mesa. O tempo de duas horas foi estourado, e continuamos pensando que ele é pouco. Imaginem o que seja um minuto e meio na televisão para se fazer o resumo de tudo o que foi dito ontem, o dia inteiro, por V. Exas. Um minuto e meio na televisão é uma eternidade.
Ontem, eu estava zapeando os programas de televisão que haviam feito a cobertura desse evento e fiquei novamente impressionado com a quantidade de matérias apresentadas sobre o assunto. Naqueles episódios do Jornal Nacional, da Globo News, do jornal do Boris Casoy, tiveram um minuto e meio ou dois minutos para tratar desse assunto. Matéria típica de jornal é um texto que, se lido, não chega a cinco minutos.
Então, nesse pequeníssimo espaço, nós, jornalistas, temos de fazer uma síntese de todo esse emaranhado de dificuldades conceituais e políticas que está presente na discussão da Área de Livre-Comércio das Américas e passar, de forma correta, informativa, sem erros, às pessoas, ajudando-as a tomar decisões na hora de votar, de se manifestar a respeito desses assuntos.
Vou dar um exemplo de como isso é complexo e difícil, citando o problema do antidumping. Quando o texto do projeto de lei sobre autorização para a promoção do comércio nos Estados Unidos foi apresentado na semana passada – os republicanos e os democratas chegaram mais ou menos a um acordo, e possivelmente esse projeto de lei seja aprovado pelo Congresso norte-americano –, chamou muito a atenção de toda a imprensa brasileira o seguinte trecho do projeto:
“O Presidente dos Estados Unidos deve preservar a habilidade dos Estados
Unidos de fazer cumprir rigorosamente suas leis comerciais, incluindo as leis ‘antidumping’ e compensatórias, e evitar acordos que diminuam a efetividade das regras domésticas internacionais sobre o comércio injusto, especialmente o ‘dumping’ e os subsídios.”
Houve reação da imprensa brasileira – a minha, inclusive, e a de todos os outros jornalistas, que eu saiba. Editoriais de jornais importantes e matérias noticiaram que os Estados Unidos não abrem mão do antidumping. Todos os jornais – Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo – reagiram da mesma forma.
Dez dias depois, vamos aprender com o Embaixador José Alfredo Graça Lima que talvez não seja bem assim. A interpretação dele é a seguinte: o texto diz que deve ser evitada a hipótese de a legislação norte-americana se tornar ineficaz, mas não diz que ela não possa modificar-se.
O Embaixador José Alfredo Graça Lima, com sua experiência, mostra-nos que, ao contrário da interpretação que todos estavam dando, talvez o projeto de lei proporcione uma brecha, que não havia antes, de a legislação ser modificada. Desde que se prove que ela não se tornou ineficaz, pode ser modificada.
E hoje, com surpresa, como disse o Embaixador Rubens Ricupero, fico sabendo, pela primeira vez, que talvez a legislação antidumping não seja necessariamente ruim para as exportações brasileiras. Pode ser que sim, pode ser que não.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO – Desculpe, mas tem de ser avaliado. Tudo o que eu disse aqui foi que é preciso ser avaliado. As pessoas estão discutindo em tese. Não há um estudo que mostre o resultado efetivo.
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA – Pois é. É o que eu estou dizendo. A questão é extremamente complexa. As pessoas que estudam esse assunto com tanto brilhantismo, como é o caso do José Tavares de Araújo, mostram-nos que cada um desses detalhes é extremamente complexo. Não há nada simples nessa discussão. Então, a responsabilidade que cabe aos jornalistas e aos políticos é enorme.
Penso que devemos levar em consideração essa responsabilidade, quando escrevemos os nossos artigos e fazemos os nossos discursos. Não devemos fazer os artigos, as matérias, as reportagens e os editoriais buscando obter mais público; e os discursos políticos não devem ser feitos para se ganhar mais aplausos.
É essa a mensagem que gostaria de deixar para os colegas jornalistas e os Srs. parlamentares.
RUBENS RICUPERO – Agradeço ao Sr. Carlos Eduardo Lins da Silva.
Passo a palavra ao terceiro e último debatedor, Sr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
JÚLIO SÉRGIO GOMES DE ALMEIDA – Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Sr. Presidente.
Represento o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Essa iniciativa é muito importante, na nossa opinião.
Temos debatido, com muita freqüência, as questões relacionadas à ALCA. Esse é um ponto de apreensão muito grande, por uma razão que gostaria de resumir. Depois parto para alguns pontos que me chamaram a atenção durante as palestras.
Nossa situação externa é grave. À exceção dos problemas que temos – de política cambial de um lado, de política assim e assado –, existem duas coisas que nos levam a essa situação externa tão difícil.
Primeiramente, temos uma dependência tecnológica brutal. Quer dizer, tudo o que se escreveu sobre dependência tecnológica – e foi muita coisa –, em país subdesenvolvido, é brincadeira perto do que existe. É uma dependência tecnológica cavalar. Evidentemente, o tema da propriedade intelectual vai muito em cima dessa questão.
A outra questão que nos coloca nessa situação é uma ordem internacional extremamente desigual, do ponto de vista comercial. Podemos falar sobre muitas coisas interessantes, discutir várias questões, mas nada justifica a abertura internacional de que ouvimos falar. Na verdade, foi uma abertura industrial. Em relação à agricultura, nada. Diria para os senhores que, em relação à agricultura agregada à tecnologia, nada.
Cito a questão do subsídio, por exemplo. Pelas regras da OMC, o subsídio é vetado para qualquer tipo de iniciativa industrial; para exportação, para investimento, etc. Os subsídios são permitidos – estou juntando alguns acordos da OMC, para resumir – para agricultura e tecnologia.
Na verdade, existe uma ordem internacional extremamente desigual, que se traduz, no caso brasileiro. Diria até que temos um pouco de sorte e de azar. Sorte de termos uma economia diversificada, uma capacidade de produzir bens agrícolas, bens industriais sofisticados, tecnologicamente avançados, commodities industrias também. Azar, porque temos tudo isso e nos é vetado, na agricultura, o acesso aos mercados, pelo subsídios dos países desenvolvidos. Fazemos o que podemos em relação aos produtos industriais mais sofisticados. Sempre que fazemos alguma política industrial temos resultados. Quais são os produtos industriais que nos colocam mais perto da dianteira, do ponto de vista tecnológico? Estamos muito atrasados nas nossas exportações. Temos, como exemplo, a indústria automobilística; alguma coisa na área de telecomunicações e de aviação, fruto de políticas industriais na área da aviação – está lá atrás um bando delas; um pouco da política do regime automotivo que fizemos, fruto de uma política mais recente, que foi a privatização dos setores de telecomunicações.
No caso dos produtos industriais e commodities, mais comoditizados, esbarramos nas barreiras não-tarifárias. É uma questão de subsídio e de barreiras não-tarifárias.
Se os senhores pegarem o nosso comercio interior, que é sofrível – deveríamos ter um comércio exterior muito mais robusto –, vão ver que a geografia dele é a seguinte: quem gera superávit no nosso comércio está mais ou menos empatado. Vamos considerar que o nosso resultado comercial, hoje, seja zero a zero. A agricultura gera um saldo comercial da ordem de doze bilhões de dólares. O setor industrial gera um déficit da ordem de doze bilhões de dólares. Dentro do setor industrial há setores que geram um déficit de vinte bilhões de dólares. Há os outros setores industriais, que são mais ou menos produtores de commodities, que geram um saldo da ordem de oito bilhões de dólares.
Qual é o nosso problema? O nosso problema é que, para aumentarmos a exportação de nossos produtos agrícolas, esbarramos numa questão-chave que não tem nada a ver com política tarifária. Falo da questão dos subsídios aos produtos dos países desenvolvidos. Se quisermos aumentar a exportação de nossos produtos industriais mais comuns, mais commodities, esbarramos nas políticas protecionistas não-tarifárias dos países desenvolvidos, sobretudo na política antidumping.
Se quisermos ampliar nossa produção e a exportação de nossos produtos de mais alto conteúdo tecnológico, esbarramos em toda a problemática relativa à tecnologia, inclusive na Lei de Patentes.
Nós, do IEPI, somos favoráveis a vários pontos.
Primeiro, o processo da ALCA deve ser conduzido com todo o cuidado, desde que ele nos abra mercados para a agricultura e para os produtos de exportação de commodities, sobretudo de commodities industriais, além dos agrícolas.
Segundo, o acordo sobre patentes deve ser negociado no âmbito de um fórum mais geral, como é o caso da OMC. Achamos que aí está um ponto decisivo para a inovação tecnológica e que os países em desenvolvimento terão voz mais ativa num fórum multilateral do que num fórum mais restrito, como este.
No caso da política antidumping, devemos ter uma ação mais efetiva e buscar um acordo no âmbito dessa negociação com a ALCA. Nossa visão é pessimista com relação ao âmbito mais geral e um pouco mais otimista, embora ainda pessimista, com relação à extração de algum tipo de benefício dos acordos antidumping.
Particularmente, entendo que não serão os acordos regionais que nos darão condições de superar os empecilhos para uma lei de patentes ou de propriedade intelectual que permita aos países em desenvolvimento maior acesso à tecnologia.
Tampouco achamos que negociações mais regionais mudarão o quadro da política antidumping, que é, evidentemente, muito protecionista, como também não achamos que as negociações regionais nos farão avançar significativamente na exportação de produtos agrícolas. Entretanto, reconhecemos que esse tipo de negociação pode ajudar.
Obrigado.
RUBENS RICUPERO – Agradeço a participação ao Sr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
Estamos agora próximos ao término desta reunião. Quero, entretanto, lembrar que começamos com atraso devido à reunião anterior. Portanto, agora é que estamos chegando ao limite, que teoricamente seria às duas horas.
Quanto às perguntas escritas, uma delas foi diretamente dirigida ao Deputado Germano Rigotto. Como o autor da pergunta gostaria de prosseguir o debate com o deputado e sua assessoria, entendo que não precisamos discutir o ponto neste fórum de caráter mais amplo.
Passo a ler a única pergunta dirigida ao Sr. Graça Aranha, após o que darei a palavra a
S. Sa. para que possa respondê-la e tecer suas considerações finais. Em seguida, passarei a palavra aos demais expositores, a Sra. Lytha Spíndola e o Sr. José Tavares de Araújo, para também brevemente tecerem suas considerações finais. Para encerrar, concederei a palavra ao Sr. Benedito Fonseca Moreira, dono de experiência inigualável na matéria.
A pergunta dirigida ao Sr. Graça Aranha é a seguinte:
“No que se refere à propriedade intelectual, de que forma o Brasil vem tratando a questão da pesquisa da biodiversidade em seu território? Sabemos que as universidades, principalmente as da região amazônica, vêm firmando acordos de cooperação técnica com nações desenvolvidas, notadamente com a França e a Alemanha, e também com empresas multinacionais que pesquisam o material fitogenético em nosso território. Quais são os termos genéricos desses acordos? Em que medida o resultado dessas pesquisas tem retornado para nós?”
A pergunta foi feita por Érica Lourena Prado, advogada e assessora parlamentar.
Com a palavra o Sr. Graça Aranha.
JOSÉ GRAÇA ARANHA – Obrigado, Embaixador.
Trata-se de uma pergunta muito pertinente. Antes de respondê-la, contudo, gostaria de tecer alguns comentários sobre o que disse no momento inicial.
É verdade que a proposta concretamente apresentada pelos americanos no que se refere à ALCA e, mais especificamente, à propriedade intelectual, amplia o escopo da proteção à propriedade intelectual. O senhor mencionou que ela abandona a exclusão do patenteamento de seres vivos e a prorrogação da validade das patentes em alguns casos.
Relativamente ao patenteamento de seres vivos, há no direito americano um caso clássico, com decisão da Corte Suprema, conhecido por Caso Chakra-barti, que trata exatamente do patenteamento de seres vivos. A decisão mencionava que qualquer coisa inventada pelo homem debaixo do sol deverá ser objeto de patente, poderá ser patenteado. Quer dizer, já existe há muitos anos essa decisão da Suprema Corte americana.
A minha opinião, contudo, é a de que o Acordo Tríplice foi já um grande avanço. Discutimos durante quase oito anos – a Rodada do Uruguai durou quase oito anos –, e encontramos, com essa negociação, um equilíbrio fino, delicado, que levou em consideração os interesses e as posições de países grandes e pequenos, ricos e pobres. Nesse sentido, entendo que uma proposta no sentido de modificar esse acordo poderia ser problemática para nós. Há esse marco jurídico internacional que é o acordo tríplice, e todos os países adaptaram – ou estão em vias de fazê-lo – suas leis à normativa do tríplice.
O próprio Brasil já fez tal ajuste com a adoção da Lei de Propriedade Industrial, Lei no 9.279, de 1996, que entrou em vigor em 1997, quando, segundo o art. 65 do tríplice, dispúnhamos de prazo até 2005.
Portanto, Sr. Embaixador, como disse V. Exa., não vejo grandes avanços nessa proposta de estabelecer um novo patamar para essa proteção, até porque isso poderia ser entendido como uma obrigação nossa de estender essa flexibilização a todos os outros países e não só aos países do Hemisfério.
Com a relação à pergunta que me foi feita, sobre a biodiversidade... Acabo de receber outra pergunta, semelhante à primeira, que indaga sobre a possibilidade de movimento científico e tecnológico nacional relevante numa perspectiva brasileira dentro da ALCA.
Bem, creio que já respondi parcialmente à pergunta, mas vou procurar falar sobre a biodiversidade, os acordos que vêm sendo firmados e de que forma o Brasil vem tratando a pesquisa da biodiversidade em seu território.
Este é verdadeiramente um tema interessante. Temos 23% de toda a biodiversidade do planeta. Não existe ainda uma proteção adequada, pois não há ainda um consenso sobre como proteger a questão da biodiversidade. Há no Brasil uma medida provisória e alguns projetos de lei, mas o assunto ainda carece de um debate mais amplo. Estamos como no século XIX, quando ainda não existia um marco jurídico que definisse a proteção da propriedade industrial, o que aconteceu em 1883.
Neste caso específico, temos três componentes básicos que têm de ser protegidos: os detentores da tecnologia – esses nós já protegemos através do sistema de propriedade industrial, mais especificamente o sistema de patentes. Toda inovação que existe já é protegida: os detentores da biodiversidade e os detentores dos conhecimentos tradicionais. Mas a propriedade intelectual não protege o segundo nem o terceiro, ou seja, nem a biodiversidade, nem os conhecimentos tradicionais. É de nosso interesse que isso aconteça. Entendo que é uma prioridade para o governo brasileiro.
O INPI organizou um seminário em conjunto com a Comissão Européia, em Manaus, tendo o Ministro Celso Lafer proferido uma palestra magna. Ele mencionou que o governo brasileiro dá total importância às discussões que estão acontecendo em âmbito internacional no que diz respeito a essa questão. Nesse seminário tivemos trezentos participantes, sessenta e seis estrangeiros de trinta e sete países, de todas as correntes. Foi um debate muito rico. Tivemos também a participação da comunidade indígena. O resultado muito positivo desse seminário foi a proposta da comunidade indígena, prontamente aceita pelo INPI, em organizar o Encontro de Pajés na Região Norte do País para explorar e ver de que formas os conhecimentos tradicionais dessas comunidades podem ser protegidos pelo sistema na propriedade industrial, através de um sistema sui generis de proteção. O objetivo principal desse encontro de Manaus e São Luís foi colher dados para que o Brasil possa levar essas informações e formar uma posição nas reuniões que estão acontecendo em âmbito internacional ou vão acontecer, como a de Qatar, dentro de poucos dias; a reunião de um comitê intergovernamental de biodiversidade; a FOLCLOR, conhecimentos tradicionais e propriedade intelectual, que vem sendo organizada no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Já houve a primeira reunião em abril e vamos ter a segunda em dezembro. Acho que teremos um resultado muito positivo desse seminário e desse encontro de São Luís com os pajés. Fecharemos a posição brasileira nessa reunião de dezembro.
RUBENS RICUPERO – Concedo a palavra à Dra. Lytha Spíndola para tecer seus comentários.
LYTHA SPÍNDOLA – Farei três rápidos comentários. Primeiro, em relação a eventual prazo da ALCA. A União Européia demorou trinta, cinqüenta anos, dependendo do enfoque, para se consolidar. Essa é a experiência do passado, não sei se é a do futuro. Os fluxos de comércio se incrementam numa velocidade assustadora. O comércio intrafirma cresce. No final, irão prevalecer os interesses concretos das empresas que fazem o comércio. Não há governo, não há parlamento que resista a uma pressão do mundo real. Os empresários, os interesses privados, a velocidade de incremento desses fluxos é que vão ditar os prazos.
Portanto, acho que temos de estar atentos, conscientes, preparados para levar essa discussão de uma maneira muito responsável, porque, a cada passo que consolidamos, a posição brasileira, ou do MERCOSUL, fica firmada no processo negociador. E apesar de termos uma posição muito clara e uma orientação muito direta do Presidente da República, do nosso ministro, a respeito da condução desses processos de negociação, só aprovaremos acordo que atenda aos interesses do País. Temos responsabilidade com cada passo, cada vírgula, cada palavra que se põe nesses acordos parciais que vão sendo construídos ao longo do período.
Gostaria de mencionar a presença de duas pessoas muito importantes: Dra. Rosária
Costa Baptista, Chefe do Departamento de Negociações Internacionais, e Dr. Armando Meziat, Diretor do Departamento de Defesa Comercial, que nos ajudam muito nessa matéria.
Segundo comentário. Se as exportações dos produtos que sofreram barreiras de defesa comercial no exterior cresceram, diria o seguinte: não fossem as barreiras, teriam crescido muito, muito, muito mais, porque somos competitivos. Teríamos mais, teríamos um maior domínio de mercado. Infelizmente, o Brasil é o primeiro, segundo, terceiro produtor e exportador de alguns produtos e não tem domínio de mercado. Não faz preço lá fora, porque realmente enfrenta barreiras e restrições. O nosso produto tem que competir com subsídios enormes dados lá fora e, às vezes, o custo de produção do mesmo bem no Brasil é um quinto do custo de produção lá fora. E ainda assim nosso produto não entra lá.
Temos, de fato, um avanço porque nessa matéria prevaleceu o interesse das partes, interesses privados. Produzimos suco de laranja na Flórida, buscamos nossas alternativas e, mais que isso, muitas vezes as empresas lá fora querem comprar nosso aço, nosso insumo por um preço mais baixo do que conseguem no mercado internacional.
Essa reação do setor privado, que acaba prevalecendo, ajudou a definir que, apesar das barreiras, nossas exportações não se reduziram tanto quanto se esperava.
O terceiro e último comentário. Quero parabenizar a iniciativa do Congresso em fazer esse debate sobre a ALCA, mas não quero deixar de mencionar que estamos reunindo o CNC, o MERCOSUL, a União Européia na negociação – o CNC na próxima semana, quando se levará a proposta do MERCOSUL e da União Européia. Quero ressaltar também a importância do debate dessa matéria, não apenas a ALCA, mas o MERCOSUL e a União Européia. Muito obrigada.
RUBENS RICUPERO – Os organizadores acabaram de me notificar que nosso tempo está praticamente esgotado, porque a sessão do Congresso vai se iniciar logo em seguida. O Dr. Benedito teve a elegância de me dizer que não usará a palavra, porque como relator tem que fazer o relatório por escrito.
Então, o Sr. José Tavares de Araújo terá o privilégio de ter a última palavra.
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO – Por trinta segundos. A única coisa que procurei dizer na minha exposição – tenho um texto escrito e está claro – é que em qualquer negociação internacional, e com um país da dimensão e importância do nosso, o Brasil só assinará um acordo que seja do interesse nacional.
Ocorre que, quando se está discutindo um acordo de livre-comércio, o interesse nacional não é o que se discute em tese. Nunca vi alguém dizer que é a favor de ser contra os interesses nacionais. É algo que tem de se medir. Temos que saber quem ganha, quem perde e o que se faz com os perdedores.
No caso da ALCA, existem diversos estudos feitos e outros em andamento sobre os impactos potenciais, riscos e oportunidades, etc. Disse que na área de antidumping esses estudos não existem, pelo menos não os conheço. Já conversei com especialistas e agora, até onde vai meu conhecimento, o primeiro estudo que está sendo feito sobre o impacto das ações antidumping sobre o comportamento dos exportadores brasileiros é esse que o Honório Kume e a Guida Piani estão começando no IPEA e que estou ajudando como consultor.
A única coisa que disse é que é preciso medir. Não há uma linha no meu trabalho que diga que é bom para as exportações brasileiras sofrerem barreiras comerciais. Aliás, se essas barreiras não existissem, não haveria por que negociar o acordo.
Muito obrigado.
RUBENS RICUPERO – Com meus agradecimentos ao Sr. José Tavares de Araújo, permito-me dizer que talvez a grande conclusão deste debate – creio que dos outros também – foi um ponto várias vezes realçado, muito bem salientado no seu trabalho e que o Presidente, Deputado Aécio Neves, também citou.
A negociação, o debate e a participação têm que ser baseados numa avaliação concreta dos interesses caso a caso. Infelizmente, muitos dos temores que ouvimos e das opiniões discordantes se originam ou prosperam porque não há ainda uma avaliação, um conhecimento factual suficiente.
O José Carvalho de Araújo citou o caso do impacto dos estudos de antidumping, mas poderíamos citar muitos outros. Há muitas áreas em que não há ainda avaliação suficiente. É uma pena e também uma preocupação, porque, infelizmente, não temos uma estrutura muito adequada para isso, o contrário de países mais desenvolvidos, que costumam ter serviços muito competentes.
Fiquei muito impressionado na Rodada Uruguai de ver, por exemplo, como os australianos eram capazes de dizer a nós mesmos, brasileiros, qual era o índice de proteção agrícola que dávamos ao nosso arroz. Nós não sabíamos, não tínhamos uma medição suficiente. Eles têm um instituto para isso.
Quem sabe o relator possa encaminhar uma conclusão do seminário no sentido de que precisamos encontrar uma maneira de montar esse mecanismo de avaliação. Não creio que isso deva ser feito no Executivo. O Executivo não tem condições para isso, porque os recursos hoje são muito limitados. Ele está sempre ocupado em apagar incêndios. As pessoas, os ministérios estão sempre muito dominados pelo dia-a-dia. Poderia ser feito por um organismo como o IPEA.
Num livro que estou lançando amanhã sobre esse dilema da globalização, já dizia isso. Deveríamos usar o IPEA. Como esse instituto tem feito no caso das políticas sociais contra a desigualdade, por exemplo, deveria ser criado nele um núcleo forte, com recursos, para fazer estudos desse tipo, podendo contratar consultores e pensar um pouco no médio e longo prazos, o que o Executivo em geral não tem como fazer.
Se fizermos isso, não vamos eliminar a discordância, porque não devemos ter a ilusão de que nessas matérias tudo depende de um processo socrático, de que, uma vez mostrada a verdade, todos a aceitarão. Na verdade, haverá divergências baseadas, às vezes, em discordâncias de interesses concretos e até econômicos. Mas pelo menos reduzir-se-á muito o nível da controvérsia, porque poderemos delimitar as áreas com clareza na base do conhecimento da realidade.
Portanto, com essas considerações agradeço muito, sobretudo aos heróicos membros da audiência que nos ouviram até esta hora avançada. Desejo a todos um bem merecido e bom almoço.
Muito obrigado. Está encerrada esta sessão.
Relator
Benedito Fonseca Moreira
Defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual
1. A importância da visão política para a capacitação competitiva
A agenda de negociação para a criação da ALCA, enquanto área de livre-comércio, é complexa, porque sui generis, à medida que inclui temas mais propícios a uma união aduaneira e mesmo a um mercado comum.
A agenda é ambiciosa e como tal torna-se problemática em termos de negociação, porque:
− envolve trinta e quatro países, dos quais, apenas um, os Estados Unidos, tem PIB pelo menos três vezes superior ao somatório dos demais trinta e três países;
− vinte e quatro países, dos trinta e quatro, são pobres e, possivelmente, irão solicitar e merecer tratamento especial;
− os nove países restantes, com nível médio de desenvolvimento, em sua maioria enfrenta crises políticas e/ou econômicas, com razoável instabilidade institucional.
Pela lógica, a grande ênfase será no sentido de os países terem como prioridade o acesso ao mercado dos Estados Unidos, que, por sua vez, procurará preservar sua atual estrutura de defesa e obter avanços no que chamam de democracia de mercados, obter garantias para seus investimentos e ganhar maior abertura no âmbito dos serviços e de propriedade intelectual.
Avaliar, pois, no contexto do projeto ALCA, os temas defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual, isoladamente, pode levar a conclusões distorcidas. Portanto, embora com incumbência limitada, e por se tratar de debate em ambiente político, permito-me expor, preliminarmente, algumas perplexidades e realidades, que talvez ajudem a entender a amplitude e complexidade da Área de Livre-Comércio das Américas.
As grandes decisões que terão influência definitiva na vida de toda a sociedade, para o bem e para o mal, não podem ser assunto restrito ao exclusivo interesse empresarial, nem à visão mundialista da diplomacia, nem a desejos monetaristas do parâmetro econômico. Há de ter o conteúdo político-social, que reflita, principalmente, os objetivos da sociedade como um todo. É de se indagar, portanto, o objetivo fundamental ou estratégico do Brasil, que, embora com extraordinário potencial em recursos físicos, humanos, espaço territorial, etc., continua emergente, não soube utilizar-se da soberania plena e absoluta permitida a um Estado-Nação para alcançar elevada taxa de desenvolvimento econômico e social. Parece claro que o objetivo continua sendo o desenvolvimento econômico, mas hoje, talvez, com maiores dificuldades.
Poderá ser difícil superar novos entraves ao crescimento da economia e ao desejado desenvolvimento social, sem que as lideranças políticas, acima de partidos e de ideologias, entendam o processo de transformação do mundo, de modo que o Brasil possa enfrentar, com êxito, os novos desafios com projetos de médio e longo prazos. O projeto nacional permanente deve ser definido mediante estratégias. Hoje, diante de um mundo cada vez mais normatizado e regulamentado, que fortalece as economias líderes e engessa os países emergentes e subdesenvolvidos, a primeira estratégia brasileira deveria ser a cooptação do poder político para os temas internacionais, de modo que entenda a importância e a urgência da aprovação das grandes reformas político-institucionais, como meio para garantir a estabilização macroeconômica auto-sustentável, dar real capacitação competitiva à economia nacional em regime de inserção internacional e, sobretudo, estimular crescentes investimentos. Sem alcançar esses três objetivos primários, provavelmente haverá dificuldades em conciliar crescimento econômico e social com inserção internacional preferencializada e competitiva.
2. A moldura mundial
O processo histórico de permanentes transformações políticas, econômicas e sociais do cenário mundial acelerou-se após a Segunda Guerra Mundial, quando, em seqüência à criação das Nações Unidas, surgiram dezenas de entidades reguladoras das relações internacionais e/ou de apoio ao desenvolvimento econômico global, ao desenvolvimento regional e à descolonização.
Para efeito da presente análise, os fatos marcantes nessa evolução mais recente foram:
− o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), que ao longo do tempo consolidou regras de disciplinamento no uso de tarifas aduaneiras e regras básicas de competitividade. O Acordo foi importante para a gradual passagem do bilateralismo para o multilateralismo. Em 1995, foi incorporado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), finalmente criada;
− a lenta e consistente unificação econômica européia que, atravessando diferentes fases e amadurecimento, redundou na União Européia, com livre trânsito de pessoas, mercadorias e capitais, fronteiras fixas e, agora, a moeda única, embora com aceitação ainda parcial. O processo de unificação européia visou, à época, três objetivos, entre outros, diante do mundo bipolar Estados Unidos x URSS:
• criar dimensões para acelerar a produção a taxas elevadas;
• modificar substancialmente a curva da produtividade;
• dar saltos na qualidade;
− os extraordinários avanços tecnológicos que permitiram o início da era espacial ou era do conhecimento, cujos efeitos mais relevantes foram a indução ao processo de globalização e de capitalismo mundial, decorrência direta da revolução no campo das comunicações e da informatização, e a queda do muro de Berlim, que motivou o colapso do modelo bipolar de poder Estados Unidos x URSS.
Aparentemente, existe hoje, ainda que não bem definido, um poder unipolar no âmbito militar, representado pelos Estados Unidos; tendente a bipolar, na esfera econômica, com os Estados Unidos e a União Européia, cujos PIBs se assemelham; e multipolar no campo comercial.
Esses fatos não só respaldaram a criação da OMC, em 1995, com o compromisso de ampliar a liberalização do comércio mundial, dentro de visão multilateralista, como promoveram – e ainda vêm promovendo – desdobramentos com efeitos relevantes, principalmente em países emergentes como o Brasil:
− a proliferação de acordos regionais e sub-regionais, os quais, segundo a OMC, somam muitas dezenas. São blocos preferenciais, mas não fechados, porque se mantêm na abrangência do sistema multilateral. A explicação para esse fato talvez possa ser encontrada na crescente perda de soberania do Estado-Nação, no sentido de não mais poder adotar medidas restritivas ou de incentivos unilateralmente, mas, cada vez mais, obedecer a regras condicionantes de natureza multilateral ou mesmo acordadas regionalmente. Os acordos regionais, sejam para a criação de área de livre-comércio, de união aduaneira ou de mercado comum, passam a ser formas de fortalecimento das economias, em caráter regional, ampliando o comércio intra-regional e criando maior espaço para atrair investimentos como meio para obter melhores condições de negociação multilateral ou bilateral nos centros de poder. Quando um país aceita redução ou limitação do seu poder soberano de decisões no campo econômico, por meio da participação em acordos internacionais, sejam quais forem, espera que haja compensação mediante maior crescimento do comércio e dos investimentos e, portanto, do desenvolvimento econômico;
− a crescente abertura dos mercados, na década de noventa, propiciando, segundo a OMC e a UNCTAD, a expansão da economia e do comércio mundial de mercadorias e serviços, embora ainda concentrado;
O quadro abaixo mostra a posição brasileira em relação ao mundo:
3. A agenda brasileira de negociação
O governo brasileiro adotou ambiciosa agenda de negociações internacionais, na qual pretende, concomitantemente, maior presença nas rodadas da OMC, sustentar o MERCOSUL – no momento em declínio –, preservar a ALADI, iniciar negociações MERCOSUL-União Européia, promover acordos bilaterais de comércio e, finalmente, participar intensamente das negociações na ALCA.
Os dados apresentados mostram, entre outros fatos:
− crescente concentração da economia e do comércio mundiais em poucos países;
− crescente regulamentação da atividade econômica mundial, certamente desigual entre países desenvolvidos, emergentes e subdesenvolvidos;
− fortalecimento do capitalismo mundial;
− transformação da soberania em sistema global;
− maior participação e controle do comércio mundial pelas empresas transnacionais ou interligadas, que definem o quê, quando, a que preço, e onde comprar. É a internacionalização da produção do chamado produto mundial;
− redução da participação dos produtos agropecuários no total do comércio mundial, perfazendo algo em torno de 11%.
O Brasil tem PIB reduzido (1,9% do mundial), exportação reduzida (US$ 58 bilhões ou 0,9% do total mundial), política de produção insuficiente, política de exportação inadequada e incompatível com as práticas e realidades do mundo atual e inexistência de uma política de exportação de serviços.
Em que pese a qualidade individual dos homens públicos e negociadores brasileiros, as experiências não têm sido incentivadoras. A tentativa de criação de área de livre-comércio, como a ALALC, não vingou. Sua substituta, a ALADI, não adquiriu corpo. Mesmo frustrada a tentativa do procedimento mais simples da preferencialização tarifária, tentou-se salto mais ambicioso com a criação do MERCOSUL, como união aduaneira, que impulsionou o comércio, embora com mecanismos incompletos, imperfeitos e distorcidos. Não se conseguiu sequer adotar código aduaneiro comum.
Quando da Rodada Uruguai, com a visão nublada por eventos internos, ao tempo em que acreditava nos discursos liberalizantes do comércio mundial, esqueceu o Brasil de propor suas reservas comerciais como país emergente. A economia foi aberta para obter efeitos internos, consolidando-se compromissos internacionais, que hoje dificultam a ação comercial, enquanto os países desenvolvidos continuam a aplicar restrições de defesa dos seus interesses.
3.1. Negociação na ALCA
É nesse contexto de frustrantes experiências passadas e com reconhecida fraqueza econômica e comercial que, provavelmente, serão iniciadas as negociações na ALCA. São trinta e quatro países que, conforme salientado, têm enormes diferenças nos níveis de desenvolvimento.
Por certo o Brasil não pode deixar de participar do processo negocial, mas, também, não pode aceitar pacificamente eventuais conclusões danosas ao desenvolvimento econômico. O primeiro equívoco aparente é a própria agenda. Se o objetivo é a criação de área de livre-comércio continental, ou seja, naftalização continental, em princípio, a agenda deveria estar circunscrita a negociações tarifárias e políticas afins, garantidoras de acesso a mercados. A introdução de temas, tais como, investimentos, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual e comércio eletrônico seria mais apropriada para uniões aduaneiras e mercados comuns. Esses temas não são, ou não deveriam ser, de interesse imediato para o Brasil, seja porque é da nossa conveniência que alguns sejam tratados no âmbito multilateral da OMC, seja porque não nos trazem benefícios comerciais ou econômicos, em curto e médio prazos.
A política dos Estados Unidos, no que se depreende de informações, declarações, análises, pronunciamentos, discursos e ações, baseia-se, no momento, no chamado unilateralismo, ou seja, cada situação será analisada e avaliada de acordo com os interesses específicos norte-americanos, independentemente de acordos ou limitações de direito. Sob esta visão, a ALCA parece não ser de grande prioridade no momento, mas útil para garantir espaço econômico e reserva estratégica de âmbito político. É longa a lista de compromissos e acordos que foram esquecidos, tornando claro o unilateralismo nas decisões em qualquer campo de atividade a que se permite a unipolaridade do poder bélico-tecnológico. Dentre eles, o Tribunal Penal Internacional, o acordo de limitação de mísseis balísticos, as restrições ao uso de minas terrestres, o controle sobre armas químicas, a convenção sobre armas automáticas, o Protocolo de Kyoto, etc. Sob a alegação de que os acordos trazem mais perdas do que ganhos há, no momento, prioridade para a segurança nacional e, como conseqüência, limitação à adesão à ordem jurídica internacional.
Dentro dessa ótica, qual será a efetiva perspectiva da ALCA como sistema de vantagens mútuas no campo econômico?
Para o Brasil, ao que consta, o grande interesse repousa, precipuamente, no mercado dos Estados Unidos, que representa cerca de 24% das exportações brasileiras. As prioridades, portanto, estariam centradas:
− no acesso a mercados, sem a arbitrariedade da aplicação de medidas não-tarifárias e barreiras técnicas, ou protecionistas;
− na eliminação de subsídios à agricultura;
− na não-utilização do sistema de defesa comercial – antidumping e subsídios – como forma de protecionismo arbitrário.
Para os Estados Unidos, pelo menos no momento:
− a aprovação do mandato de negociação comercial Trade Promotion Authority (TPA), ou fast track, foi condicional e inclui centenas de produtos agrícolas sensíveis, para limitar a possibilidade de concessão;
− os subsídios à agricultura foram prorrogados até 2011;
− qualquer modificação na legislação de comércio, no tocante à aplicação de direitos não-tarifários e barreiras técnicas, dificilmente será aceita.
Negociar apenas tarifas aduaneiras não teria sentido para o Brasil, uma vez que as concessões brasileiras seriam efetivas, por não aplicar barreiras não-tarifárias. As concessões eventualmente recebidas não terão valor real se não forem eliminadas as barreiras não-tarifárias, os subsídios à agricultura e o poder discricionário do uso do sistema antidumping como protecionismo.
A realidade é que, considerando os termos em que o TPA foi aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos e a presente política unilateralista, nenhuma negociação no âmbito da ALCA terá garantia de implementação.
De qualquer forma, sentar-se à mesa de negociação é atitude de maturidade, ceder posições que possam afetar ou limitar o crescimento do País, no âmbito econômico, comercial e social, é fraqueza e acovardamento. Será necessário compatibilizar as medidas negociadas, para vigência em médio e longo prazos, com a real possibilidade política de promover salto na modernização do País, dotando-o, principalmente, de forte capacidade de competição.
3.2. Os temas defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual Pode-se depreender das colocações dos expositores:
− os temas defesa comercial, política de concorrência e propriedade intelectual são mais para discussão e regulamentação multilateral do que em âmbito regional;
− a ampla condenação do sistema antidumping, como mecanismo essencialmente protecionista, embora mais da esfera multilateral, deve ser também enfatizada nos acordos regionais. Os direitos compensatórios teriam menor importância e a salvaguarda menos ainda;
− a política de concorrência, devido a sua generalidade e com parâmetros ainda inconsistentes, não mereceria prioridade de tratamento;
− a propriedade intelectual, de interesse maior por parte dos Estados Unidos e do Canadá, é matéria de grande complexidade, pela sua abrangência e tecnicismo. Qualquer negociação a respeito envolveria expressivas mudanças nas leis nacionais. Além de o Brasil ainda precisar de tempo para ampliar seu domínio nesse campo, o tema não se insere nas prioridades de zona de livre-comércio, salvo para engessar o País; também não se justificaria modificar, com ótica regional, aquilo que é essencialmente universal e multilateral.
3.2.1. Defesa comercial
O subtema abrange os direitos antidumping, subsídios e direitos compensatórios e salvaguarda, conforme bem colocou o Embaixador Rubens Ricupero, presidente do painel. A ênfase deve ser dada ao antidumping, com alguma colocação sobre direitos compensatórios, e menos em salvaguarda.
3.2.1.1. Antidumping
O antidumping é sistema adotado desde a implementação do GATT, em 1947 (art. 6o do Acordo Geral). É o reconhecimento do direito do país importador de aplicar medida corretiva sobre mercadoria específica, por prática desleal de comércio e que cause ou ameace causar dano à produção local. A prática do comércio desleal tanto pode decorrer de ação própria da empresa exportadora, ou setores exportadores, como decorrer de subsídios praticados por governos.
As normas antidumping são caracteristicamente de aplicação em economias abertas, conforme lembra o Dr. José Tavares de Araújo. Até o final da década de oitenta, os usuários dessas normas eram os Estados Unidos, a União Européia, o Canadá e a Austrália. O Brasil adotou a legislação em 1987, preparando-se para a abertura comercial que iria começar com a reforma da tarifa aduaneira em 1988. Atualmente, todos os países desenvolvidos e emergentes dispõem de legislação a respeito.
Após quarenta e cinco anos de prática, o antidumping ainda está presente na mesa de negociações, porque não se conseguiu eliminar as distorções inerentes a sua própria definição e aplicação. Se de um lado é mecanismo específico e flexível na interpretação, de outro, por isso mesmo, possibilita acentuada margem de arbitrariedade na apuração do provável dano, visto que o dumping em si, ou o subsídio, não é necessariamente condenável, salvo quando acarreta prejuízo.
O problema tornou-se complicado porque, ao tempo em que é definido como instrumento contra práticas desleais de comércio, passou a ser utilizado também como prática desleal de comércio, à medida que se transforma em mecanismo meramente protecionista, em razão da “flexibilidade” de interpretações.
Esse é o foco da discussão que interessa não só ao Brasil, como a todos os países emergentes e asiáticos, obstados na sua ação comercial pelo protecionismo antidumping, principalmente dos Estados Unidos.
Essa também é a razão dos Estados Unidos defenderem a manutenção da sua legislação, admitindo eventual negociação na OMC, esfera multilateral. Segundo se informa, também seriam criados obstáculos à discussão no cenário multilateral. Aparentemente, não interessaria aos Estados Unidos e à União Européia discutir a matéria antidumping em nenhum fórum, porque não é instrumento regulador e sim protecionista, para atender a setores não-competitivos, seja em virtude de elevados custos internos da produção (agricultura), seja por atraso tecnológico, que exige vultosos investimentos (aço). Para esses setores é mais fácil proteção política do que investimentos corretivos para tornar a produção mais competitiva.
Para o Brasil, o problema é mais delicado. Cerca de 60% do valor das exportações se referem a produtos do agronegócio e outros primários e semi-elaborados de origem mineral. São aqueles mais visados pelo protecionismo dos Estados Unidos e da União Européia. Muitas vezes, o preço de um produto pode estar momentaneamente alterado por motivo de oscilação no câmbio, por fatores de qualidade decorrente de clima, etc., longe de ação premeditada de dumping.
É de se considerar também, nas futuras discussões, a conceituação de dumping no processo da globalização do capitalismo mundial. No presente, a maior parte do comércio mundial, conforme salientado, é realizada por empresas transnacionais e/ou intra-empresas. É possível montar “produto mundial”, com partes e acessórios de diferentes países, somando benefícios isoladamente, mas, ao final, tem-se produto com possibilidade de dumping real, tanto no mercado interno como na exportação. É a política de fragmentação, definida em cadeias produtivas globais, que permite o aproveitamento de benefícios fiscais fragmentados em diferentes países.
Em relação à ALCA, existe posição dúbia. Parece não haver dúvidas de que a matéria, pela sua complexidade, é multilateral e em evolução, razão pela qual, na Rodada Tóquio foi criado o Comitê sobre Práticas Antidumping, para rever toda a legislação e seu enquadramento nas regras do GATT/OMC. De outra parte, há de se concordar com a Dr.ª Lytha Spíndola, quando advoga a manutenção do tema na agenda ALCA, diante da maneira como vem sendo utilizado pelos Estados Unidos. Parece que, no caso, não é de se esperar resultados práticos, não obstante propostas na ALCA para reduzir a margem de abuso. Mas, sendo o acesso a mercados assunto de interesse prioritário do Brasil e o antidumping um dos principais instrumentos que limitam esse acesso, é de se apoiar o paralelismo de posições.
Vale registrar, como eventual alternativa de procedimento, a observação do Dr. Tavares de que a maioria das investigações, nos Estados Unidos e na Europa, não chega ao fim. Isso porque haveria acordos de preços ou restrições voluntárias de exportação permitidas pela legislação. O Japão não aplica e não reclama, porque seria o grande propositor da negociação.
A esse respeito, segundo dados da secretaria da OMC , entre 1987 e 1998, foram abertas 2.424 investigações no mundo, sendo que o Japão abriu apenas quatro, somente duas definitivas. Essa prática pode ser útil a país com ação pragmática como o Japão, mas pouco recomendável, pelo seu efeito negativo, em país burocratizado e desestruturado como o Brasil.
3.2.1.2. Subsídios e medidas compensatórias
Os subtemas subsídios e medidas compensatórias não mereceram destaques por parte dos palestrantes. A normativa a respeito está contida no Acordo de Subsídios da Rodada Uruguai, que define o conceito e cria três categorias de subsídios: permitidos, acionáveis e proibidos.
Assim, essa não é uma matéria para se relegar em nível de despreocupação. Cabe, no caso, as seguintes observações, para registro:
− A estrutura do Acordo obedeceu à visão e aos interesses geopolítico e técnico dos países desenvolvidos, principalmente da União Européia, dando legalidade aos subsídios para o desenvolvimento regional (zona mediterrânea) e ex-colônias. Também os subsídios para a pesquisa e tecnologia são considerados verdes, ou seja, permitidos, abrindo campo para beneficiar exportações.
− Há proposta de revisão do Acordo, com destaque para o entendimento da superação do subsídio verde. Países em desenvolvimento defendem a manutenção do benefício, mas para apoio exclusivo a programas visando o seu desenvolvimento.
− Atualmente, pelo Anexo VII, países subdesenvolvidos com renda per capita abaixo de US$ 1.000 podem subsidiar exportações, sem limites. Há proposta de países que integrarão a ALCA para aumentar esse limite.
Embora tema não enfatizado nas discussões de acordos regionais e inter-regionais, pelo entendimento do seu caráter multilateral, é de se ter presente alguns aspectos que podem interessar ao Brasil. A simples eliminação da categoria verde, que permite subsídios, pode não ser de conveniência em dois aspectos:
− eventual possibilidade – e visão estratégica – para transformar o Nordeste, como um todo, em área preferencial para investimentos beneficiados, tornando-o não só pólo de crescimento, com efeito social marcante, como também forte pólo de exportação;
− o efeito de modificação do Anexo VII, que permitiria aos vinte e quatro países menos desenvolvidos da ALCA subsidiar as exportações, seria perigosa abertura para a instalação de multinacionais, o que acarretaria ações distorcidas no comércio regional. O tema é relevante e deveria merecer especial atenção.
3.2.2. Política de concorrência
O tema encontra-se em fase inicial de discussão:
− na OMC, em âmbito de grupo de trabalho, sem grandes perspectivas de acordo em médio prazo;
− na ALCA, foi assunto da Reunião Ministerial da Costa Rica – 1998, quando foram definidos programas de trabalho de quatro mandatos, de natureza mais prospectiva, exceto o último que estabelece o estudo dos temas relativos à interação entre comércio e política de concorrência, inclusive medidas antidumping. Os Estados Unidos não concordaram;
− no MERCOSUL, em 1996, os países signatários firmaram o Protocolo de Fortaleza, que fixou as diretrizes para uma política de concorrência comum na região. Dr. José Tavares, em sua exposição, lembra dois compromissos firmados no MERCOSUL, que bem retratam o divórcio entre as realidades política, econômica e social dos países e a enorme capacidade de teorização latino-americana;
− o art. 1o do Tratado de Assunção determina a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e de comunicações e outras acordadas – para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Para instituir simples União Aduaneira definiu-se, pomposamente, arcabouço que seria difícil até mesmo em União Econômica ou Mercado Comum, para ter como resultado prático apenas área de livre-comércio imperfeita.
− o Protocolo de Fortaleza pretendeu estabelecer política de concorrência comum na região. Em dois anos, a partir de 1996, todos os países deveriam ter:
− órgão autônomo responsável pela defesa de concorrência;
− legislação nacional abrangendo toda a economia;
− órgão responsável pela concorrência, com força suficiente para contestar outras políticas públicas, se necessário; e
− países-membros com visões comuns sobre a interação entre política de concorrência e outras ações governamentais.
Em resumo, a complexidade da matéria faz com que o quadro global se apresente da seguinte maneira:
− no âmbito da OMC, apenas setenta países têm leis de concorrência. Os países desenvolvidos, em princípio, são favoráveis a acordos da espécie. Ressalte-se, como lembra Vera Thorstensen , que os Estados Unidos passaram a apoiar a discussão do tema, a partir do momento em que foi retirada da agenda de negociação a discussão das implicações da concorrência sobre o antidumping;
− na ALCA, dos trinta e quatro países, apenas treze têm leis de concorrência;
− no MERCOSUL, embora todos tenham leis de concorrência, somente a legislação brasileira teria condições mínimas para atender ao que dispõe o citado Protocolo.
Procurou-se mostrar apenas as dificuldades que envolvem o tema que, na sua essência, procura buscar a harmonização de conceitos e de práticas anticompetitivas, mas que, na realidade, abrange universo tão complexo que não cabe, no momento, nos limites de harmonização de todas as tendências. Talvez a posição mais lógica seja a dos países asiáticos, que consideram prematuros acordos da espécie, pois retirariam a necessária flexibilidade para suas indústrias.
Salvo atitudes impensadas ou de construção teórica, sem compromisso com a realidade, existem questões importantes que podem ser enquadradas como anticompetitivas e outras que decorrem do avanço e conseqüências da revolução tecnológica: formação de cartéis, fusões e aquisições, não-discriminação entre capital nacional e estrangeiro, cooperação e assistência técnica, pesquisa e desenvolvimento, transferência de tecnologia, empresas estatais, etc., tudo pode ser argumentado como anticompetitivo.
Vale lembrar que o próprio processo de globalização e a proliferação de sistemas sub-regionais de preferências induzem à modificação nas estruturas das empresas, principalmente, na direção de fusões, associações, acordos interempresas, etc. Há, por outro lado, tendência à forte ampliação das empresas transnacionais e à ampliação do comércio intra-empresa, o que pode conflitar com uma política de concorrência mais transparente.
O Brasil, como país emergente, que precisa ocupar seu imenso espaço interno, organizar, ampliar e modernizar sua infra-estrutura, crescer fortemente no campo industrial, etc., não pode, e não deve, aceitar compromissos que signifiquem limitar o seu potencial de crescimento e a necessária expansão das suas exportações.
O tema é interessante, mas deveria ser mantido na esfera apenas dos debates, quando muito de recomendações genéricas.
Na ALCA, não pode ser assunto prioritário, talvez sequer considerado, enquanto o principal parceiro, os Estados Unidos, defender sua firme posição de manter subsídios agrícolas e utilizar-se da lei antidumping, como poderoso instrumento protecionista.
Quando muito, em respeito ao bom-senso, poder-se-ia especular a possibilidade de, no futuro, em casos especiais, adotar-se seletivamente o Princípio de Cortesia Positiva, conforme exposto pelo Dr. José Tavares, e que dispensa maiores comentários.
3.2.3. Propriedade intelectual
O Dr. José Graça Aranha apresentou documento de apoio, complementado por sua excelente exposição, quadro completo e elucidativo sobre a propriedade intelectual, tanto na evolução dos compromissos e acordos internacionais, quanto na atuação e organização brasileira.
Entende-se, portanto, serem desnecessárias explicações, certamente repetitivas. Não obstante, a matéria é merecedora de algumas observações complementares, pela sua extraordinária abrangência e interesse estratégico para o desenvolvimento econômico e social do País e, em especial, para o comércio exterior.
Os acordos internacionais, que se contam às dezenas, vêm evoluindo cautelosamente, como deve ser. Cada assunto ou segmento, na abrangência da propriedade intelectual, deve ser superado principalmente pelos países emergentes e subdesenvolvidos.
Vive-se hoje a era espacial, também chamada de revolução tecnológica, ou ainda era do conhecimento. Qualquer das nomenclaturas indica, antes de tudo, que doravante o grande fator estratégico é o conhecimento. Educação, sem limites, por todos os meios e modos, passa a ser sinônimo de:
− desenvolvimento econômico;
− bem-estar social; − segurança nacional; − soberania.
O Estado-Nação, conforme salientado, está perdendo o poder soberano de decisões isoladas e unilaterais de políticas. A nova soberania está assentada em três pressupostos:
− compartilhamento;
− nível educacional de treinamento da sociedade; e
− nível de desenvolvimento econômico e social da comunidade.
É impensável imaginar-se qualquer país alcançar desenvolvimento econômico pleno, sem dar a sua gente adequado nível de educação e treinamento. É preciso não confundir desenvolvimento com apenas construir fábricas ou fazer obras, o que, embora importante, não dispensa o alicerce educacional. Muitos são os exemplos que podem dar melhor transparência e maior importância ao tema propriedade intelectual e, particularmente, à educação. É de se mencionar os seguintes:
− países desenvolvidos são aqueles de alto nível educacional; emergentes e subdesenvolvidos são os que apresentam níveis inadequados ou baixos;
− recursos naturais abundantes, como é o caso do Brasil, não significam necessariamente desenvolvimento econômico e bem-estar, apenas potencial que se realiza à medida que a sociedade tenha capacidade, em termos globais, para transformar o potencial em real;
− países emergentes, ou seja, com baixo nível educacional e fragilidade no desenvolvimento de P&D, são crescentemente vulneráveis, porque crescentemente dependentes de bens de capital, insumos e capitais externos. Não é dependência de parceria ou de avanços tecnológicos circunstanciais, mas de submissão por incapacidade;
− processo de abertura econômica para a inserção internacional, que se amplia e completa com acordos regionais e sub-regionais e se expressa, inicialmente, na eliminação de tarifas aduaneiras, seguindo-se controles não-tarifários, em que as indústrias nacionais de bens de capital, na maioria, tendem a desaparecer ou serem vendidas, em parte ou no todo, para capitais externos. Isso porque, em grande parte, produzem sob licença com pagamento de royalties pela tecnologia recebida. Na abertura da importação cresce a resistência à transferência de tecnologia, em virtude das facilidades para a venda direta;
− exportação mundial de mercadorias alcança cifra em torno de US$ 6 trilhões e a exportação de serviços, quase sempre vinculada à propriedade intelectual ou decorrente de preparo educacional, já perfaz cifra ao redor de US$ 3 trilhões. Projeta-se que, no futuro, o comércio de serviços poderá ser igual ou maior que o de mercadorias;
− globalização crescente da economia mundial, que está modificando a forma de competição comercial, estimulando a criação de grandes espaços geopolíticos e de megamercados, induzindo a fusões e à criação de produto mundial, tudo em constante movimento, na busca de nova e maior escala de produção, menores custos, maior incorporação de tecnologias nas mercadorias e nos serviços e importantes saltos na qualidade.
Nesse contexto, o universo de atividades caracterizadas e abrangidas crescentemente pelo conceito de propriedade intelectual deveria merecer do governo maior e especial cuidado.
Não basta legislação adequada, INPI bem estruturado e capacitado ou Ministério da Ciência e Tecnologia atento. É preciso transformar esse universo em importante alavanca do desenvolvimento e estímulo à valorização social e intelectual dos cidadãos. As invenções, a inovação, os livros, os filmes, as gravações, a música, os métodos de teste, os projetos, as marcas, os desenhos, os mapas, as marcações, etc. deveriam merecer apoio para serem transformados em fator de força comercial.
Lamentavelmente, em que pese a evolução havida e o apoio do atual governo, no Brasil o ambiente da atividade intelectual não é bem compreendido, e é até mesmo marginalizado. O exemplo maior é a própria educação, outro, a redução de benefícios fiscais do Programa P&D, com visão arrecadadora, dificultando atividade fundamental para o País e induzindo empresas e cientistas a transferir pesquisas e desenvolvimento de produtos para o exterior. Outro exemplo é a chamada vulnerabilidade externa da economia brasileira, caracterizada pela crescente dependência de capitais externos e que se reflete em elevados déficits estruturais na conta de serviços do balanço de pagamentos. O Brasil, ao tempo em que é pesado importador de serviços, marginalizou por completo a exportação de serviços. Até mesmo a análise e a avaliação mais pormenorizada das importações, com vistas à substituição e à avaliação tecnológica dos bens importados, é inviável porque, no caso das mercadorias, a abertura das informações está inexplicavelmente considerada confidencial e, no campo dos serviços, mera acomodação burocrática.
Uma grande nação se constrói com educação, treinamento e pesquisa.
4. Conclusão
Ainda em fase preliminar, as negociações para a constituição da ALCA deverão adquirir consistência a partir de maio de 2002, com encerramento previsto para o final de 2004. O Acordo será submetido à aprovação dos congressos nacionais em 2005 e entrará em vigor em 2006. Nenhum país está obrigado a participar das negociações e, se o fizer, também não estará obrigado a firmá-lo, ou a ter o respectivo texto homologado.
O Brasil, pela sua tradição e expressão econômica e política no continente, não pode deixar de participar das negociações. Por isso caberiam considerações de natureza política e econômica.
Pela ótica política, a posição é sui generis, pois representará teste de maturidade, coerência e capacidade de formulação e execução de estratégias de curto, médio e longo prazos, onde o interesse do País na priorização do desenvolvimento econômico e social esteja colocado acima de ideologias e posições partidárias do momento. Vale lembrar que as negociações iniciadas no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso se desenvolverão sob outro governo, a quem caberá a decisão de intensificá-las, concluí-las e aprová-las, ou não. A ressaltar, ainda, que o início da vigência do acordo deverá ocorrer em 2006, coincidindo com um ano de campanha eleitoral.
Os governos mudam, e devem mudar, mas o País precisa ter objetivos estratégicos permanentes. No caso brasileiro, deverá buscar formas e meios para alcançar o desenvolvimento econômico pleno, como base de sustentação do bem-estar social.
Nas negociações, o Brasil precisará equacionar e harmonizar, pelo menos, quatro posições:
− considerar a atitude negocial a ser adotada, caso permaneça a posição norte-americana de não aceitar programa para a eliminação do seu sistema protecionista, consubstanciado na utilização do mecanismo do dumping como barreira não-tarifária e na garantia de subsídios para a sua agricultura, em prazos definidos;
− considerar a possibilidade de os vinte e quatro países mais pobres da região solicitarem concessões e acesso a mercados sem oferecer contrapartida. Essa posição, por óbvio, poderá exercer forte atrativo para a instalação de indústrias de países desenvolvidos, que terão acesso aos mercados desses países, em situação privilegiada;
− considerar a eliminação, a minimização ou a postergação, da agenda de negociações, dos temas que não dizem respeito à formação da área de livre-comércio, porque próprios para discussão em âmbito multilateral;
− considerar como realizar e concluir negociações que ampliem a inserção internacional da economia, sem a certeza da viabilidade da aprovação pelo Congresso das reformas necessárias para o expressivo fortalecimento da capacidade de competição nacional, seja para dar à exportação agressividade para ocupar crescentes espaços externos, seja para dotar o País dos instrumentos que atraiam e estimulem investimentos para o crescimento da produção em quantidade e dar salto em qualidade, tornando-a competitiva vis-à-vis às mercadorias importadas, em regime de abertura comercial plena.
Indiscutivelmente, no momento, existe um dilema político para a economia brasileira. Para crescer, o País depende da consolidação da estabilidade e da sustentação do seu comércio exterior, o qual estará crescentemente balizado por regras e normas acordadas internacionalmente. Assim, negociações como ALCA, MERCOSUL, MERCOSUL-União Européia, etc. tanto poderão ser positivas para o crescimento do País, como negativas, à medida que concorram para dificultar ou desestimular investimentos.
A solução lógica não é deixar de participar, mas sim tomar a decisão política de levar avante as reformas político-institucionais modernizadoras, principalmente:
− reforma tributária que permita a estabilização macroeconômica auto-sustentável e estimule o aumento competitivo da produção;
− reforma trabalhista-previdenciária, para reduzir as despesas do governo e os custos das empresas e dar consistência ao trabalho e ao bem-estar. O que assegura emprego e salários adequados não é legislação prolixa e burocratizante, mas o desenvolvimento econômico e a melhoria da produtividade, continuadamente;
− ajuste externo, consubstanciado na modernização e atualização da política de exportação; no uso adequado e eficiente dos mecanismos de proteção admitidos pela OMC; na adoção de política pró-ativa de exportação de serviços e na forte adequação da logística, principalmente da infra-estrutura como instrumento de integração nacional e ação externa agressiva, em país de dimensão continental.
Nos tempos atuais, o encerramento de negociações internacionais é ato meramente formal. Negociação é processo continuado, seja na esfera da OMC, através de comitês e grupos de trabalho, estabelecendo posições, formulando agendas, etc., seja no universo dos acordos sub-regionais. Por essa razão, é preciso que a organização nacional negociadora seja formada por equipes profissionais, envolvendo pessoal especializado, de diferentes áreas do governo e da iniciativa privada. A negociação de acordo preferencial-comercial não é um fim em si mesmo, mas um instrumento cujo executor é o ente privado, ator cujo papel é transformar o compromisso externo em ganho para a sociedade nacional, via produção e mais exportação.
O Brasil evoluiu. Há diálogo intragoverno, coordenado pelo Itamaraty, e do governo com o setor privado, o qual também evoluiu e está se firmando como interlocutor nobre, a partir da criação da Coalizão Empresarial. Os funcionários do governo, há de se salientar, são de elevado nível e a representação empresarial altamente competente.
Contudo é preciso mais ainda. Impõe-se necessário formar equipes permanentes, para cada tema e subtema, e fortalecer o entrosamento do governo e do setor privado, para que se obtenha o máximo de vantagens para o País. É fundamental que na ação externa, permanente ou pontual, haja sempre a presença dos profissionais.
É recomendável aperfeiçoar-se sistema de informações diárias de todas as ocorrências no âmbito de negociações externas, para a tomada de posições internas. É preciso, por outro lado, que as posições e decisões internas sejam transmitidas, em tempo real, para os negociadores no exterior. Informação, entrosamento, união, objetivo comum, integração, etc. são imposições do momento. O interesse do País há de estar acima de visões compartimentalizadas e personalistas.
Por justiça, é de se registrar que há diálogo de boa qualidade entre os atores públicos e privados. É recomendável, contudo, ampliar e aperfeiçoar até que se transformem em um único corpo, e com único objetivo: o Brasil.
O engajamento no processo de múltiplas negociações, como já salientado, recomendaria:
− nova, mais ampla e forte organização, seja no âmbito empresarial, seja no Poder Executivo, seja na esfera política;
− urgente ampliação e aprofundamento de sistema de informação que dê consistência às negociações;
− estabelecimento de estratégias, ou seja, plano e programa de limites e possibilidades, evitandose improvisações, posições personalistas ou pressões externas.
PAINEL 2 (24/10/2001). José Tavares de Araújo, José Graça Aranha, Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves, Embaixador Rubens Ricupero, Lytha Spíndola, Deputado Germano Rigotto, Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
PAINEL 2 (24/10/2001). Carlos Eduardo Lins da Silva, José Tavares de Araújo, José Graça Aranha, Embaixador Rubens Ricupero, Lytha Spíndola, Deputado Germano Rigotto, Júlio Sérgio Gomes de Almeida.
PAINEL 2 (24/10/2001). Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves e Embaixador Rubens Ricupero.
PAINEL 2 (24/10/2001). Deputado Germano Rigotto e Embaixador Rubens Ricupero.
Finalmente, entende-se como necessário e urgente reforçar os órgãos do governo diretamente envolvidos com o comércio exterior, com recursos humanos e materiais. Na defesa comercial, por exemplo, de importância marcante, esse problema se impõe. É conveniente também a reavaliação da legislação nacional e dos procedimentos executivos, adaptando-os para o uso como mecanismos de proteção, caso os demais países não eliminem a utilização protecionista dos mecanismos de defesa comercial.
Quatro medidas se imporiam, de imediato:
− avaliar as normas e procedimentos a respeito de defesa comercial;
− adotar, como princípio, que a abertura de processo tem por objetivo a proteção do trabalho nacional, tal como fazem os outros países, entre os quais os Estados Unidos;
− incorporar o princípio da retroatividade, ou seja, a eventual aplicação de direitos compensatórios, quando aprovada, passa a viger a partir da data da abertura do processo;
− suspender a interpretação de confidencialidade, pelo governo, que impede a abertura das estatísticas de importação, medida discutível, que encarece e dificulta enormemente a organização dos processos de defesa comercial; dificulta a análise e avaliação da importação de tecnologias embutidas nos produtos; limita decisões de estudo de mercado para investimentos substitutivos de importação e/ou adensamento do processo produtivo; limita ou distorce a avaliação das negociações; impede o setor privado de informar irregularidades na importação, seja quanto a subfaturamento, quanto a procedimentos de origem, etc.
Enfim, é formalidade interpretativa, de base jurídica discutível, e que afeta os objetivos da política de investimentos, emprego e das negociações internacionais, no tocante aos interesses nacionais. O Brasil tem tudo para dar certo. Depende apenas de decisão política.
A QUESTÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL
José Graça Aranha
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial é uma autarquia federal vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criada pela Lei no 5.648, de 1970, com o objetivo de executar a política e proteger o direito de propriedade industrial no Brasil.
A proteção da propriedade industrial no Brasil precisa ser encarada, cada vez mais, como um instrumento importante para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil e não mais, apenas, como mero processo cartorial.
A quase-totalidade das inovações tecnológicas, criadas no mundo, ou seja, o que há de mais moderno no estado da técnica, estão hoje contidas nas informações tecnológicas contidas nos documentos de patentes e arquivadas nos bancos de patentes.
Trata-se, portanto, de uma informação indispensável para o estabelecimento de políticas de desenvolvimento, implemento de novas tecnologias e sua difusão, dando ao industrial e pesquisador brasileiros a correta noção de toda tecnologia disponível e que se encontra em domínio público.
O Direito da Propriedade Intelectual, como todos os ramos das ciências jurídicas, tem seu objetivo voltado para o bem social da coletividade. O conceito de Estado Social, amplamente desenvolvido nos textos constitucionais das Nações Ocidentais , se pauta na limitação dos direitos absolutos, tendo por limite o interesse público. A liberdade de ação do ser humano encontra no interesse coletivo o seu limite, não tendo como se falar em direito absoluto, cujo limite se encontra na vontade interna do ser humano, como aliás nos ensina Hannah Arendt.
Nesse contexto, o direito da propriedade intelectual não pode ser considerado como um ramo em apartado das demais. Integra as ciências jurídicas, procurando aliar a proteção do que é novo e original com a divulgação do conhecimento, este último como elemento motriz de desenvolvimento social e econômico.
De forma a satisfazer esse objetivo, tem-se a possibilidade de pesquisa, através da Rede Internacional de Computadores (Internet), ao banco de patentes dos escritórios mais importantes de nosso planeta, citando-se, como exemplo, o Escritório Europeu de Patentes, com sede em Munique.
Aproveito, nesse momento, o ensejo para evidenciar os acordos firmados com a União Européia, que possibilitaram a realização de seminário sobre Biodiversidade, recentemente realizado em Manaus, com ampla divulgação pela imprensa.
Com o crescente desenvolvimento das relações jurídicas, especialmente decorrente da globalização da economia, tem-se substituído a denominação Direito da Propriedade Industrial por Direito da Propriedade Intelectual. O direito da propriedade intelectual, no milênio que se inicia, ocupará um lugar de destaque, em face da nova revolução tecnológica, movida agora pelo conhecimento virtual; a era do saber se pauta pelo uso da informática e o domínio das informações.
Nesse ponto, não podemos desconhecer o notável desenvolvimento do Direito da Propriedade Industrial, cujos primórdios remontam à Veneza (no século XV) e ao Reino Unido da Grã Bretanha (século XVII). Patentes, por exemplo, já foram tidas como privilégios incompatíveis com a sociedade liberal, surgida após a Revolução Francesa, em 1789, sendo que na Holanda foi a respectiva lei revogada.
Entretanto, o desenvolvimento das relações econômicas, decorrentes da Revolução Industrial, impôs que o legislador procurasse novas soluções para a proteção dos institutos da propriedade industrial, de forma a combater o abuso de direitos, principalmente no que se refere a patentes, atendendo, assim, ao princípio da novidade, um dos requisitos fundamentais para sua concessão. Surgia, desta forma, a necessidade de proteger os inventos depositados nos Estados europeus, concedendo aos seus legítimos titulares a possibilidade de um novo depósito, em outras nações, sem comprometimento da necessária novidade.
A Convenção de Paris foi instituída em 1883. Esta época era marcada pela revolução industrial, através da invenção da máquina a vapor e o conseqüente aumento de produção. Havia na comunidade internacional uma consciência da necessidade de uma harmonização internacional que alcançasse o direito de patentes, que, desde meados do século XIX, se encontrava em crise. O monopólio, decorrente da titularidade da patente, em face da política e economia liberal, sofreu duros ataques, valendo, para tanto, citar que, em 1817, a Holanda revogou a sua legislação de patentes, que somente voltou a ser introduzida em 1910.
A proteção patentária era de especial interesse da indústria nacional, na medida em que a vigência e amplitude deste direito estava limitada ao território da nação. Este ramo do Direito possibilitou o desenvolvimento tecnológico de vários países. Cumpre ainda ressaltar que o interesse individual dos produtores poderia tender a ver os seus direitos intelectuais resguardados nos outros mercados. Isto acabou por acirrar a concorrência internacional, em especial nos setores econômicos voltados exclusivamente para o mercado internacional. Em conseqüência, foram firmados acordos bilaterais, visando a proteção de direitos intelectuais, resultando que, em 1883, já vigiam sessenta e nove convenções desta natureza.
A conclusão em 1883, na cidade de Paris, das conservações relativas à Convenção da União de Paris, o primeiro pilar do sistema de Propriedade Intelectual e, junto com a Convenção de Berne, de 1886, os dois únicos tratados com vocação internacional, constitui-se em uma conseqüência da situação político-econômica reinante ao término do século XIX. A Convenção foi inicialmente assinada por onze nações: Bélgica, Brasil, Espanha, França, Guatemala, Holanda, Itália, Portugal, Sérvia, Suíça e Tunísia. Antes de sua entrada em vigor, assinaram a Convenção: Equador, Grã-Bretanha e Tunísia. Os Estados Unidos assinaram-na em 1887, a Alemanha em 1903 e a Rússia em 1965. Consoante regra do art. 14 da Convenção, ficou estabelecida a revisão periódica do Acordo. O tratado sofreu várias revisões: Bruxelas em
1900, Washington em 1911, Den Haag em 1925, Lisboa em 1958 e Estocolmo em 1967, com o objetivo de adequar a proteção da Propriedade Intelectual ao desenvolvimento tecnológico de seus países-membros.
O objetivo do Acordo é a proteção da propriedade industrial. Como propriedade industrial compreende-se a invenção (patente, modelos de utilidade e industrial e o design) e os signos de comércio (marcas, indicações geográficas – Cognac, Bourdoux, Vale dos Vinhedos, nomes comerciais). A convenção propiciou a proteção da propriedade industrial a nível internacional, na medida em que não institui uma patente, marca e modelos universais. Conforme a doutrina, as regras da Convenção podem ser divididas em grupos:
a) primeiro grupo: é formado por normas relativas à formação dos organismos da União;
b) segundo grupo: constitui-se de todas as regras a que os Estados-membros estão obrigados a cumprir, no tocante à harmonização e edição de leis internas no campo da propriedade industrial;
c) terceiro grupo: é formado por regras que estabelecem os direitos e obrigações do titular de direito da propriedade industrial, mas isto desde que haja esta possibilidade nos termos de sua lei nacional. Para tanto, exemplifica-se com a regra do art. 2o, relativa ao tratamento nacional;
d) quarto grupo: é formado por normas de Direito Material, seus princípios, visando a sua harmonização, de forma a criar um mínimo de direitos e obrigações para o titular de um direito de propriedade industrial, independentemente dos termos da lei nacional. Para tanto, cita-se as regras contidas nos artigos 4o bis, 4o quater, 5o (exceto o § 2o), 6o e 6o quinquies. Estas regras são auto-aplicáveis na medida em que independem de uma regulamentação pela lei local, porém somente são aplicáveis naqueles Estados-membros onde tratados internacionais se tornam aplicáveis através da ratificação.
A Convenção da União de Paris se diferencia de outros acordos internacionais na medida em que cria um organismo formado pelos Estados-membros (a União), cujos organismos e associados formam, sob o aspecto financeiro e administrativo, uma unidade. Foi criado um organismo internacional para o direito internacional – Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI), com sede em Genebra, sem que, entretanto, houvesse, por parte dos Estados-membros, qualquer forma de delegação de poderes. Os signatários somente se obrigavam, através de expresso consentimento, ao cumprimento das revisões da Convenção, o que acarreta a possibilidade de que os Estados estejam vinculados à Convenção, porém em diferentes versões. Todavia, as relações internacionais são fundadas na versão mais atualizada.
No tocante a patente, foi introduzida na Convenção da União de Paris, através do art. 4o, uma inovação, ao ser instituída a regra da prioridade. Este princípio, em vigor até hoje, que é o responsável pela viabilidade do sistema de Propriedade Intelectual, introduziu a possibilidade de, no prazo de doze meses do depósito, ser o pedido de patente protocolado em outros Estados-membros, retroagindo a data ao primeiro depósito. Assim, o depósito por terceiros não-autorizados ou fatos supervenientes não interferem neste princípio. Objetiva esta norma facilitar a circulação e o intercâmbio internacional das patentes. Como os planos para a instituição de uma patente internacional abortaram, entenderam os Estados-membros que esta regra se tratava de uma solução que, de um lado, respeitava a soberania nacional e, de outro, respondia às relações jurídico-econômicas envolvidas. Outrossim, ficou ainda a resolver se um pedido de patente, via de regra depositado no país de origem em primeiro lugar, para garantir o direito de prioridade, deveria comprovar o seu valor econômico. Por outro lado, uma excessiva demora na resposta desta questão, poderia propiciar o depósito, em outra nação, por um terceiro não licenciado, de uma patente, oriunda de invenção similar, cuja concessão e conseqüente monopólio impediria a proteção da primeira invenção. Além disso, cumpre mencionar que, em diversos países, a regra da prova da novidade deva ser produzida em território nacional e não em nação estrangeira.
Inicialmente, a regra da prioridade tinha a seguinte redação:
“Aquele que em um Estado da União tiver regularmente depositado um pedido de patente, modelo de utilidade ou design, uma marca de indústria ou comércio, tem, perante os outros Estados, por um certo tempo, em restrição a direito de terceiros, uma prioridade.
Em conseqüência, nos demais Estados da União, antes do término da prioridade, o direito não se invalida pelo surgimento de novos fatos, como um depósito efetuado, em decorrência de publicidade da invenção ou sua utilização por terceiros, pelo oferecimento de amostras e exemplares do modelo ou decorrência do uso da marca.
O prazo de prioridade acima mencionado, no caso de patentes de invenção, é de seis meses e de três meses para os modelos de utilidade, design e marcas de indústria e comércio. Para Estados
.” além do oceano, o prazo é acrescido de um mês
Com a revisão em 1900 em Bruxelas, foi o período de prioridade para o pedido de patente ampliado para doze meses e o das marcas e modelos para quatro meses.
“Os prazos de prioridade acima mencionados serão de doze meses para as patentes de invenção e de quatro meses para os modelos industriais ou outros modelos, bem como as marcas de indústria e comércio.”101
Na Haia (1925) foi o prazo de prioridade para os modelos de utilidade ampliado para doze meses e o das marcas, modelos e design para seis meses, bem como estabelecido que somente o primeiro depósito é que seria a referência para a contagem deste período.
“C – Os prazos de prioridade acima mencionados serão de doze meses para as patentes de invenção e modelos de utilidade e de seis meses para os modelos de utilidade ou design e para as marcas de indústria e de comércio.”
Estes prazos têm o seu início a partir do primeiro depósito em um Estado-membro; o dia em que foi efetuado o protocolo não é considerado para o cálculo do período. O princípio da prioridade é uma das importantes alterações introduzidas pela Convenção da União de Paris no que diz respeito ao direito de patentes, pois influenciou nos pressupostos do princípio da territorialidade no que se refere à novidade inventiva.
Com a Convenção da União de Paris, foi encerrado uma fase da história do direito de patentes, onde imperava a incerteza, abrindo-se um novo período do desenvolvimento deste instituto, através do crescente número de tratados que se preocuparam em trazer a segurança para as relações decorrentes deste instituto e, por conseguinte, a estabilidade do mesmo.
Ocorre que, com o término do implemento das relações econômicas, principalmente na segunda metade do século XX, tem-se a necessidade de estabelecer novas regras internacionais, para a proteção da propriedade intelectual, com a inclusão de proteção para o direito autoral, folclore, conhecimentos tradicionais, programas de computador, além dos ramos tradicionais da propriedade industrial.
Nesse contexto, advém o Acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights). O mencionado acordo encontra-se inserido dentre os Tratados Constitutivos da Organização Mundial do Comércio, cujo termo constitutivo ocorreu em Marrakech, em 1994, cujo estabelecimento se deu em 1o de dezembro de 1995.
O TRIPS constitui um marco importante na proteção do direito da propriedade intelectual, na medida em que é constituído por patamares mínimos de proteção, nada impedindo que os Estados-Signatários fixem outros direitos, desde que não contrariando a algum preceito convencional.
Assim, em face do advento da nova Lei da Propriedade Industrial, compatibilizou o Brasil, no campo do Direito da Propriedade Industrial, sua legislação ao TRIPS, na medida em que estendeu proteção patentária a todos os setores de tecnologia, abolindo restrições outrora existentes como no campo de alimentos, produtos químicos e farmacêuticos.
O Acordo TRIPS implica um novo marco jurídico internacional, para o ramo do Direito da Propriedade Intelectual. Obriga os signatários à adoção de seus parâmetros.
É importante ressaltar que o TRIPS constitui um dos acordos de organização da Organização Mundial do Comércio, sendo que a adesão à OMC implica a aceitação de todos esses acordos, sem exceção.
Por outro lado, ao estabelecer padrões mínimos de proteção, o TRIPS estabelece mecanismos, no âmbito da OMC, para a solução de controvérsias. Esses procedimentos têm por meta verificar a infração, por parte de um estado, das obrigações assumidas. Verificando-se a infração a um dos dispositivos do TRIPS, abre-se a possibilidade de aplicação de retaliações em face do Estado infrator, inclusive com a aplicação de penalidades pecuniárias.
O TRIPS estabelece, no tocante à sua aplicabilidade, prazos de transição: a) países desenvolvidos – 1o janeiro de 1996;
b) países em vias de desenvolvimento – 1o de janeiro de 2000.
Por outro lado, estabelece o acordo algumas obrigações que os países devem cumprir a partir da data de constituição da OMC (1o de janeiro de1995), valendo, nesse ponto citar a aceitação de depósitos de pedidos de patentes para produtos agroquímicos e farmacêuticos. Esses pedidos terão seu procedimento sobrestado até a adoção pelo país em questão de legislação que proteja, através de patente, os mencionados produtos.
Observa-se, ainda, que o TRIPS determina a extensão de proteção patentária para todos os ramos de tecnologia, impedindo, igualmente, seja efetuada qualquer discriminação no que se refere ao local de produção dos produtos a serem patenteados. Da mesma forma, determina o acordo em comento que qualquer vantagem a ser outorgada em um acordo internacional seja estendida a todos os membros da OMC.
Aproveito a oportunidade para mais uma vez mencionar que o cumprimento das metas institucionais do INPI, de forma a cumprir os seus importantes deveres constitucionais, é importante e prioritário para o País. E para isto é preciso que resolvamos um dos nossos principais problemas, que é a questão da carência de pessoal.
Em trinta anos de existência, nossa autarquia realizou dois concursos públicos apenas.
O primeiro em 1997, do qual já perdemos muitos quadros, em função da concorrência salarial desigual com a iniciativa privada.
O outro no início desse ano, para contratação temporária, uma solução de emergência encontrada pelo governo para que não tivéssemos problemas de continuidade em nosso trabalho de recuperação da instituição.
As atividades do INPI sofreram profunda alteração com o advento da Lei no 9.279, de 14 maio de 1996. Em função dessa norma legal, passou o INPI a examinar questões relativas a biotecnologia, produtos farmacêuticos, químicos e alimentícios, além da imposição legal do exame, no prazo máximo de trinta dias dos contratos de transferência de tecnologia, serviços técnicos, fornecimento de tecnologia, sem que haja a transferência da mesma e franquia. Esses últimos documentos, caso não examinados no prazo em questão, são automaticamente averbados, com conseqüência na área cambial, na medida em que autorizam a remessa de divisas para o exterior.
Na área “marcária”, atribui a nova lei competência para o registro de indicações geográficas, cuja repercussão em setores do comércio, como os vinhos e alimentos, não é desprezível. Igualmente compete ao INPI a função de depositário dos programas de computador.
No que se refere a pedidos protocolados, os números em questão são:
Exatamente em função desse incremento do número de requerimentos formulados e no conseqüente esvaziamento de sua área de apoio técnico, viu-se o INPI obrigado a procurar outras soluções, mesmo que temporárias, de forma a evitar o aumento de procedimentos sem o devido processamento.
Na condição de signatário do Acordo Internacional TRIPS – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS ou Acordo ADPIC), aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 1994, o Brasil assumiu, junto à Comunidade Internacional, a obrigação de processar os pedidos de marcas e patentes, dentro de um prazo razoável, à luz do art. 62, itens 1 e 2, in verbis:
“Art. 62.
1. Os Membros podem exigir o cumprimento de procedimentos e formalidades razoáveis, como uma condição da obtenção ou manutenção dos direitos de propriedade intelectual estabelecidos pelas Seções 2 a 6 da Parte II. Esses procedimentos e formalidades serão compatíveis com as disposições deste Acordo.
2. Quando a obtenção de um direito de propriedade intelectual estiver sujeita à concessão do direito ou a seu registro, os Membros, sem prejuízo do cumprimento dos requisitos substantivos para a obtenção dos direitos, assegurarão que os procedimentos para a concessão ou registro permitam a concessão ou registro do direito num prazo razoável, de modo a evitar redução indevida do prazo de proteção.”
A administração do INPI tem procurado agir exatamente em função desse contexto. Como é do conhecimento de V. Sa., deve a Administração Pública pautar seus atos com a observância não somente da legalidade mas também da moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Consoante ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, a moralidade administrativa “está intimamente ligada ao conceito do ‘bom administrador’”, que, no dizer autorizado de Franco Sobrinho, “é aquele que, usando de sua competência legal, se determina não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum”.
Como se sabe, o correto e adequado desempenho das atividades-fim depende de correta execução da área meio, tendo-se, por conseguinte, que a primeira decorre da execução de atos administrativos, inerentes à ação de um servidor público, legalmente nomeado, haja vista a outorga de direitos deles decorrentes.
A questão relativa à terceirização de pessoal foi objeto de apuração por parte do Ministério Público Federal, que entendeu pela impossibilidade da política de terceirização adotada pelo INPI, o que foi plenamente acatado pela Administração do INPI, como também sugeriu a formalização de um termo de compromisso, de forma a viabilizar soluções que resolvessem o problema estrutural em comento.
Nesse sentido, foi editada a Portaria Interministerial no 235 MP/MDIC, de 17 de outubro de 2000, que autorizou o INPI a proceder à contratação temporária de pessoal, mediante concurso público, para atender as suas áreas finalísticas, que contou com aproximadamente cinco mil candidatos para um total de duzentas e quarenta vagas.
Conseguimos um reforço de duzentos e quarenta aprovados, contratados como servidores temporários, cujos contratos terminarão em 2002.
DEFESA COMERCIAL NO BRASIL
Lytha Battiston Spíndola
A abertura comercial brasileira, que teve início em 1990 e que vem-se consolidando desde então, baseou-se em três instrumentos principais: a redução tarifária, a eliminação dos controles administrativos e a desregulamentação das operações de comércio exterior. O Brasil hoje encontra-se inserido no cenário do comércio internacional de forma definitiva.
2. Como ocorre em todas as economias que praticam o livre-comércio, era preciso que o Brasil se preparasse para agir, com rapidez e eficiência, sempre que suas exportações sofressem restrições por meio de ações protecionistas, ou que suas importações incorporassem práticas desleais de comércio que prejudicassem o parque industrial nacional.
3. A consolidação da abertura comercial exigiu, portanto, que o governo dedica atenção prioritária ao setor de defesa comercial, aparelhando-o para o combate às práticas desleais de comércio.
4. Foi neste contexto que o Brasil aperfeiçoou seu sistema de defesa comercial. Os Acordos Antidumping, de Subsídios e Medidas Compensatórias e de Salvaguardas fazem parte do conjunto de normas da OMC, ao qual o Brasil aderiu formalmente no final de 1994, internalizado com o Decreto no 1.355, de 1994.
5. As práticas de dumping e de subsídios são consideradas desleais e, assim, a reação a esse tipo de comércio constitui-se legítima defesa; a imposição de direitos antidumping ou compensatórios atinge somente o transgressor, e seu objetivo é o de neutralizar o dano que a produção doméstica está sofrendo por conta desses artifícios.
6. A salvaguarda, por sua vez, busca atenuar o custo de ajustamento das indústriasnacionais diante de surtos de importação que estejam desestruturando o mercado interno. Na medida em que o setor beneficiado assuma compromisso de reestruturação competitiva e que seja dada compensação aos parceiros comerciais prejudicados que a solicitarem, pode-se, temporariamente, restringir tais importações.
7. Em todos os casos, é realizada uma ampla investigação com a participação de todas as partes interessadas, onde dados e informações são conferidos e opiniões são confrontadas, para que se possa impor um direito antidumping ou compensatório, ou aplicar uma salvaguarda. Nos casos de práticas desleais de comércio, a investigação deve comprovar a existência de dumping ou de subsídios, de dano à produção doméstica e de nexo causal entre ambos; para a utilização da salvaguarda deve-se constatar prejuízo grave causado por importações crescentes.
8. Todas essas demandas, que exigem trabalho sofisticado e eficiente, têm sidoatendidas pela Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O Departamento de Defesa Comercial (DECOM), a quem cabe essa competência, foi criado em maio de 1995, com a atribuição de executar as tarefas inerentes a investigações de defesa comercial, o que significa dizer que, além de conduzir as investigações contra práticas desleais e de salvaguardas e elaborar os respectivos pareceres, defende os exportadores sujeitos a estes mesmos tipos de processos no exterior.
9. Esta última tarefa está relacionada à vertente das exportações e, hoje, passa a terimportância fundamental diante da ameaça do aparecimento de uma nova onda protecionista, agravada pelo recurso, muitas vezes arbitrário, por parte dos países desenvolvidos, a medidas de defesa comercial como barreiras ao comércio.
10. Para o Brasil, é vital ampliar suas exportações e o papel da SECEX nesta área é o deimpedir que restrições protecionistas reduzam nossas vendas externas, especialmente aquelas já tradicionais, dos principais produtos de nossa pauta – exatamente aqueles em que somos competitivos.
11. Cabe ressaltar todo o trabalho desenvolvido na estruturação da SECEX/DECOM, que vem garantindo grande evolução do Brasil na área de defesa comercial. O conjunto de ações baseou-se nas seguintes linhas:
a) Adequação da Legislação Nacional ao GATT 1994
As decisões da Rodada Uruguai representaram avanços sobre a situação anterior – Rodada Tóquio – e introduziram uma série de modificações nas regras e procedimentos de defesa comercial. Embora o Decreto no 1.355 contemplasse tais alterações, foi necessário definir os regulamentos nacionais, para que tornassem operacional a aplicação dos instrumentos. Assim, foram elaborados e publicados os Decretos nos 1.488 (alterado pelo Decreto no 1.936), 1.602 e 1.751, que, respectivamente, regem a imposição de salvaguardas, direitos antidumping e medidas compensatórias.
b) Competências
Compete à Câmara de Comércio Exterior fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios; homologar compromisso de preços; e definir diretrizes para a aplicação das receitas oriundas da cobrança dos direitos antidumping e compensatórios.
Compete à Secretaria de Comércio Exterior decidir sobre a abertura de investigação e o início do processo de revisão do direito definitivo ou de compromisso de preços.
As decisões finais pertinentes a uma investigação para fins de aplicação de medidas antidumping, medidas compensatórias e de salvaguardas, bem como de revisão das mesmas, são tomadas com base em parecer formulado pelo DECOM. O parecer é levado à discussão no Grupo Técnico de Defesa Comercial (GTDC), instituído pela Resolução da CAMEX no 9, de 22 de março de 2001, e depois submetido ao COMEX (Comitê Executivo da CAMEX), presidido pela Secretaria Executiva da CAMEX. A Secretaria do GTDC é exercida pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM), que provê os meios necessários para o seu funcionamento.
O COMEX, por sua vez, é composto pelos seguintes membros: Secretário Executivo da
CAMEX; Secretários Executivos dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, da Fazenda, das Relações Exteriores, da Agricultura e do Abastecimento, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Subsecretário-Geral de Assuntos de Integração,
Econômicos e de Comércio Exterior do Ministério das Relações Exteriores, Secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Secretário da Receita Federal, Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil.
As decisões da CAMEX são tomadas por consenso, com base nas recomendações emanadas do COMEX.
c) Integração com o setor privado
Todo o empenho do governo para dar ao País um órgão competente e eficaz na área de defesa comercial tem tido como contrapartida a participação ativa dos empresários, que, em última análise, são os beneficiários de todos esses esforços. As dificuldades para lidar com a matéria vêm sendo superadas mediante trabalho conjunto e cooperativo, em que ambas as partes atuam com determinação e profissionalismo. É imperioso que os empresários tenham pleno conhecimento dos instrumentos disponíveis e tornem-se parceiros permanentes no aprimoramento de sua aplicação.
Nesta linha, a SECEX/DECOM já participou de mais de cinqüenta seminários, palestras e cursos – na AEB, CNI, FIRJAN, FIESP, FUNCEX, FIEB, FIESC, FIEMG, FIERGS, ABIQUIM, ENAEX, Ministério das Relações Exteriores, ESAF, ABIMAQ, ABINEE, ICEX, IBRAC, Associação Comercial do Rio de Janeiro, entre outros – específicos sobre defesa comercial, envolvendo cerca de 3.500 participantes, e pretende continuar este trabalho, tendo total disponibilidade e interesse em participar de novos eventos.
12. Os resultados têm sido animadores. As petições apresentadas pela indústria doméstica estão cada vez mais bem preparadas, possibilitando investigações mais consistentes. As partes acusadas – exportadores estrangeiros e importadores – têm participado de forma mais ativa, propiciando processos mais bem instruídos e exercitando saudavelmente o contraditório.
13. Os números também atestam a crescente credibilidade do sistema de defesa comercial brasileiro: foram recebidas pela SECEX/DECOM, no período 1995 até agosto de 2001, utilizando-se o critério pares produto/país, cento e vinte e duas novas petições, das quais noventa e oito resultaram em abertura de investigações, o que representa cerca de 80% de sucesso para o peticionário nacional.
14. Relativamente aos encerramentos de investigações, as estatísticas também apontam para uma considerável evolução. No mesmo período, 65% das investigações foram encerradas com aplicação de medidas de defesa comercial e 35% dos casos foram concluídos sem aplicação de medidas.
15. Estes resultados já são compatíveis aos dos principais aplicadores do mecanismo antidumping no mundo, como os Estados Unidos e a União Européia.
16. Das cinqüenta e uma medidas definitivas atualmente em vigor, onze direitos antidumping referem-se a exportações chinesas, cinco dos Estados Unidos e três da África do Sul, da França e do México, cada um, para mencionar apenas as de maior freqüência.
MEDIDAS DEFINITIVAS ATUALMENTE EM VIGOR
12. Levando-se em conta as investigações abertas e ainda não encerradas, estão em curso, no momento, doze investigações.
13. Com relação à atribuição de apoiar o exportador brasileiro sujeito a investigação noexterior, a SECEX/DECOM já coordenou a elaboração de quarenta e um processos, dando suporte ao empresariado nacional e a outros órgãos governamentais envolvidos e participou de inúmeras consultas com governos estrangeiros. Além disso, vem atuando ativamente na formulação da defesa do governo brasileiro no caso de processos para a aplicação de medidas compensatórias.
14. Com tal objetivo, a SECEX age em duas frentes – junto ao exportador brasileiro e juntoàs autoridades investigadoras. Relativamente às empresas brasileiras afetadas, entra em contato com as mesmas, ressaltando a importância de sua participação efetiva no processo, esclarecendo as regras existentes e, quando solicitado, orientando-as no preenchimento de questionários.
15. Vale ressaltar que atualmente (dados da OMC até 31 dezembro de 2000) existem 64 processos contra prática de dumping e de subsídios sobre as exportações de produtos brasileiros. Desse total, cinqüenta investigações foram encerradas com a aplicação de medidas e encontram-se em curso catorze investigações. O principal aplicador de medidas de defesa comercial contra o Brasil são os Estados Unidos (dezenove direitos em vigor e duas investigações em curso), seguindo-se a Argentina (nove direitos em vigor e sete investigações em curso) e o México (nove direitos em vigor e uma investigação em curso).