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Relatório do Painel 2:
Relator Ricardo Wahrendorff Caldas
1. Introdução
Este é o relatório do painel sobre o NAFTA, apresentado no seminário na Câmara dos Deputados entre os dias 23 e 24 de outubro de 2001, com o apoio do IPRI.
Participaram do bloco NAFTA, o Ministro Pedro Malan, como Presidente da Mesa, os Srs. Fernando de Mateo, Jeffrey Schott e Gilberto Dupas como expositores e o Deputado Antonio Kandir, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o jornalista Paulo Sotero Marques como debatedores. Coube a mim fazer o relato do painel.
Este artigo está dividido em três partes, da seguinte forma. A primeira parte faz uma síntese do contexto da criação do NAFTA, apresentando dados gerais sobre a criação do bloco e oferecendo um balanço dos resultados do mesmo. A segunda parte contém um breve resumo das posições defendidas pelos expositores do painel NAFTA: Dr. Fernando de Mateo, Dr. Jeffrey Schott e professor Gilberto Dupas, seguida pelos debatedores do painel: Deputado
Federal Antonio Kandir, o Embaixador Samuel Guimarães e o jornalista Paulo Sotero Marques. A partir de tais apresentações, a terceira parte propõe as conclusões do painel e sobre o tema de um modo geral.
2. NAFTA: Contextualizando os Acordos de Livre-Comércio
A OMC destaca que o NAFTA liga os Estados Unidos, o Canadá e o México desde 1994. Não é este, porém, o único acordo desfrutado por tais países. O Canadá concluiu um acordo de livre-comércio com o Chile, está negociando com a Costa Rica, com a Área Européia de Livre-Comércio (AELC), com o MERCOSUL e mais recentemente com Cingapura. Os Estados Unidos concluíram recentemente um acordo com a Jordânia, está negociando um outro com o Chile, Coréia, Cingapura e Turquia. O México, por sua vez, dispõe de acordos que cobrem 850 milhões de consumidores em trinta e um países.
Esses dados foram destacados porque existem muitas discussões sobre o NAFTA no Brasil e poucas entre elas mencionam a quantidade de acordos de livre-comércio existentes na América do Norte. Na verdade, o NAFTA é apenas um deles. O fato de um país assinar um acordo de livre-comércio não o impede de assinar outros acordos com outros países. De fato, os países integrantes do NAFTA não se limitaram a ele, partindo para acordos de livre-comércio fora do continente, com outros países e unidades comerciais. É importante ter em mente, portanto, que os acordos de livre-comércio existem para expandir as oportunidades comerciais de seus integrantes e não para reduzi-las ou limitá-las.
3. NAFTA: mitos e fatos
O NAFTA foi formado a partir de uma iniciativa do México, que pretendia solidificar a sua política de liberalização comercial. De todas as associações, o NAFTA é a que tem menos membros. Tem apenas três membros. Em linhas gerais, o NAFTA visava, entre outros objetivos mais complexos, a redução de tarifas na região. Esse fato não deixa de causar surpresa, porque ele tem, entre seus membros, países em diferentes estágios de desenvolvimento, como o México e os Estados Unidos. O surgimento do NAFTA desencadeou forte crescimento na região entre 1994 e 1996. O NAFTA responde por cerca de 20% das transações do comércio internacional e detém um mercado que não pode ser ignorado.
Ao contrário do que se afirma regularmente, houve um crescimento das exportações de todos os países da região. O comércio interno dos países do NAFTA era de US$ 239,6 bilhões em 1990. Um ano após o NAFTA, em 1995, o comércio era de US$ 394,5 e no ano 2000 atingiu US$ 685,6 bilhões. É importante destacar esse fato para não se consolidar temores comuns como aquele que sustenta que o NAFTA foi benéfico apenas para os Estados Unidos ou que o NAFTA prejudicou o México. Na verdade, fluxos de comércio crescem em todas as direções. Esse fluxo pode ser constatado na tabela que se segue:
EXPORTAÇÕES DE MERCADORIAS DO NAFTA POR PAÍS DE DESTINO,
1990-2000
Percebe-se assim que o comércio dentro do NAFTA claramente superou o crescimento com o resto do mundo. De fato, enquanto a evolução do comércio entre os países do NAFTA cresceu 73,8% entre 1995 e 2000, passando de US$ 394,5 bilhões para US$ 685,6 bilhões, o crescimento dos países do NAFTA com os demais países cresceu apenas 16,5% no mesmo período, subindo de US$ 462,0 bilhões para US$ 538,5 bilhões. Certamente a variação global das exportações dos países do NAFTA com o mundo também foi inferior ao comércio intra-regional. Com efeito, as exportações mundiais dos países do NAFTA aumentaram 42,9%, passando de US$ 856,5 bilhões para US$ 1.224,1 bilhões.
É certo que tal aumento do comércio intra-regional traz sérias preocupações para os demais países não-integrantes do acordo. Assim, tanto os países do continente, como os de outros continentes, passaram a se preocupar com questões relativas a desvios de comércio. Neste caso, os países do NAFTA estariam conscientemente deixando de comprar produtos de origem extra-regional para darem preferência aos integrantes do acordo regional. Essa prática não é encorajada ou permitida pelas normas da OMC.
De um modo geral, é extremamente difícil a comprovação de desvios de comércio. Tais desvios ficariam mais claros se houvesse ocorrido uma sensível redução no total de importações de outras áreas enquanto as exportações de países do acordo tivessem aumentado substancialmente.
Na tabela que se segue, pode-se observar que, embora as importações dos países da América do Norte (Estados Unidos e Canadá) tenham crescido substancialmente, elas não levaram a uma redução das importações de outras regiões. Ao contrário, alguns países de fora da região como o Brasil tiveram um aumento das suas exportações nos anos recentes e que são superiores ao do próprio crescimento do comércio intra-regional.
VARIAÇÃO ANUAL DAS IMPORTAÇÕES DOS PAÍSES DO NAFTA
Na década de noventa, o país que apresentou o maior crescimento em suas exportações para a América do Norte foi a China, que não faz parte do NAFTA nem se localiza no Continente Americano. As exportações chinesas cresceram a uma média surpreendente de 20% ao ano. Outros países a apresentar uma evolução semelhante à da China em suas exportações não foi nem um outro país do NAFTA, mas os antigos integrantes da extinta União Soviética, agora membros da Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Estes também apresentaram um crescimento das suas exportações da ordem de 20,0% ao ano para a América do Norte (Estados Unidos e Canadá) nos anos noventa.
Se, ao contrário, nos concentrarmos nos últimos três anos, chegar-se-á à conclusão que os países que apresentaram a maior evolução nas suas exportações foram países não apenas não-integrantes do NAFTA, mas sem tradição de uma alta participação no comércio internacional. A África se destacou – após uma retração em 1998 e 1999 – com um aumento recorde em suas exportações de 57% no ano 2000, certamente a maior da década. Ela foi seguida pelos países do Oriente Médio com aumento de suas exportações de 31% em 1999 e 52% no ano 2000. Depois desse grupo de países, encontra-se novamente os países da CEI, que tiveram um aumento de suas exportações de 27,0% em 1998, 5,0% em 1999 e de 35% no ano 2000. Apesar de inúmeras ameaças recebidas de práticas de dumping, encontra-se, após tais países, a Coréia do Sul, com uma variação de suas exportações para a América do Norte de 5% em 1998, 29% em 1999 e de 29% no ano 2000.
Como não se vislumbrou nenhuma mudança estrutural do comércio dos Estados Unidos nos últimos anos, pode-se facilmente concluir que o NAFTA não levou a desvios de comércio, mas, ao contrário, estimulou os fluxos de comércio, inclusive de países de fora da região, tal como a teoria de livre-comércio prevê. É falsa a afirmação que muitos autores fazem de que o NAFTA não gera comércio. Procurou-se demonstrar que o fluxo comercial cresceu em todo o período analisado, antes e depois do NAFTA.
Uma outra importante crítica que se coloca pelos opositores do livre-comércio em relação ao NAFTA é o papel dos pequenos países ou das pequenas economias. Os críticos do livre-comércio dizem que o México está sendo anexado pela economia do seu gigante vizinho, os Estados Unidos. Nessa perspetiva, a economia mexicana perde importância continuamente para o país líder da região, no caso os Estados Unidos. Ainda de acordo com tal raciocínio, o México se especializaria na produção de mercadorias de baixo valor agregado, tornando-se um mero fornecedor de matérias-primas para os Estados Unidos.
A teoria do livre-comércio, ao contrário, propõe uma perspectiva absolutamente distinta. Ela sugere que quanto menor a economia, maiores os ganhos com a abertura comercial. Assim, os pequenos países ou as pequenas economias tendem a ganhar mais com o livre-comércio pois elas não podem produzir todos os bens que necessitam domesticamente a não ser a um custo social altíssimo. Quanto aos produtos a serem exportados, a teoria de livre-comércio não diz que as pequenas economias devem necessariamente se especializar em matérias-primas ou commodities, mas naqueles bens em que elas tenham uma clara vantagem comparativa. Estes podem ser bens agrícolas, industriais ou serviços. Vejamos o que aconteceu de fato na próxima tabela:
PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL E CRESCIMENTO DOS ESTADOS UNIDOS, CANADÁ E MÉXICO NO COMÉRCIO REGIONAL – NAFTA
O que se pôde observar na tabela anterior é que, na verdade, o país que apresentou o maior crescimento no comércio regional não foi os Estados Unidos, como querem os críticos do NAFTA, mas o México. De fato, enquanto as exportações dos Estados Unidos e do Canadá para os países do NAFTA cresceram na década de noventa cerca de 10% ao ano, as do México cresceram em torno de 17% ao ano.
Se formos considerar apenas o período pós-NAFTA, os resultados serão semelhantes. Nos últimos dois anos, por exemplo, enquanto as exportações dos Estados Unidos cresceram
8% em 1999 e 16% em 2000, as do Canadá evoluíram no mesmo período em 13% e 18%. As do México, por outro lado, cresceram de 19% e 24% em 1999 e 2000, respectivamente. Tal crescimento foi superior ao das exportações do bloco como um todo, que foram de 12% e 18% em 1999 e 2000. Como resultado de tal avanço substancial das suas exportações, o México encontra-se entre os maiores exportadores do planeta, exportando cerca de US$ 166,4 bilhões no ano 2000.
Em função de tal nível de exportações, o México passou a ocupar a décima quinta posição no ranking mundial, anos-luz na frente do Brasil, que ocupa a vigésima oitava posição com exportações de apenas US$ 55,1 bilhões. Note-se que tal evolução de algo em torno de 308,8% por parte do México ocorreu essencialmente nos anos noventa, pois a economia mexicana exportava apenas cerca de US$40,7 bilhões em 1990. A evolução das exportações dos Estados Unidos foi cerca de 98% (de US$ 393,6 bilhões para US$ 781,1 bilhões) e a do Canadá de 116,7% (passando de US$ 127,6 bilhões para 276,6 bilhões). Não é correto afirmar, portanto, que os Estados Unidos foram os principais beneficiados pelo NAFTA, em termos de crescimento das exportações, mas o México, seguido pelo Canadá.
Essa descoberta é absolutamente consistente com a teoria de livre-comércio apresentada acima, que afirma que quanto menor a economia maior o benefício ocorrido em função abertura do mercado ao livre-comércio.
Tendo sido relatado alguns fatos básicos sobre o NAFTA, apresentar-se-á as diferentes perspectivas dos expositores.
4. A perspectiva dos expositores
4.1. Gilberto Dupas
O professor Dupas inicialmente discutiu se existe uma relação entre o crescimento das exportações em contraposição ao crescimento do PIB. Ele destacou que o crescimento da economia mundial entre 1985 e o ano 2000 foi baseado na evolução das exportações. De fato, estas cresceram ao dobro do crescimento da produção mundial (ou do PIB). Ele sugere então que existe um paradoxo. Como as exportações – que também são parte da produção – podem crescer mais rápido que o crescimento da produção (ou do PIB)?
Para ele, a explicação para tal paradoxo está na diversificação das produção mundial. Pelo fato da produção estar diversificada geograficamente no plano mundial, ela pode se transferir de um país para outro via Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Além disso, ele sugeriu que as exportações muitas vezes incorrem em dupla contagem uma vez que muitos produtos são reexportados e aparecem duas vezes contados como exportações, mas na realidade há apenas um consumo final (exemplo produção de café em grãos e do consumo de café em pó ou solúvel).
Um outro fenômeno destacado pelo professor Dupas é a questão da apropriação do comércio internacional. Ele levanta a questão de quais foram os países mais beneficiados pela evolução do comércio internacional recente (de 1985 a 2000). Ele conclui que os países mais beneficiados pelo crescimento econômico nos últimos quinze anos (de 1985 a 2000) foram os seguintes de acordo com a tabela:
PAÍSES QUE APRESENTARAM MAIOR
CRESCIMENTO NA PARTICIPAÇÃO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
(1985 – 2000)
Para ele, não existe uma relação automática entre o crescimento na participação no comércio internacional e a participação em processo de integração regional. O professor Dupas sustentou que, por exemplo, no caso do México não se pode negar que este país conseguiu se apropriar de parcela importante do crescimento do comércio internacional e, mais precisamente, do crescimento da economia dos Estados Unidos. No entanto, tal apropriação não está relacionada com o bloco regional em si – no caso, o NAFTA –, mas com a distribuição da produção de mercadorias por parte das empresas.
Dessa forma, na visão do professor Dupas, a chave para compreensão desse rápido crescimento da economia mexicana e, notadamente, de suas exportações, é entender o processo de atuação das empresas transnacionais. De fato, ele destacou que 25% do PIB dos Estados Unidos é produzido fora do território do país, atingindo a espantosa cifra de US$ 2,4 trilhões. Por outro lado, cerca de 20% da produção dos Estados Unidos (ou US$ 1,9 trilhões) correspondem a bens de empresas estrangeiras que detêm filiais naquele país.
A decisão para uma empresa se instalar em outro país não está relacionada com o preço (ou custos de mão-de-obra), mas sim com a formação de clusters tecnológicos. É por esta razão que as empresas dos Estados Unidos optaram por se instalar principalmente na Europa (que corresponde a cerca de 55% do IDE dos Estados Unidos) e não na Ásia (18%) ou no Canadá (8%).
O professor Dupas procurou argumentar que, se o NAFTA foi bom para o México em termos de crescimento econômico e de crescimento das exportações, ele não traria – para o Brasil necessariamente os mesmos resultados que trouxe para a economia mexicana. O seu argumento é que, por ser vizinho dos Estados Unidos, o México pode irrigar aquele país com mão-de-obra barata e ilegal, o que auxilia no funcionamento da economia dos Estados Unidos. O fato de ela ser ilegal faz com que, em períodos de recessão, seja possível aos Estados Unidos devolver essa população constituída de mão-de-obra ilegal de volta ao seu país de origem. Além disso, com a criação das maquiladoras, o México se integra no processo produtivo dos Estados Unidos de maneira inteligente e sinérgica. Apesar de ter aumentado as suas exportações consideravelmente, o México continua a ter déficit com os Estados Unidos, o que só pode ser compensado com Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Tal IDE terá exatamente como alvo – na opinião do professor Dupas – as maquiladoras mexicanas – o que fecharia o ciclo de crescimento do investimento estrangeiro (IDE) e crescimento das exportações. Um efeito atrativo para a economia norte-americana é o custo de mão-de-obra mexicana – um décimo do custo da mão-de-obra dos Estados Unidos (US$ 13,0 a US$ 14,0 dólares por hora do trabalhador nos Estados Unidos contra cerca de US$ 2,70 a US$ 3,00 por trabalhador-hora no México).
O resultado da internacionalização da economia do México em virtude do IDE foi a criação de tradings mexicanas. Das vinte maiores empresas exportadoras da América Latina, nove são mexicanas. Essas empresas ditas mexicanas na verdade são filiais de transnacionais, como a GM, VW, Nissan, etc. Além disso, o processo de privatização do México gerou empresas transnacionais mexicanas de capital nacional. Com efeito, das vinte maiores empresas da América Latina, oito são mexicanas.
Para o professor Dupas, a grande assimetria do NAFTA em relação ao resto das
Américas é a assimetria produção versus população. Ele nota que o NAFTA representa 87% da produção (do PIB ) nas Américas, mas apenas 49% da população.
O fato de existir uma população maior fora do NAFTA com menor produção indica a possibilidade de uma grande capacidade de produção não explorada (ociosa ou mesmo potencial) e, talvez, de crescimento das exportações. Pelo fato dos mercados centrais estarem saturados – a produção de carros nos Estados Unidos cresce cerca de 1% ao ano e 70% da população já dispõe de Internet e computadores contra 3% no Brasil – faz com a que as transnacionais vislumbrem o mercado dos demais países da região como um grande mercado potencial. No caso do MERCOSUL, a abertura das economias gerou um aumento das exportações de 60% para os Estados Unidos, mais um aumento de importações originadas naquele país de 150%. Em decorrência do déficit comercial, os países do MERCOSUL foram obrigados, em sua maioria, a manter uma política de abertura ao capital estrangeiro, que teve êxito em função da coincidência com a política de privatização, como no caso do Brasil.
É nesse contexto de poder econômico/PIB x população que gira o poder de barganha dos países das Américas na discussão da ALCA. Para o professor Dupas, os Estados Unidos – unicamente para manter sua posição hegemônica – mantêm os subsídios no plano interno, tanto na área agrícola, via renda direta para os agricultores, como barreiras – tarifárias ou não-tarifárias – aos setores industriais, como aço. Além disso, as empresas transnacionais sediadas nos Estados Unidos têm se utilizado, de forma crescente, de paraísos fiscais e benefícios tributários para não pagarem impostos, o que cria uma vantagem competitiva para elas.
Assim, em sua visão, a explicitação da lógica das cadeias produtivas globais é fundamental para a compreensão e o entendimento da dinâmica do NAFTA, bem como para a possibilidade deste bloco ganhar espaço na integração mundial.
Dessa forma, o professor Dupas concluiu afirmando que a inserção que o México conseguiu não serve de exemplo para o Brasil. Os atentados terroristas nos Estados Unidos vão fazer com que os Estados Unidos se voltem – ao menos no curto prazo – para as suas próprias questões, como o problema da segurança no país, por se tratar de um estado ameaçado pelo terrorismo.
4.2. Jeffrey Schott
O Dr. Schott considera que a iniciativa do NAFTA é comparável à da ALCA em alguns sentidos:
− Os Estados Unidos fazem parte de ambas, representando o maior PIB da região;
− Ambas as iniciativas incluem países desenvolvidos (PDs), e países em desenvolvimento (PEDs); − Ambas têm objetivos políticos, ainda que estes sejam diferentes em cada uma delas.
A diferença do PIB, porém, é maior na ALCA que no caso do NAFTA. Enquanto a diferença do PIB dos Estados Unidos para a do México é de vinte vezes, no caso dos Estados Unidos para todo o Caribe/América Central é superior a cem vezes.
A questão que o expositor coloca é: por que alguns acordos regionais prosperam e outros não? Ele responde a essa pergunta em função da experiência do NAFTA.
Para que um processo de integração regional prospere, é importante que ele tenha objetivos claros e definidos. No caso do NAFTA, os objetivo são:
− Promover o crescimento econômico;
− Estimular o IDE;
− Combater a inflação; e
− Acirrar a competição nos mercados domésticos.
O expositor observou que o NAFTA contribuiu para tornar as empresas dos Estados
Unidos ainda mais eficientes e produtivas. Pode-se afirmar também que as empresas tiraram vantagem das economias de escala e da especialização oferecidas pelo NAFTA. Segundo o Dr. Schott, o NAFTA foi o grande responsável tanto pelo crescimento econômico do México pós-crise (1995), como pelo crescimento do comércio bilateral México-Estados Unidos, que passou de cerca de US$ 81 bilhões em 1993 para US$ 248 bilhões no ano 2000. O comércio do NAFTA cresceu também em direção a países de fora do acordo, conforme visto na parte inicial deste artigo.
Quais as lições que o NAFTA oferece para a ALCA? Para o expositor, a principal lição é que existe um grande mercado potencial nas Américas que não foi explorado, como o exemplo do México ilustra. O Dr. Schott acredita que, guardadas as devidas proporções em função do tamanho da economia brasileira ser cerca do dobro da economia mexicana, se o Brasil tivesse o mesmo acesso que o México teve ao mercado dos Estados Unidos, o comércio do Brasil-Estados Unidos poderia passar facilmente para pelo menos cerca de US$ 70 a 80 bilhões ao ano.
O fato é que todos os processos de integração regional geram oportunidades de negócios. No entanto, é preciso que as políticas macroeconômicas (política monetária, política cambial, política tarifária, etc.) sejam consistentes com a política de integração regional.
Muito embora o NAFTA não preveja explicitamente políticas macroeconômicas convergentes, existe uma política de cooperação implícita, situação em que não interessa a nenhuma das partes que a outra entre em dificuldades. O exemplo citado pelo expositor foi o da crise do México de 1995, onde os Estados Unidos prontamente organizaram um pacote de resgate da economia mexicana.
O Dr. Schott pensa que a ALCA deve seguir o exemplo do NAFTA. Para tanto, as empresas devem aproveitar as oportunidades que se lhes apresentam, em termos de economias de escala, especialização e distribuição de produção dentro do bloco.
Além disso, um ponto importante para o sucesso do NAFTA foi, na opinião do Dr. Schott, o fato de ele respeitar a existência de diferentes níveis de desenvolvimento entre os países envolvidos, bem como diferentes graus de liberalização, dependendo da área negociada. Assim, enquanto as barreiras industriais prevêem um período de cinco a dez anos para serem derrubadas, as da área agrícola prevêem um prazo de até quinze anos (janeiro de 2009). Ele acredita que a ALCA terá prazos ainda maiores devido à diversidade dos parceiros nela incluídos. No entanto, o expositor destacou que a própria dinâmica do processo de integração pode levar a uma antecipação das datas de abertura comercial.
Além disso, o ideal seria que certos problemas comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil fossem resolvidos antes das negociações da ALCA terem começado, como no caso da siderurgia.
Um outro aspecto para o qual o Dr. Schott chamou a atenção é que se deve sempre buscar o melhor resultado das negociações, sem se deixar afetar pelos aspectos emocionais do problema, por mais intransponível que ele possa parecer.
4.3. Fernando de Mateo
O Dr. Fernando de Mateo sustentou que o México se tornou um dos maiores exportadores do planeta nos últimos dez anos e considera que o NAFTA exerceu um importante papel nesse sentido. O gráfico que se segue apresenta os maiores exportadores do planeta. Nele, a União Européia está incluída como uma unidade comercial.
PRINCIPAIS PAÍSES EXPORTADORES
Fonte: Apresentação do Dr. Fernando de Mateo.
EVOLUÇÃO DAS EXPORTAÇÕES MEXICANAS
Fonte: Apresentação do Dr. Fernando de Mateo.
Outro aspecto importante no crescimento das exportações do México foi o fato de este país ter realizado nada menos que trinta e um acordos de livre-comércio envolvendo uma população de 850 milhões de habitantes. Assim, segundo o Dr. Fernando de Mateo, o crescimento da economia mexicana nos últimos anos se baseia no dinamismo do setor exportador.
Com efeito, ele assinalou que as exportações dobraram sua participação no PIB, passando de 15%, em 1993, a 33%, em 2000. O Dr. Mateo considera também que a metade dos novos empregos criados nos últimos anos se deve às exportações.
As principais vantagens dos Acordos de Livre-Comércio para o México são as seguintes, de acordo com Dr. Mateo:
− Garantem acesso ao mercado de trinta e um países em três continentes;
− Permitem o acesso a matérias-primas a preços baixos e qualidade internacional;
− Asseguram uma melhora nos serviços e uma redução de custos;
− Oferecem garantias de certificado de origem;
− Criam um marco atrativo para o investimento estrangeiro, estabelecendo regras claras no caso de expropriação;
− Geram crescimento econômico e emprego, assim como financiamento de longo prazo na conta corrente, o que contribui para a estabilidade do país;
− Os Acordos de Livre-Comércio são um instrumento para incrementar o conteúdo nacional das exportações e a integração das cadeias produtivas;
− O NAFTA tornou o México o segundo maior parceiro dos Estados Unidos depois do Canadá, já tendo ultrapassado o Japão em termo de exportações para os Estados Unidos.
A questão da ALCA também foi abordada pelo Dr. Fernando de Mateo. Ele destacou que a ALCA servirá para unir os trinta e quatro países do Continente por meio de um projeto comum, qual seja, o do livre-comércio. Ela tem como objetivo eliminar as barreiras ao comércio de bens e serviços, assim como as barreiras aos investimentos entre os trinta e quatro países do continente. A ALCA está sendo negociada de acordo com as normas da OMC, constituindo-se um compromisso único que incorpora os direitos e obrigações que se estabeleçam mutuamente para todos os países-membros.
Na visão do Dr. Mateo, o México se beneficiou do livre-comércio, em geral, e do NAFTA, em particular. A ALCA permitirá, ele acredita, diversificar os mercados do México e dos demais países integrantes. Os exportadores mexicanos terão a vantagem da experiência adquirida nos acordos de livre-comércio firmados, aproveitando ao máximo o estabelecimento da ALCA. Esta incorporará ao setor exportador pequenas e médias empresas, que poderiam atender a nichos específicos de mercados, de acordo com a sua capacidade produtiva.
Os produtores mexicanos poderão vir a se beneficiar de uma maior variedade de bens e serviços. A ALCA poderá oferecer ao México um marco legal em seu comércio com os países da América que ainda não têm um acordo de livre-comércio com aquele país.
O Dr. Fernando de Mateo concluiu afirmando que os acordos de livre-comércio foram benéficos para o México, impulsionando o crescimento econômico e gerando empregos. A recente desaceleração da economia mundial teve um impacto negativo na economia mexicana. No entanto, pela primeira vez em três décadas, não se refletiu em uma crise cambial ou financeira. A inflação e as taxas de juros – ambas na casa de um dígito –, se mantêm reduzidas e o padrão adotado de câmbio flexível se mantém relativamente estável. As exportações devem continuar a exercer o papel de um dos principais geradores de produto e emprego no México.
5. Debatedores
Foram três os debatedores presentes ao painel “A experiência do NAFTA”: o Deputado Antonio Kandir; o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o jornalista Paulo Sotero Marques. As intervenções dos debatedores podem ser sintetizadas da forma que se apresentará a seguir:
5.1. Antonio Kandir
A intervenção do Deputado Kandir se concentrou em cinco pontos fundamentais. Em primeiro lugar, ele destacou que o processo de liberalização comercial tende a fortalecer as instituições de política econômica e a própria política econômica, na medida em que o país terá de se preocupar com a competitividade externa de seus produtos. Como resultado, o desempenho da política econômica tende a melhorar.
Em segundo lugar, o Deputado Kandir chamou a atenção para o fato que o sucesso da liberalização comercial não pode estar condicionada a um único acordo, mas a vários acordos. No caso do México, foram realizados trinta e um acordos comerciais com países dos vários continentes.
O Deputado Kandir destacou ainda, em terceiro lugar, ao contrário do que afirmou o pesquisador Jeffrey Schott, que a ALCA não é um mero prolongamento do NAFTA. Esse fato decorre, na opinião do Deputado Kandir, em função das especificidades do acordo do México com os Estados Unidos e, em particular, da questão das maquiladoras.
Além disso, e em quarto lugar, para o Deputado Kandir, o Acordo da ALCA é interessante para a economia brasileira da mesma forma que o NAFTA o foi para a economia mexicana: ele revela o potencial do mercado dos Estados Unidos, tanto em termos de população (mais de 250 milhões de pessoas), como em termos de renda do mercado consumidor, cujas importações anuais totais foram superiores a US$ 1,4 trilhão no ano 2000.
Foi ainda salientado pelo Deputado Kandir, em quinto lugar, que, se a ALCA – e o mercado dos Estados Unidos – representa um grande potencial para países como o Brasil, ela possui inerentemente a si, da mesma forma, um grande risco potencial. Esse risco decorre do poder econômico do parceiro – os Estados Unidos – de impor acordos comerciais aos demais.
As questões que preocupam o Deputado Kandir em relação ao NAFTA foram essencialmente as seguintes:
− A intervenção do Congresso dos Estados Unidos, ferindo decisões do NAFTA, como no caso dos caminhões mexicanos;
− O capítulo 11 do NAFTA, o qual permite que empresas questionem decisões dos Estados, tanto no plano federal, quanto no plano estadual. Assim ficam colocados no mesmo nível Estado e empresas;
− O NAFTA apresenta problemas de regulação, como no caso citado anteriormente, que poderão ser enfrentados pela ALCA;
− O comércio exterior precisa acompanhar o desempenho das demais políticas econômicas. De nada adianta abrir a economia, controlar a inflação se o setor exportador não responde, como no caso do Brasil;
− Deve-se decidir quais são as questões regionais e quais são as questões globais. O tema do antidumping deve ser considerado como uma questão global, relativa à OMC e não discutida na ALCA ou com a União Européia;
− O Brasil deve ter uma postura ousada de negociar simultaneamente vários acordos comerciais.
5.2. Samuel Pinheiro Guimarães
Como o professor Jeffrey Schoot, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães considera que a ALCA teria algumas semelhanças com o NAFTA, que lhe servirá de base.
Esse fato decorre, na opinião do Embaixador, de vários motivos. Em primeiro lugar, da limitada capacidade de negociação dos países menores. Ele nota a diferença de PIB entre os países maiores e menores na ALCA da mesma forma que o que ocorreu no NAFTA com o México. O teor do acordo (da ALCA) tende a ser o mesmo, e o Embaixador acredita que as concessões oferecidas ao México devem ser estendidas aos demais países das Américas.
Além disso, o Embaixador sustentou que, assim como na ALCA, cada país entrou nas negociações com objetivos distintos. No caso do Canadá, o objetivo principal era não ficar de fora das negociações que estavam sendo realizadas entre o México e os Estados Unidos. No caso dos Estados Unidos, o seu objetivo, segundo o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, era, entre outros, ter acesso às fontes de energia mexicana. Além disso, graças à mão-de-obra barata mexicana, os Estados Unidos pretendiam reduzir os custos operacionais de suas empresas e recuperar a sua competitividade global perdida nos anos oitenta. Para o México, o NAFTA apresentava uma oportunidade sem igual de atrair capital estrangeiro e estimular o seu crescimento econômico.
O Embaixador Samuel destacou as vulnerabilidades externas associadas com o NAFTA e com a ALCA. Ele mencionou especificamente a crise do peso, onde o México necessitou de uma ajuda de US$ 47 bilhões para se reerguer. A expectativa que o Brasil tem de obter superávits comerciais por meio de um aumento das exportações com a ALCA pode não se realizar. O México, apesar de ter conseguido triplicar suas exportações ao longo dos anos noventa, continua em déficit com os Estados Unidos, em torno de US$ 10 bilhões ao ano. Para cobrir esse déficit, o México tem de estimular a entrada de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) na sua economia. Além disso, a entrada de investimentos estrangeiros nos demais países das Américas, ao invés de estimular as exportações, pode-se voltar para o mercado doméstico. Nesse caso, como o crescimento econômico gera uma demanda por importações, o resultado pode ser um aumento do desequilíbrio externo e não o contrário.
Outra fonte de preocupação que o Embaixador procurou manifestar foi a da dependência externa. O Embaixador enfatizou que, não obstante o fato de o México ter buscado uma diversificação das suas exportações e, para tanto, ter assinado um total de trinta e um acordos de livre-comércio, na verdade houve uma concentração do comércio do México com os países do NAFTA, o qual predominou sobre os demais. De fato, as exportações do México para os Estados Unidos correspondem atualmente a cerca de 90% de suas exportações totais. Assim, na visão do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o México se tornou vulnerável aos ciclos de crescimento da economia dos Estados Unidos e às mudanças na orientação da política econômica deste país.
O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães destacou ainda que o Brasil corre o risco de ter incluído na ALCA aspectos que não são do seu interesse, como o capítulo 11 do NAFTA, e não discutir matérias que são do seu interesse, como a questão do antidumping e dos subsídios agrícolas.
5.3. Paulo Sotero Marques
O jornalista Paulo Sotero apresentou um ponto de vista diferente dos demais. Ele considera que a ALCA será muito diferente do NAFTA. Para começar, cita a questão geográfica. O fato de o México estar fisicamente ao lado dos Estados Unidos faz uma diferença na lógica da integração regional, uma vez que as empresas transnacionais dos Estados Unidos podem estabelecer filiais no primeiro país para se beneficiar dos custos menores de mão-de-obra. Além disso, a economia dos Estados Unidos utiliza a mão-de-obra dos milhões de mexicanos que vivem ilegalmente naquele país para funcionar. Pode-se acrescentar que, devido ao fato de parte do tráfico de drogas passar pelo território mexicano, hoje o México é considerado como parte da questão de segurança nacional dos Estados Unidos. Por esse motivo, o Presidente George W. Bush propôs uma anistia aos trabalhadores ilegais mexicanos nos Estados Unidos, que deverá ser analisada quando a questão do Afeganistão for superada.
Um outro aspecto que o jornalista Paulo Sotero destacou foi a questão do crescente apoio do México ao NAFTA. Neste país se formou praticamente um consenso ao mesmo. No entanto, ao mesmo tempo, nos Estados Unidos ocorreu um processo inverso. Os sindicatos dos Estados Unidos, em particular, protestam em relação ao Acordo e se opõem à concessão do
Trade Promotion Authority (TPA), que é a autorização que o Congresso dos Estados Unidos oferece para o Executivo negociar acordos internacionais.
Dessa forma, a oposição interna nos Estados Unidos tem prejudicado a aprovação do TPA, o qual tinha por objetivo dar mais liberdade aos negociadores do país em relação à ALCA.
O NAFTA trouxe importantes conseqüências para o México, na visão do jornalista
Paulo Sotero, para os quais o Brasil deveria atentar. Em primeiro lugar, o México conta hoje com uma democracia em funcionamento. Em sua opinião, o NAFTA aprofundou o processo de democratização mexicano. Além disso, o NAFTA gerou a necessidade do México de formar uma equipe exemplar de negociadores, o que foi colocado em prática. O México aprendeu com os Estados Unidos, que têm uma estrutura de vinte mil técnicos especialistas.
Em sua opinião, o Brasil deveria seguir no mesmo caminho.
6. Conclusões do painel “A experiência do NAFTA”
Não houve um consenso quanto à origem do desempenho do NAFTA e, em particular, do México. Embora seja inegável o aumento dos fluxos comerciais mexicanos, não houve sequer concordância quanto às causas. Para alguns expositores, está relacionado com os Acordos de Livre-Comércio (Fernando de Mateo), enquanto, para outros, está relacionado com divisão internacional de trabalho e com a distribuição da produção geográfica das empresas transnacionais.
Também não houve um consenso em relação à questão da adoção do NAFTA e da ALCA. Alguns expositores acreditam que a ALCA seguirá o exemplo do NAFTA (Dr. Fernando de Mateo, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães), enquanto outros expositores defenderam o ponto de vista que serão experiências absolutamente distintas (Professor Dupas e o jornalista Paulo Sotero Marques). O argumento principal é que o NAFTA reúne apenas três países, enquanto a ALCA reunirá trinta e quatro, além do fato da distância do
PIB ser superior a cem vezes entre o maior país do bloco e o menor no caso da ALCA, enquanto no NAFTA esta diferença não passa de vinte vezes.
As opiniões sobre a possibilidade de o Brasil vir a seguir, na ALCA, o modelo da inserção adotado pelo México, no NAFTA, também divergiram. Alguns dos expositores que representaram este último ponto de vista enfatizaram que o NAFTA é um modelo único, porque o grau de inserção obtido pelo México só foi possível em função do interesse das empresas dos Estados Unidos em se beneficiar do acesso ao mercado do México e porque aos Estados Unidos interessa desenvolver o crescimento da economia mexicana para desestimular a migração de mão-de-obra México-Estados Unidos.
Um aspecto interessante no caso do NAFTA e que pode ser destacado no caso da
ALCA – caso esta venha se concretizar – é o objetivo dos atores. O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães observou que os objetivos dos atores no caso do NAFTA eram absolutamente díspares – embora não necessariamente divergentes. Ora, se entre apenas três países obtinha-se objetivos diversos no mesmo processo de formação de uma área de livre-comércio, imagine-se então em uma reunião visando a negociação de uma área de livre-comércio que abrangerá trinta e quatro países, o que será um fato inédito no globo.
Esse fato se agrava em função das normas que foram adotadas para guiar este acordo. Duas delas – a do consenso e da negociação completa, segundo a qual só se terá um acordo quando todas as áreas tiverem fechado um acordo provisório – implica que um dos países pode adotar um comportamento maximizador (ou maximizante) visando a atingir seus próprios interesses em detrimento dos demais. Se os demais países perceberem a postura deste país e resolverem adotar táticas semelhantes – como o Brasil adotara no início das negociações via MERCOSUL –, os resultados das negociações tendem a espelhar ainda mais os interesses individuais de cada país e a busca de um mínimo denominador comum se tornará uma tarefa quase inimaginável.
Em função de tais aspectos, fez-se uma simulação do que poderia advir em termos de implicações de um possível acordo MERCOSUL-NAFTA, seguindo as bases deste último para os países do MERCOSUL, tanto do ponto de vista político como econômico. É claro que abstraiu aqui de modelos econométricos para se ter presentes os aspectos envolvidos nas negociações e para se observar como estas se refletem nos demais fatores políticos e econômicos.
6.1. Implicações políticas de um Acordo MERCOSUL-NAFTA
Embora o NAFTA não tenha objetivos políticos declarados, sabe-se que seus objetivos políticos reais são inúmeros. Entre os quais deve-se incluir desde a contenção do número de imigrantes vindos principalmente do México, até a luta contra o tráfico de drogas e a proteção ao meio ambiente. Esses objetivos também fazem parte das preocupações do MERCOSUL.
No entanto, o principal objetivo político do NAFTA, do ponto de vista dos Estados Unidos, foi utilizar o acordo para demonstrar a liderança daquele país em termos de política comercial. Assim, com o NAFTA, os objetivos globais dos Estados Unidos puderam ser mantidos e reafirmados, quais sejam: a abertura dos mercados mundiais ao livre-comércio e a manutenção da sua liderança no plano global.
Para o Brasil, uma associação MERCOSUL-NAFTA traria inúmeras vantagens. Entre estas, destaca-se, principalmente, o acesso ao mercado dos Estados Unidos, Canadá e México, os quais apresentam grande capacidade para absorver importações. Entre outras vantagens poder-se-iam destacar as economias de escala, as sinergias e a redução dos preços unitários para os bens que tivesem sua produção aumentada.
No entanto, tal acordo NAFTA-MERCOSUL também pressupõe que seus membros compartilhem de um mínimo de objetivos comuns, em termos de política comercial e que estarão prontos para resolverem os conflitos quando surgem, o que nem sempre é o caso entre os países do MERCOSUL e do NAFTA. As relações Brasil-Estados Unidos nos anos oitenta foram marcadas por vários conflitos: crise da dívida (1982), política de informática (1987), moratória (1988), patentes (1989), entre outras. Embora as relações entre o Brasil e os Estados Unidos tenham se normalizado com a eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994, ainda existe um certo ressentimento no Brasil quanto ao estilo incisivo do USTR, o que foi denominado por alguns autores como parte do poder imperial dos Estados Unidos, como o uso da Seção 301 e da Super 301 apontaram. Por outro lado, parece claro que tais sentimentos estão cada vez mais ficando para trás em função da percepção crescente em relação ao mercado potencial do NAFTA para os países do MERCOSUL.
Além disso, os acontecimentos de 11 de setembro demonstraram ao mundo que os
Estados Unidos não têm tanto poder assim e são um país vulnerável quanto qualquer outro. É importante mudar o conteúdo das relações entre o Brasil e os Estados Unidos para que nela predomine espontaneamente a necessidade de cooperação, como aconteceu no caso do México. O Brasil e os Estados Unidos precisam de uma agenda mais positiva e de medidas para reconstruir a confiança que ambos perderam nos anos oitenta e parte dos anos noventa. A ALCA e, dentro dela o NAFTA, oferecem tal oportunidade.
Além disso, é cada vez mais fácil para o Brasil defender a importância de acordos diretos de livre-comércio, como o MERCOSUL-NAFTA. Discute-se cada vez mais no Brasil uma opção direta 4+1, ou seja, um acordo MERCOSUL-Estados Unidos, caso a ALCA não se concretize. Se o Brasil pode negociar com os Estados Unidos, por que não com o NAFTA todo? Existia, nos anos noventa, praticamente um consenso pró-MERCOSUL entre as elites e dentro da sociedade brasileira. No entanto, tal consenso foi erodido com a crise do bloco no final dos anos noventa. Não parece mais haver grupos contrários à inserção internacional do Brasil ou defendendo a volta do protecionismo. Acordos de livre-comércio, seja com a União Européia, seja com os Estados Unidos, diretamente, ou indiretamente via NAFTA ou ALCA, parecem cada vez mais aceitáveis. Pode-se chegar à conclusão que um acordo MERCOSUL-NAFTA pode desempenhar um papel tão positivo para o Brasil como o MERCOSUL desempenhou até um certo momento.
O risco de que um acordo MERCOSUL-NAFTA ou MERCOSUL-ALCA poderia levar a uma dissolução do MERCOSUL também não é mais levado tão a sério. Já há a compreensão de que o objetivo do MERCOSUL é diferente do objetivo do NAFTA ou da ALCA.
Foto: Batista
PAINEL 2 (23/10/2001). Paulo Sotero Marques, Jeffrey J. Schott, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Ministro Pedro Malan, Gilberto Dupas, Deputado Antonio Kandir, Fernando de Mateo.
PAINEL 2 (23/10/2001). Ministro Pedro Malan, Gilberto Dupas, Deputado Antonio Kandir.
6.2. Implicações econômicas de uma opção NAFTA (MERCOSUL-NAFTA)
Do ponto de vista puramente econômico, o NAFTA constitui um dos mais bem-sucedidos exercícios de liberalização comercial simultânea fora do GATT e da OMC. Como já vimos, nos anos noventa, o fluxo comercial dos países da região (Estados Unidos,
Canadá e México) praticamente dobrou. O mesmo ocorreu com o intercâmbio entre o MERCOSUL e o NAFTA, que cresceu de cerca de US$ 17,1 bilhões em 1990 para cerca de US$ 32 bilhões em 1996. Como pode ser visto a seguir:
RELAÇÕES MERCOSUL-NAFTA
No entanto, no Brasil existe o receio, verdadeiro ou falso, de que as empresas da região não têm condições de competir com as empresas do NAFTA. Daí haver uma forte curiosidade no meio empresarial brasileiro sobre o teor de uma associação direta MERCOSUL-NAFTA. De qualquer forma, o efeito mais provável de uma associação MERCOSUL-NAFTA seria um aumento nos investimentos estrangeiros para os países do MERCOSUL, como já está ocorrendo, e um aumento no fluxo comercial MERCOSUL-NAFTA. Tudo dependeria dos moldes que tal associação assumiria.
O DISCURSO HEGEMÔNICO DO LIVRE-MERCADO E A
VULNERABILIDADE DOS GRANDES PAÍSES DA PERIFERIA
Gilberto Dupas
Após quase duas décadas de profundas reformas estruturais induzidas pelo discurso hegemônico – abertura, privatização e exposição à concorrência internacional –, o grau de vulnerabilidade externa da maioria dos grandes países da periferia mundial aumentou intensamente. As promessas de uma maior participação no comércio internacional em geral se efetivaram. Mas, com raras exceções, foram graves os desequilíbrios estruturais acarretados pelo modelo implantado. Os fluxos de investimento direto internacionais, visando compra de empresas estatais ou privadas ou novos investimentos, não foram suficientes para compensar os crescentes déficits comerciais, a dívida externa dobrou e os balanços de transações correntes (incluindo juros e remessas de lucros) deterioram-se fortemente na maioria deles. No quadro que segue, relaciono os países que assumo pertencerem à grande periferia do capitalismo global. São aqueles com PIBs maiores que US$ 100 bilhões e população acima de vinte e quatro milhões de habitantes. Considero-os nessa categoria por terem massa crítica em seu mercado interno que os tornam alvos principais de interesse dos grandes grupos transnacionais em busca de ampliação de suas vendas globais. Se excluirmos a China, a Rússia e a Coréia do Sul – por particularidades de suas atuais condições de inserção global, que não discutiremos aqui – eles são apenas nove países, somando US$ 2.649 bilhões de PIB: Brasil, México, Índia, Argentina, Turquia, Indonésia, África do Sul, Tailândia e Venezuela. Em seu conjunto, eles sofreram graves danos em sua vulnerabilidade externa no período 1988-2000, quando o seu processo de inserção na economia global se acelerou. O saldo de suas balanças comerciais passou de um superávit de US$ 16 bilhões para um déficit de US$ 15 bilhões, deteriorando-se em mais de 190%. Seu balanço de transações correntes, que inclui pagamentos externos de juros e lucros/dividendos, aumentou seu negativo de US$ 13 para 44 bilhões (mais de 220%). E, finalmente, a soma de suas dívidas externas mais que dobrou, passando de US$ 515 bilhões para US$ 1.060 bilhões. Indonésia e Tailândia foram os únicos países desse universo que tiveram melhora em seus balanços externos. Apesar disso, suas dívidas externas cresceram mais de 140%. Se os retirarmos da amostra, o déficit comercial dos demais cresce mais de 300% e o de transações correntes aumenta 680%. Surge, pois, um grande impasse quanto ao futuro da abertura econômica como efetivo indutor de crescimento econômico auto-sustentável e equilíbrio social nesses países, que se tornam potenciais focos de uma onda de crises a partir da periferia. Essa situação tende a se tornar ainda mais grave após os acontecimentos de setembro nos Estados Unidos, levando a potência hegemônica mundial a uma mudança de foco, que pode privilegiar tendências isolacionistas e xenófobas, além de prioridades de segurança sobre interesses de integração comercial.
O mercado mundial pós-abertura, a partir do final da década de 1980, passa de fato a crescer muito acima dos PIBs mundiais. No entanto, se examinarmos mais profundamente a natureza dessa tão elogiada explosão, macroeconomicamente exótica, seu fundamento está meramente no intenso fracionamento da produção global das grandes empresas transnacionais, possibilitado pela tecnologia da informação e pela busca de fatores de produção mais baratos e proximidade dos mercados consumidores. Trata-se, pois, de um crescimento fruto da múltipla contagem oferecida pelo intenso intercâmbio de partes, componentes e produtos finais. Seja como for, vários dos grandes países da periferia tiveram um sensível aumento de sua participação no comércio mundial, o que poderia teoricamente significar uma melhoria nas suas contas externas. Além do caso atípico da China, cuja participação no comércio mundial cresceu mais de 240%, no período 1995-1998, os países asiáticos – Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia, Coréia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan –, bem como alguns dos principais países da América Latina – México, Argentina e Chile –, aumentaram sua participação naquele período entre 35% e 45%. A exceção foi o Brasil, que amargou um decréscimo de 26% em sua participação no comércio mundial.
As práticas e retóricas sobre protecionismo e livre-mercado estão claramente associadas aos interesses das potências hegemônicas de plantão ou, mais precisamente ainda, aos grupos econômicos dominantes em tais nações. Ao período dos blocos comerciais coloniais e das práticas monopolistas – entre os séculos XVI e XVIII, seguiu-se uma tendência de maior liberdade de comércio, que alcançou sua maior influência na metade do século XIX. Sidney Dell lembra que os economistas, com freqüência, afirmam as vantagens do livre-comércio universal. Não obstante, subsiste o fato de que as doutrinas de livre-comércio tipicamente estão presentes onde um poder econômico dominante se defronta com rigidez, restrições ou monopólios que deseja destruir, por considerá-los obstáculos a um maior crescimento de suas indústrias. De fato, potências dominantes ou suas grandes corporações, se confiam em sua capacidade de derrotar rivais potenciais na competição por mercados, preferirão um sistema radical de livre-comércio em uma escala mundial a qualquer sistema ou agrupação regional mais limitado. Foi o que aconteceu durante o predomínio tecnológico britânico na indústria.
Era muito mais eficaz concentrar a mão-de-obra disponível nas fábricas que produziam manufaturas e exportá-las em troca de alimentos baratos, do que empregá-la na agricultura nacional. Foi nessas circunstâncias que a Inglaterra abandonou as práticas protecionistas. A produção de alimentos para a crescente economia britânica se desenvolveu sobre a base de um cultivo extensivo barato nas zonas de ultramar. Isto, por sua vez, criou novos mercados de exportação para as manufaturas britânicas – primeiro para os produtos têxteis e outros bens de consumo e, posteriormente, para os bens de capital. A história econômica dos Estados Unidos foi construída a partir do seu mercado interno, fortemente protegido, que acabou sendo um dos mais importantes elementos de integração da nação. Os mesmos fatores que tornaram vantajosos ao Reino Unido basear sua política internacional no laissez-faire e no livre-comércio durante o século XIX, criaram a necessidade de proteção alfandegária nos Estados Unidos e na Alemanha, naquela época menos avançados. O predomínio tecnológico britânico conduziu inevitavelmente à proteção para as incipientes indústrias norte-americanas e alemãs.
A diferença entre as opiniões no Norte e no Sul dos Estados Unidos – na segunda metade do século XIX – era muito mais que uma disputa sobre se aquele país devia adotar uma política de livre-comércio ou de protecionismo. Implicavam um completo desacordo sobre a futura estrutura da economia norte-americana. Os defensores do livre-comércio não viam nenhuma razão pela qual os Estados Unidos não deviam continuar especializando-se na agricultura, para a qual o país parecia ter um grande potencial; já os protecionistas consideravam fundamental um desenvolvimento em grande escala da indústria. A luta entre os defensores do livre-comércio e do protecionismo foi longa, com vantagens oscilando de parte a parte. A política alfandegária dos Estados Unidos, até o princípio da Guerra Civil, não satisfazia a ninguém. As tarifas eram demasiado elevadas para se ajustar aos desejos dos livre-cambistas do Sul, mas eram insuficientes para contentar os protecionistas do Norte. Em conseqüência, foi natural que essa questão se convertesse em um dos pontos centrais a serem arbitrados pela Guerra Civil. O triunfo do Norte enfraqueceu o poder dos adeptos do livre-mercado e abriu caminho para uma proteção muito acentuada da indústria norte-americana, o que permitiu sua definitiva consolidação e preparou o início do ciclo hegemônico norte-americano.
A unificação dos trinta e oito estados alemães, no início do século XIX, também esteve associada com um aumento em suas barreiras comerciais frente ao resto do mundo. A luta entre os protecionistas e os livre-cambistas alemães também foi prolongada. Durante algum tempo, houve a supremacia dos livre-cambistas. Depois da derrota da França, na guerra de 1870-1871, a Alemanha ganhou a posição que lhe permitiu tentar desafiar a Grã-Bretanha pela direção política e econômica da Europa. Isso apontou para o fim do livre-comércio.
A História demonstra que as práticas protecionistas foram adotadas por todos os grandes países, ao menos no início de seus ciclos de industrialização. Quando eles podem conviver com uma exigência de abertura dos outros mercados para o seu produto – enquanto o seu próprio é mantido protegido –, ocorrem períodos de intensa transferência de renda e concentração de poder, beneficiando aqueles países que conseguem impor tal padrão. Foi o que aconteceu com a recente pressão para abertura dos grandes países periféricos a partir de meados dos anos oitenta.
A grande empresa verticalizada teve um novo choque a partir da radicalização do uso da tecnologia da informação, que permitiu o fracionamento das cadeias produtivas globais e a flexibilização da produção com maximização de lucro a partir das parcerias e terceirizações
(especialização e complementaridade), utilizando os novos conceitos de redes de empresas. A especialização flexível das pequenas e médias unidades voltou a ter espaço dentro da lógica das cadeias globais, porém comandadas por elas.
As empresas transnacionais norte-americanas, tal como suas ancestrais mercantis, desempenharam papel fundamental na ampliação e manutenção do poder dos Estados Unidos. Mas elas se revelaram instrumentos de poder muito menos maleáveis e muito mais autônomos do que as companhias de comércio e navegação. Basta comparar a incorporação da Europa pelo sistema de poder norte-americano, depois da Segunda Guerra, com a anexação do subcontinente indiano pelo sistema de poder britânico, no início do século XIX. Embora implementado pelo próprio governo, o sistema de corporações americanas, em pouco tempo, adquiriu dinâmica própria, contrariando muitas vezes interesses estratégicos dos Estados Unidos. A apropriação das rendas estrangeiras, por exemplo, não o foi em benefício direto dos Estados Unidos. Tais rendas sempre puderam fugir diretamente para os mercados internacionais em momentos de crise. Essa fuga maciça do capital norte-americano acabou fazendo desmoronar o sistema de Bretton Woods e não consegue atualmente resolver o imenso déficit externo americano. As recentes análises sobre a natureza desse déficit, muitas vezes provocado pela imensa dispersão da atividade produtiva das empresas sediadas no país – que exportam mais a partir de suas filiais externas que de sua sede continental – é um excelente exemplo dessa contradição. Não é, aliás, por outra razão que o comércio internacional cresceu nas duas últimas décadas do século XX quase duas vezes mais que o PIB mundial dos países. Radicalmente fracionada pela nova lógica das cadeias globais – que vai buscar nas mais diferentes localizações a mais favorável composição dos fatores de produção – e atraída pelas vantagens da proximidade dos mercados finais de consumo, a produção global de bens e serviços submeteu-se a uma verdadeira diáspora. O caso dos Estados Unidos, atual país hegemônico, é paradigmático. Seu imenso déficit comercial de mais de US$ 300 bilhões anuais está longe, obviamente, de ser revelador de uma dificuldade competitiva. A principal razão está na dispersão da produção de suas grandes corporações transnacionais, sustentadas por investimentos externos de US$ 700 bilhões, durante a década de 1990, superior a toda a soma investida nas quatro décadas anteriores. A conseqüência é que, enquanto as exportações norte-americanas atingiram cerca de US$ 900 bilhões em 1998, as filiais de suas corporações no exterior venderam US$ 2,4 trilhões, sendo US$ 600 bilhões exportados para o próprio Estados Unidos. Se a busca de bolsões de mão-de-obra é uma das razões deste fenômeno, mais importante ainda é a necessidade dessas empresas estarem próximas do seu mercado final e a busca de clusters em geral, especialmente os tecnológicos. Não é por outra razão que foi na Europa que os investimentos diretos norte-americanos se concentraram em 55% e lá que eles mais cresceram.
Esse fenômeno é comum, aliás, aos demais países centrais. É o caso da Alemanha que – também em 1998 – exportou para os Estados Unidos apenas US$ 48 bilhões, enquanto as filiais de suas empresas, produzindo em território daquele país, faturaram mais de US$ 240 bilhões.
Como se vê, a transnacionalização das grandes corporações vai gerando um sistema global de produção, intercâmbio e acumulação cada vez menos sujeitos à autoridade estatal e com poder de subverter os conceitos tradicionais de eficiência econômica e submeter as suas regras às nações mais poderosas do mundo. No entanto, os problemas dos cidadãos, que continuam gerando demandas locais e nacionais, vão-se distanciando cada vez mais da possibilidade de ação dos mecanismos públicos – que antes podiam amarrar boa parte da lógica econômica ao seu próprio interesse –, gerando crescente perda de capacidade reguladora dos estados nacionais.
Na América Latina, a abertura econômica vem agravando o desequilíbrio externo estrutural na maior parte dos países. Se utilizarmos como referência a média do saldo negativo das balanças comerciais do conjunto desses países no período 1992-1996 e a compararmos com a média do período 1997-2001, verificamos que esse déficit cresceu de US$ 8,9 bilhões para US$ 18 bilhões anuais. No caso do déficit de transações correntes, que inclui pagamento de juros externos e remessa de lucros, a evolução do negativo foi de US$ 41,8 bilhões para US$ 67,2 anuais. A lógica das cadeias produtivas globais exige para tais países mais importações do que permite exportações e, todas as vezes que os países da região começaram a crescer, aumentaram os déficits comerciais. Esses últimos acabam em parte compensados por entrada de capitais – que aumentam o fluxo futuro de remessa de lucros – ou crescimento da dívida externa, que agrava o pagamento de juros. A conseqüência é um regime do tipo stop and go, que permite um crescimento de até 2% a 3%. Esse desequilíbrio da América Latina não será resolvido pelo mercado financeiro e provavelmente não o será pela entrada maciça de investimento direto, dado que seu regime depende fortemente do ciclo de privatizações. Tudo dependerá da condição de exportação de maior valor adicionado, incorporando localmente etapas tecnológicas de agregação de valor, reforçando competitividade e lutando tenazmente pelo acesso a mercados restritos, especialmente no agribusiness.
A crise cambial brasileira e a desvalorização do real em janeiro de 1999 – acrescida de outra importante depreciação em 2001 – trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia da definitiva consolidação e ampliação do MERCOSUL, baseada que estava na idéia da estabilidade dos preços relativos. A queda rápida do comércio intrapaíses em quase 30%, o movimento de transferência de instalações industriais da Argentina para o Brasil e a introdução de forte instabilidade na política cambial argentina são os indícios mais evidentes.
Todas essas considerações nos levam a inevitável revisão do conceito de estado nacional em tempos de abertura econômica. A idéia de que mercado e Estado são complementares permitiu a prosperidade sem precedentes experimentada pelos Estados Unidos, Europa Ocidental e alguns países asiáticos na segunda metade do século XX. No entanto, o conceito de que a iniciativa privada e a ação do Estado são igualmente necessárias para o êxito econômico foi fortemente abalado a partir das reformas neoliberais recomendadas pelo que acabou sendo designado de Consenso de Washington, conjunto de princípios que tiveram forte apoio do FMI e induziram a direção daquelas reformas em muitos dos grandes países da periferia global. Eles incluíam: rígida disciplina fiscal; redirecionamento dos gastos públicos para educação e saúde; liberalização comercial com eliminação de cotas e rebaixamento e homogeneização de tarifas; abertura para o investimento estrangeiro; privatização; desregulamentação da economia; segurança para os direitos de propriedade.
Dani Rodrik lembra que essas reformas, fundamentadas no mercado, a princípio deram pouca atenção às instituições e à complementaridade entre as esferas pública e privada da economia. O papel destinado ao governo se resumia a manter a estabilidade macroeconômica e a assegurar o acesso à educação. A prioridade era afastar o Estado, não torná-lo mais eficiente. A conseqüência, para além da vitória expressiva no combate à inflação, foi o fracasso das reformas na Rússia e a generalizada insatisfação com as reformas na América Latina. E a crise financeira na Ásia, que expôs os riscos de liberar as finanças sem mecanismos reguladores. Em todos esses casos, pouca ou nenhuma consideração foi dada aos mecanismos de assistência social e às chamadas redes de segurança.
Um importante equívoco de alguns dos grandes países da periferia que se inseriram no comércio internacional foi terem confundido abertura com estratégia. A globalização é, de certo modo, irreversível, porque é um mecanismo sinérgico global que tem dado certo. A abertura econômica, inevitável a essas nações, que provavelmente teriam maiores perdas com o fechamento do que com sua inserção na lógica das cadeias globais – que almejam seus mercados e alguns bolsões de mão-de-obra barata – é uma mera circunstância da nova ordem internacional. Essa circunstância torna ainda mais importante a definição de uma estratégia, até porque as pressões internacionais lideradas pelos atores principais do cenário global e seu aparato institucional (FMI, OMC, etc.) dificultam crescentemente os espaços para o exercício de políticas industriais nacionais. O acordo sobre TRIMs, por exemplo, determina que os membros da OMC não devem aplicar medidas de incentivo a investimentos condicionadas às exigências de conteúdo local ou de desempenho de exportações. Discute-se ainda a ampliação de novos TRIMs, proibindo exigências de transferência de tecnologia, capital mínimo nacional ou formação de joint ventures. Por outro lado, o acordo sobre TRIPs prevê o estabelecimento de regras e disciplinas muito rígidas para proteção aos direitos da propriedade intelectual, direitos autorais, marcas, patentes, design industrial e topografia de circuitos integrados, o que dificultará sobremaneira a condição de incorporação tecnológica às produções locais de países mais pobres.
Torna-se, portanto, cada vez mais imperioso que as estratégias nacionais dos grandes países da periferia definam e pratiquem claros estímulos para especializações, clusterizações e políticas tecnológicas e industriais consistentes com suas especificidades e prioridades. A integração de um país à economia mundial não substitui, pois, estratégias de desenvolvimento.
Integração econômica global não é a principal fonte de crescimento para a maioria dos países. Países em desenvolvimento podem tirar vantagens do mercado internacional e dos fluxos de capitais, mas o principal dinamismo de seu crescimento virá sempre de seus empreendedores e investidores. Acessar o mercado internacional e se beneficiar dos fluxos de capitais deve ser parte dessa estratégia, mas não um objetivo central. É necessária uma sólida base institucional para investidores e empreendedores domésticos, formação de capital humano, de infra-estrutura pública e vitalização do setor privado doméstico. Faz-se, portanto, cada vez mais necessária uma estratégia própria que não se resuma à inserção internacional do país e envolva opções de estratégia industrial, de diversificação e especialização. É o caso do esforço indiano para habilitar-se na exportação de software. Formando sessenta e oito mil profissionais da área de computação a cada ano, a Índia tornou-se uma incubadora virtual de talentos infotécnicos cortejada pelo Ocidente. O governo dos Estados Unidos deve ampliar seus vistos especiais de cento e quinze mil para duzentos mil no próximo ano, visando indianos. Empresas indianas continuam a crescer exportando programas de software a baixo custo, cujas exportações cresceram de US$ 734 milhões em 1999 para US$ 6,3 bilhões em 1999-2000. O objetivo para 2001 são US$ 9,5 bilhões. Cerca de sessenta mil a setenta mil indianos estão empregados no Vale do Silício no segmento high-tech; esse fluxo intensificou-se em 1996-1997 por causa das oportunidades do bug do milênio. A maioria dos cerca de dois mil empresários indianos do Vale do Silício investiu no segmento de software da Índia. O caso da Finlândia também merece registro. De um pequeno país tradicional dependente do mercado russo surgiu um líder mundial em telefonia de última geração. O fim da URSS, com a qual a Finlândia tinha grande sinergia, utilizando sua conveniente posição de neutralidade, fez o país perder seu grande cliente e entrar em grave crise econômica. Em dois anos o PIB contraiu-se 13%, com o desemprego, passando de 3% para 17%. O espírito empresarial e a tecnologia de ponta acharam a solução. As altas tecnologias dominaram as exportações sustentadas por um projeto social-democrata que reduziu impostos. Vários outros exemplos poderiam ser citados, alguns com especificidades mais radicais como a Coréia e a China.
Os governos dos países em desenvolvimento devem, portanto, ser capazes de colocar a globalização apenas como uma perspectiva e centralizar sua atenção na construção de instituições domésticas e projetos realistas de desenvolvimento, confiando mais em si mesmos e menos na economia global ou em projetos a ela ligados.
No caso da América Latina, passaram-se quase dois decênios de profundas reformas estruturais – abertura, privatização e exposição à competição. As exportações de manufaturas da região, durante 1985-1998, subiram de 74% para 84%; e as de recursos naturais baixaram de 23% para 12%. No entanto, a participação da região no comércio mundial deste período manteve-se relativamente estável, em torno de 5,6%. Ainda assim, graças aos bons desempenhos de México, Argentina e Chile, que aumentaram sua cota no mercado internacional em cerca de 40% naquele período. O caso mais decepcionante foi o do Brasil, com queda de mais de 26% e hoje com apenas 1% do mercado mundial, menos da metade da cota mexicana. Algumas categorias principais de manufaturas ganharam espaço: eletrônica, indústrias de processos contínuos, automobilística e confecção de roupas. Segundo a CEPAL, a escassa competitividade internacional do Brasil é a mais preocupante, inclusive nesses setores, contrastando com a do México, onde, no interior destas indústrias, se desenvolveram as operações internacionais de algumas das maiores empresas transnacionais do mundo. Isso permitiu ao México um acesso mais favorável ao mercado norte-americano, como também o benefício na aplicação das regras de origem que operam dentro deste sistema de integração, já que os investimentos das grandes corporações norte-americanas têm que se adaptar a estas regras para que sua produção seja considerada originária dos Estados Unidos.
As empresas transnacionais têm sido responsáveis por três quartas partes dos fluxos de inversão estrangeira direta (IED) mundial e dois terços do comércio internacional. Esses fluxos de IED cresceram enormemente no decênio de 1990, superando US$ 850 bilhões em 1999, mais que o dobro da média no período 1990-1996. Estima-se que metade da inversão destinada à América Latina naquele decênio foi para a compra de ativos já existentes. As fusões e aquisições foram intensas na região nessa época, chegando a significar 14% do valor mundial em 1999. As empresas estrangeiras foram responsáveis por 54% delas na Argentina, Brasil, Chile e México, na década. A exceção foi o México, onde as empresas nacionais desempenharam um papel muito ativo nas privatizações de empresas públicas e asseguraram o controle da maior empresa privatizada. Em termos setoriais, estudo elaborado por Michael Mortimore e Wilson Peres (CEPAL) mostra a situação nos quatro países mencionados como muito heterogênea. Para o seu conjunto, 35% do valor das operações de fusão e aquisição se deu nos setores de infra-estrutura, 19% no setor financeiro e 17% na indústria manufatureira. No Brasil, a indústria representa 22% do montante total de operações, principalmente em função das privatizações na siderurgia e na petroquímica, no começo dos anos noventa.
Os grandes ingressos líquidos de inversão estrangeira direta na América Latina tiveram efeitos importantes na estrutura econômica da região, com a transnacionalização dos principais agentes econômicos. A principal tendência foi o fortalecimento relativo das empresas estrangeiras e o enfraquecimento das estatais. Durante o decênio de 1990, as empresas transnacionais aumentaram fortemente suas atividades na América Latina, consolidaram sua penetração no setor manufatureiro e incrementaram sua participação nas exportações regionais. O crescimento do número de empresas transnacionais coincidiu com o quase desaparecimento das empresas estatais e o virtual estancamento das empresas nacionais privadas. Os dados da CEPAL registram os ingressos líquidos de investimento estrangeiro, aumentando mais de doze vezes entre 1990 e 1998. E seu crescimento foi quatro vezes maior que o da formação bruta de capital fixo e do PIB. Houve um importante processo de transnacionalização na região, e as empresas transnacionais se converteram nos seus agentes econômicos dominantes. No universo das quinhentas maiores empresas latino-americanas, o número de empresas internacionais aumentou – se compararmos 1990-1992 com 1998-1999 – de 149 para 230, e sua participação nas vendas totais se elevou de 27% a 43%. Cerca de metade das vendas das empresas estrangeiras, no entanto, correspondia ao subsetor de veículos automotores e partes, concentrados no Brasil, no México e na Argentina. As exportações das empresas transnacionais, entre os 200 maiores exportadores da região, cresceram no mesmo período de 29% para 43%.
As empresas exportadoras da região em 1999 exportaram mais de um bilhão de dólares. Entre as vinte maiores, nove eram privadas nacionais, sete estrangeiras e quatro estatais; as estrangeiras ocupavam cinco dos dez primeiros lugares, acompanhadas de quatro estatais e unicamente uma privada nacional. De todas as vinte, somente a EMBRAER dedica-se a atividade não ligada diretamente à extração ou elaboração de recursos naturais. E, entre as dez maiores, só uma é privada nacional. Todas as outras são estrangeiras não-estatais de petróleo e cobre que resistiram à privatização na Venezuela, no México, na Colômbia e no Chile. Nas atividades de serviços, o tamanho do mercado local, os marcos regulatórios e as trocas tecnológicas têm sido fatores determinantes na tomada de decisões dos investidores estrangeiros. Serviços têm crescido consideravelmente, especialmente as telecomunicações, os serviços financeiros a energia elétrica, sobretudo no MERCOSUL e no Chile. As estratégias principais das empresas transnacionais na região buscam eficiência (automóveis, eletrônica e confecções no México), visam matérias-primas (petróleo e gás na Argentina, na Venezuela, na Colômbia, na Bolívia e no Brasil; minerais no Chile, na Argentina e no Peru); e, principalmente, procuram acesso a mercados (automóveis no MERCOSUL, agroindústria na Argentina, no Brasil e no México; química no Brasil; cimento na Colômbia e na Venezuela; finanças, telecomunicações, energia, distribuição de gás e varejo no Brasil, no México, no Chile, na Argentina, na Colômbia e no Peru).
No caso dos grandes grupos e empresas de propriedade privada nacional, a posição competitiva destas empresas corre perigo, por efeito de suas próprias características estruturais, em particular por seu reduzido tamanho em relação aos seus competidores internacionais e sua posição em setores tecnologicamente maduros e de menor crescimento relativo no mercado mundial. Eles se formaram em sua grande maioria durante o processo de industrialização via substituição de importações. Novas organizações têm se formado como resultado tanto de privatizações de atividades tradicionais, como de dinâmicos processos de conglomeração com critérios de market-share. Como indício do expressivo nível da concentração da indústria regional, se observarmos as cinco maiores empresas dos dezenove setores industriais em 1996 na América Latina, essas oitenta e três empresas (nacionais e estrangeiras) registraram vendas de US$ 122 bilhões e geraram quase 780.000 empregos em 1996, ano em que o valor bruto da produção industrial da região foi da ordem de US$ 750 bilhões, com um nível de emprego industrial de cerca de 8,5 milhões de pessoas. As empresas nacionais tinham uma participação de 40% nas vendas desse conjunto. No entanto, os setores em que elas predominavam correspondiam a atividades tradicionais, produtoras de bens de consumo de massa ou de insumos básicos.
Entre as vinte maiores empresas privadas nacionais da América Latina, é interessante observar a forte presença de empresas mexicanas, que ocupam treze lugares na lista – inclusive os cinco primeiros, seguidas por cinco empresas brasileiras, uma chilena e apenas uma argentina. A grande maioria delas está em setores de tecnologia madura ou estreitamente vinculados com a elaboração de recursos naturais. A grande questão é saber quantas delas podem se transformar em players internacionais expressivos.
Finalmente, parece importante reafirmar que a tendência à globalização das cadeias produtivas e dos mercados parece ser um processo irreversível, especialmente para os grandes países da periferia com escala de consumo potencial interno suficiente para inseri-los dentro do interesse estratégico das grandes corporações transnacionais e da sua lógica de fragmentação da produção. No entanto, embora os graus de liberdade não sejam grandes, cada vez mais se torna imperioso que esses países consigam articular projetos nacionais consistentes com a inserção global, mas que permitam desde um mínimo de ordenamento e exercício de barganha no monitoramento da internacionalização da economia local até o máximo de adição de valor à produção local, de modo a conseguir – entre outros objetivos – certo equilíbrio da balança comercial e não acarretar, a médio prazo, uma inviabilização da própria abertura. E isso não se fará sem algum desenvolvimento tecnológico local – no sentido amplo de produtos, processos e sistemas – ainda que em nichos e especialidades.
Dado o papel decisivo que cumprem as empresas transnacionais nas exportações e na competitividade da região – e o seu crescente déficit externo –, é importante fortalecer as políticas tendentes a atrair de maneira qualificada a inversão estrangeira direta, bem como saber conduzir barganhas adequadas em troca de acessos a seus mercados. A simples oferta de incentivos facilita jogos de soma negativa. O estabelecimento de normas que facilitem a competitividade ou a criação de ativos podem ter efeitos positivos ou negativos. É no estímulo à criação de novos ativos voltados à adição de valor a compromissos de exportação que deveriam se dirigir as políticas públicas, numa atitude ativa contra tentativas de impedimento dessas políticas por conta de restrições extemporâneas da OMC. Aumentar a integração das unidades produtivas locais às cadeias mais dinâmicas do comércio mundial deve ser o objetivo central dessas políticas, mas especialmente as que agreguem mais valor e se articulem com o resto da economia nacional.
Dado o tamanho relativamente pequeno dos grupos nacionais frente a seus competidores globais, é necessário facilitar e fortalecer sua capacidade de construir empresas conjuntas e alianças estratégicas com estes competidores, preferentemente em situações nas quais não percam o controle de seus ativos com estratégias nacionais e políticas ativas. A aplicação destas políticas não é tarefa fácil, levando-se em conta a debilidade do Estado em matéria de recursos humanos e financeiros. Uma mudança mais radical do padrão de especialização em função da criação das vantagens comparativas dinâmicas é um desafio que deve nortear os estudos sobre desenvolvimento econômico.
As circunstâncias da globalização e a condição para fazer da inserção também uma fonte de ganhos de competitividade e graus de liberdade para o desenvolvimento econômico – e não apenas um fator determinante de aumento de desemprego e de instabilidade – exige cada vez mais a tomada de consciência do caráter específico de cada país e da necessidade de manter a mobilização em torno de uma concepção de projeto nacional viável acoplado a um discurso político que possa ser entendido pela população. Abandoná-lo, imaginando que os cidadãos se conformarão a estarem entregues unicamente à liberdade negativa das forças do mercado, e que elas darão conta do crescimento equilibrado do país, pode significar um sério risco de retrocesso econômico e institucional. Esses alertas tornam-se ainda mais dramáticos nas circunstâncias atuais, quando as turbulências desencadeadas pelos atentados aos Estados Unidos e as reações por ele provocadas tendem – ao menos a curto prazo – a restringir os fluxos de capitais, a priorizar a segurança em detrimento da circulação de bens e a limitar as liberdades individuais e o comércio internacional.
Painel 3 - Acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem
Presidente: Sérgio Silva do Amaral (Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio)
Expositoras: Denise Gregory (Assessora Especial da Câmara de Comércio Exterior –
CAMEX)
Sandra Polônia Rios (Coordenadora da Unidade de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria)
Debatedores: Aloizio Mercadante (Deputado Federal – PT/SP)
Lia Valls Pereira (Especialista em Análise Econômica do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas)
Relator: Stefan Bogdan Salej (Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – Brasil)
Trabalho apresentado:
- ALCA – Roberto Giannetti da Fonseca
O cerimonial registra a presença do Embaixador Sérgio Silva do Amaral, Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que preside a Mesa. Na condição de expositora, a Dra. Denise Gregory e a Dra. Sandra Polônia Rios. Na condição de debatedores, o Exmo. Sr. Deputado Aloizio Mercadante e a Dra. Lia Valls Pereira. O relator é o Dr. Stefan Bogdan Salej. Passo a palavra ao Sr. Ministro Sérgio Silva do Amaral.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Boa tarde.
Declaro abertos os trabalhos desta terceira sessão cujo tema é “Acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem”. Esta sessão tratará também das reformas necessárias no plano interno, incremento das exportações brasileiras, barreiras não-tarifárias utilizadas pelos países industrializados contra a entrada de nossos produtos, competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional e utilização das regras de origem como barreira não-tarifária.
Iniciarei os trabalhos fazendo alguns comentários.
Em primeiro lugar, cumprimento o Presidente da Câmara, Deputado Aécio Neves, por essa iniciativa extremamente oportuna, uma vez que estamos próximos de um novo período de negociações comerciais no âmbito da OMC e, a poucos dias, espero, da apresentação, por parte do MERCOSUL, da proposta negociadora à União Européia, exatamente no momento em que possivelmente as negociações com a ALCA retomam ritmo mais intenso.
Esse grupo, que tenho a honra de presidir, a meu ver é um dos mais relevantes do seminário. Não iremos discutir princípios, teorias de negociações comerciais, mas uma questão muito simples e relevante, a saber: como se exerce o protecionismo que, muitas vezes, é feito por meio de pequenos detalhes. Já disseram, muitas vezes, e isso vale para a área do comércio, que o diabo está nos detalhes. Logo, precisamos conhecê-los para poder removê-los. Mais do que isso, precisamos conhecer os fatos para avaliarmos os processos negociadores, os ganhos e as perdas para o País. Isso porque, muitas vezes, discute-se comércio e negociações comerciais com pouco conhecimento sobre os fatos, ou não se leva em conta as questões específicas. Isso nos leva, muitas vezes, a uma visão ingênua de que o livre-comércio é sempre bom e basta baixarem as tarifas para que os mercados funcionem. De outro lado temos uma visão simplista de que não podemos sentar à mesa de negociação, porque perderemos. E, assim, o que perdemos é a oportunidade de luta, a ampliação do espaço e mercado para os nossos produtos.
Não vou me referir à política de exportação, a cargo do meu Ministério, pois, nos últimos, tempos tem-se falado muito sobre isso. Gostaria de introduzir apenas o debate sobre as próximas negociações comerciais.
O primeiro comentário diz respeito ao fato de que o Brasil, nos últimos anos, fez avanços consideráveis. A estabilidade da economia trouxe previsibilidade e as reformas estruturais abriram espaço para investimentos substanciais na nossa economia, que, nos últimos três anos, somaram 94 bilhões de dólares. O Brasil recebeu, por ano, mais do que duas vezes o que recebeu todo o Continente Africano, que recebeu apenas 1%.
A abertura da economia aumentou a nossa competitividade e proporcionou aos brasileiros acesso a produtos importados que antes eram privilégio de uma pequena minoria que podia viajar ao exterior, ou que tinha poder aquisitivo mais elevado.
Finalmente, vivemos, nos últimos anos, em decorrência dessas transformações, substancial aumento da produtividade, o que melhorou a nossa competitividade. Na verdade, o Brasil tornou-se um país altamente competitivo.
Nos últimos oito anos, a produtividade média aumentou 6,6% ao ano. No período de oito anos, a nossa produtividade aumentou 67%, o que é um número expressivo para qualquer país. Isso nos qualifica para o que chamo, assim como muitos, de guerra do século XXI. Esta guerra não é uma conquista por territórios nem a disputa por influência ideológica, mas por um bem mais precioso do que tudo isso: a geração de empregos e a segurança de melhores salários para os trabalhadores. É isso o que o comércio significa hoje, acima de qualquer outro valor. Tornamo-nos produtores e primeiros produtores de muitos produtos: café, suco de laranja, soja e tantos outros. Porém, o mais importante não é isso. O mais importante é que a participação dos produtos industrializados na nossa pauta é crescente. E, hoje, 70% do que o Brasil exporta são produtos industrializados, 57% são manufaturas, que eram apenas 15% nos anos setenta. Além da diversificada pauta de produtos industrializados, exportamos bens de alto valor agregado e de elevado componente tecnológico, como aviões, automóveis, aparelhos transmissores, retransmissores e bens de informática.
Onde quer que aumentemos nossas exportações, sofremos uma barreira comercial aos nossos produtos. Essas barreiras são diferentes: na União Européia, sobretudo, sofremos com as cotas; nos Estados Unidos, há picos tarifários, processos antidumping e outras medidas; no Japão, há restrições fitossanitárias.
Na União Européia, a nossa carne é quase um exemplo de uma panóplia de medidas protecionistas. Sofremos com cotas e subsídios às exportações praticados pela União Européia, e uma tarifa extracota de 114%. A carne de frango tem tarifa equivalente, ad valorem, de 46%, além de ter cotas e subsídios; o açúcar sofre uma tarifa de 66%. Esses são apenas alguns exemplos.
No Japão, está proibido o ingresso de nossas frutas sob a alegação de que sofrem de pragas. A carne de frango também não pode entrar, porque elas conteriam resíduos de hormônio e os calçados têm uma cota de sete milhões de pares, quando o Brasil produz quinhentos milhões e exporta cento e trinta – isso dá idéia do tamanho da cota que temos no Japão.
Nos Estados Unidos, as barreiras também são muitas e diversificadas. No caso do açúcar, os nossos concorrentes na América Central, países andinos e México, estarão isentos a partir de 2008. Mas temos cotas que, aliás, estão diminuindo e o Brasil só exporta 12% daquilo que os Estados Unidos deixam entrar. Além disso, a tarifa vai de 140% a 170% se estiver fora da cota.
No álcool, uma combinação de impostos faz com que uma alíquota ad valorem seja 50% do seu valor. Temos um custo de produção que é a metade do custo de produção nos Estados Unidos. Isso mostra o quanto está pagando o consumidor nos Estados Unidos.
O caso do suco de laranja é o mais conhecido. Pagamos uma tarifa que, ad valorem, seria de 50%. Mas não é só, há também o antidumping. A elevada proteção levou os produtores brasileiros de suco de laranja a investirem nos Estados Unidos, porque eles não podiam mais exportar. E o fato de o México ter concluído a NAFTA com os Estados Unidos faz com que eles não sofram as mesmas restrições que nós e estejam aumentando suas exportações de suco de laranja para os Estados Unidos, enquanto nossa participação cai.
Há cerca de uma década exportávamos 92% das compras norte-americanas. Hoje, nossa participação caiu para 70%. Com a carne bovina ocorre a mesma coisa. Há subsídios nas exportações, há cotas, há tarifas intra e extracotas. Com as carnes de frango, igualmente. E, nesse caso, temos um pesado subsídio às exportações, que fizeram com que nossas exportações para muitos mercados fossem deslocadas. Não vou continuar a me referir a essa lista, porque ela poderia ser longa e também atinge os produtos na área industrial, tais como aço, calçados, têxteis.
O mais curioso é que não se trata apenas de barreiras às nossas exportações. O que está acontecendo é um processo de substituição de importações. Por exemplo, na União Européia havia, até recentemente, um imposto de 9% à exportação brasileira de café solúvel. Por que essa tarifa foi imposta? Porque isso protegeu uma indústria nascente européia de café solúvel, que devido a essa proteção cresceu e se desenvolveu. Hoje, vários países da União Européia, sobretudo Alemanha e Itália, tornaram-se exportadores de café sem plantar um único pé de café, porque compram café verde, sobretudo do Brasil, e o industrializam sob a proteção de uma tarifa elevada e depois o exportam. Se não tomarmos cuidado, dentro de alguns anos vamos tomar café solúvel importado da Europa, como já compramos hoje o café italiano torrado em pacotinhos, que já podem ser achados no mercado, porque houve um processo de substituição de importações na Europa, como houve um processo de substituição do suco de laranja nos Estados Unidos.
Essa numeração, que a meu ver é muito elucidativa, mostra-nos dois grandes desafios: primeiro, remover essas barreiras, porque somos muito competitivos e temos muito a ganhar ao remover as barreiras de exportação dos nossos produtos. Por isso, temos de participar, de forma agressiva e com liderança, de todas as negociações em que pudermos defender a penetração dos nossos produtos. O segundo desafio, que é igualmente grande, está no fato de reunirmos efetivamente as condições para que possamos tirar proveito das novas regras de comércio e possamos negociar para o acesso dos nossos produtos. Não adianta ter regras, porque muitas vezes não existe a proibição, mas não exportamos. Para isso, precisamos nos preparar e já, em primeiro lugar, com estudos de mercado mais aprofundados sobre o impacto das negociações, e em segundo, prepararmo-nos para competir de forma mais agressiva. Devemos reduzir os custos de logística para produzir; encontrar formas de financiamentos mais adequadas; simplificar e desburocratizar as exportações e, sobretudo, enfrentar de uma vez o desafio da reforma tributária. A meu ver, há nova oportunidade, porque a economia mundial está se desaquecendo. Não somos uma ilha, a nossa economia está se desaquecendo, menos que as outras, mas também está.
Neste momento, temos de dar um forte estímulo ao produtor brasileiro, ao exportador.
Esta Casa é o lugar adequado para falar sobre isso. Temos de somar esforços com o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o empresário para vencermos a barreira da reforma tributária, talvez a mais difícil delas.
Não vou falar sobre as negociações em geral. Vou me restringir a duas palavras sobre a ALCA: os Estados Unidos são o maior mercado individual do mundo.
Eles importam cerca de um bilhão a um trilhão de dólares; 20% das exportações mundiais são para os Estados Unidos. Já deve ter sido dito que os países de uma eventual ALCA representam 50% daquilo que exportamos. Porém, é mais importante registrar que os produtos que importamos para eles são os de maior valor agregado.
Os Estados Unidos são aparentemente uma economia aberta, uma vez que a tarifa média lá praticada é de 5%. Mas, cerca de 130 itens estão sujeitos a uma barreira acima de 35%; e
311, acima de 15%. Aproximadamente 60% dos produtos brasileiros são afetados por medidas restritivas no mercado norte-americano.
Em novembro de 2002, o Brasil assume a co-presidência do processo negociador da
ALCA. Somos competitivos e trabalharemos para conseguir nossos objetivos, pois só temos a ganhar. Mas, como o Presidente da República já deixou claro, só aceitaremos um bom acordo, no qual as verdadeiras questões estejam sobre a mesa de negociação. Em outras palavras, o acesso, não via tarifas, mas a remoção de barreiras protecionistas e a questão do antidumping, em conformidade com a legislação dos demais países. Enfim, um acordo que nos assegure a igualdade de oportunidades e benefícios compartilhados.
Concederei a palavra aos expositores, que disporão de quinze minutos. Depois passaremos aos debates, sendo que cada debatedor terá sete minutos. Em seguida, franquearemos as perguntas ao público.
Peço que seja distribuída cópia de alguns dos exemplos de protecionismo que citei, dentre eles o mais extenso, porque são bastante elucidativos.
Concedo a palavra à Sra. Denise Gregory.
DENISE GREGORY[1] – Boa tarde a todos; integrantes da Mesa; Ministro Sérgio Amaral, Presidente da CAMEX; Deputado Aloizio Mercadante; colegas antigos da batalha sobre a ALCA; Sandra Polônia Rios; Lia Valls Pereira; e Stephan Bogdan Salej, da FIEMG.
Sou funcionária da Secretaria-Executiva da CAMEX. O tema do painel é “Acesso a mercados, tarifas, barreiras e regras de origem”. Como não podia deixar de ser, tentarei evitar repetições de números. Ainda bem que o Sr. Ministro antecedeu-me, porque S. Exa. já detalhou vários produtos.
Em primeiro lugar, quero parabenizar os organizadores pela realização deste seminário, cujos temas são bastante abrangentes e extensos.
A ALCA é, na verdade, uma grande floresta, e sobre ela é preciso uma reflexão urgente. Ainda é bastante reduzido o envolvimento da sociedade civil, apesar de que nos últimos anos tenha havido preparação cada vez maior, tanto do setor privado quanto dos empresários.
Certamente a Sandra falará sobre o trabalho da coalizão empresarial brasileira e do próprio governo, por meio da SENALCA (Seção Nacional de Coordenação dos Assuntos Relativos à Área de Livre-Comércio das Américas), composta por representantes de toda a sociedade civil. A participação da sociedade civil tem que ser plena, e o Congresso tem um papel decisivo a desempenhar.
A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) é órgão colegiado, composto pelos seguintes membros: o Secretário Executivo da CAMEX; os Secretários Executivos dos
Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda, das Relações
Exteriores, da Agricultura e do Abastecimento; o Chefe da Casa Civil da Presidência da
República; o Subsecretário-Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior do MRE; a Secretária de Comércio Exterior do MDIC; o Secretário da Receita Federal; o Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda; o Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil.
O papel da CAMEX é estabelecer diretrizes para as negociações de acordos internacionais. Em função disso, estabelece o desenho das estratégias negociadoras e o seus mandatos em cada uma das negociações de que o Brasil participa.
Quanto aos números da inserção brasileira no comércio exterior, destaco o programa de exportações, a iniciativa e as negociações de acesso a mercados.
Falarei ainda sobre assuntos já abordados anteriormente: as barreiras tarifárias e não-tarifárias e o custo de benefício do processo de integração.
Há quadro que aponta a estagnação da participação brasileira no comércio mundial. O nosso comércio exterior já atingiu índice maior do que 2% e, hoje, está próximo de 1%.
O saldo da balança comercial brasileira na década de noventa. No período de estabilização ocorrido após o Plano Real, houve a absorção de excedentes que poderiam ser exportados. Comparativamente, as importações foram maiores do que as exportações no período devido à abertura comercial.
No final da década, o déficit comercial foi reduzido. Neste ano, esperamos que haja superávit. Analisaremos os números adiante.
No que diz respeito aos números da evolução do comércio exterior brasileiro, o importante é mostrar que, no programa de exportações, a meta é superar as importações. Quer dizer, queremos alcançar um crescimento maior tanto das exportações quanto das importações.
Há variação e reversão no crescimento das importações e das exportações. De janeiro a setembro de 2001, o saldo comercial acumulado de 1.253 é o dobro do acumulado no ano passado. A variação é maior.
As exportações brasileiras crescem acima da média mundial. Em 2001, a previsão é de que o patamar de crescimento seja mantido. Esse é um dado importante, apesar de todo o quadro recessivo em que estamos vivendo.
Há sete iniciativas do Programa de Exportações do Governo Federal que estão de acordo com a exposição feita pelo Ministro Sérgio Amaral, entre elas a redução dos custos da importação, a logística financeira e o aumento da capacidade produtiva exportável.
Destaco o item 6, que se refere ao Programa de Promoção Comercial de Acesso a Mercados. A iniciativa prevê a importância dos acordos comerciais internacionais.
O Brasil é um global trader, segundo os seguintes dados de exportação do ano 2000:
14% para o MERCOSUL; 9,4% para os países da ALADI; 24% para os Estados Unidos; 27% para a União Européia; e 26% para o restante do mundo.
Portanto, 50% do comércio exterior brasileiro é realizado com países da ALCA, sendo mais de 80% das exportações de produtos manufaturados.
A produção é diversificada – conforme os exemplos citados pelo Sr. Ministro Sérgio
Amaral. Trata-se de pauta diversificada em termos de produtos, principalmente manufaturados.
Abordaremos, agora, o tema principal: a ALCA.
Hoje vivemos, como foi dito, denso momento relativo aos múltiplos cenários de negociação. Nessa semana, terminamos a elaboração, em termos de MERCOSUL e União
Européia, da proposta a ser apresentada próxima semana no Comitê de Negociações Birregionais, em Bruxelas, e também a discussão sobre a reação à oferta da União Européia.
Trabalhamos também à luz da perspectiva da reunião ministerial de Doha, no Qatar, em novembro.
A questão do MERCOSUL/Comunidade Andina representa negociação morosa e difícil, porque a comunidade andina tem muito receio da invasão dos competitivos produtos brasileiros. Solicitaram mais tempo e elaboraram enorme lista relativa a produtos sensíveis.
Temos ainda o acordo quatro mais um, cujos grupos de trabalho já estão funcionando no sentido de levantar as possíveis barreiras.
Esta é a floresta: o fundamental exercício de coordenação das agendas.
O tema “Integração regional” é vital para o Brasil e para a América Latina. Vivemos o fim do ciclo da alta liquidez internacional, com movimento recessivo da economia global.
Os atentados terroristas de 11 de setembro aprofundaram o cenário de incerteza e atingiram fortemente a confiança dos consumidores e dos investidores, promovendo uma perspectiva ainda mais grave de desaceleração da economia mundial.
A integração defendida refere-se ao aproveitamento das vantagens comparativas e competitivas da região, ao fortalecimento do MERCOSUL e ao avanço da integração regional sul-americana. Todos esses fatores podem alavancar nosso poder de barganha na ALCA.
Precisamos estabelecer marcos regulatórios comuns e desenvolver cadeias produtivas. Há experiência importante a ser aproveitada no desenvolvimento desse trabalho: os fóruns de competitividade das cadeias produtivas da Secretaria de Desenvolvimento da Produção do MDIC. O alargamento do modelo deve ser repassado para o MERCOSUL.
As tarefas de promover alianças regionais para o desenvolvimento científico e tecnológico e de desenvolver iniciativas conjuntas de construção de infra-estrutura mais densa na região já tiveram início no MERCOSUL.
Uma alternativa – consta do texto distribuído – é a concessão feita pelo Brasil aos países sul-americanos não membros do MERCOSUL de acesso ampliado aos nossos mercados, em troca de mandato para as negociações da ALCA.
Outra idéia contida no texto é a vinculação das negociações comerciais da ALCA às de finanças.
O grupo de acesso a mercados relativos à ALCA é um dos nove grupos que negocia o futuro acordo. O tratamento de acesso para produtos industriais está agrupado em seis temas básicos. Vários estão sendo discutidos neste seminário: as tarifas, as medidas não-tarifárias, os obstáculos técnicos ao comércio, as salvaguardas e as regras de origem.
O acesso também é analisado nos seguintes grupos específicos da ALCA: o Grupo de Negociação sobre a Agricultura (GNAG); o Grupo de Trabalho sobre Serviços; o Grupo de Trabalho sobre Investimentos; o Grupo de Negociação sobre Compras Governamentais. Cinco grupos tratam de questões relativas ao acesso de mercados e devem apresentar, até abril de
2002, recomendações sobre métodos e modalidades para as negociações. O início das negociações está previsto para 15 de maio de 2002.
No momento, todos os nove grupos – os cinco e os demais – estão trabalhando nos capítulos do Acordo da ALCA, que será composto de nove capítulos, além de subcapítulos.
Trata-se de texto colchetado, apresentado na última reunião ministerial de Buenos Aires, que reflete as divergências dos parceiros.
Os grupos reúnem-se em torno de três a quatro vezes por ano para aprimorá-lo.
Em termos de métodos e modalidades, estão sendo consideradas seis áreas principais no grupo de acesso a mercados. Elas definem a tarifa base o período de referência para as negociações, que compreende os três anos anteriores ao cronograma de desgravação, e a nomenclatura tarifária.
O MERCOSUL defende a negociação de oito dígitos e calendário em ritmo de eliminação de tarifas. Além disso, propõe: prazo de desgravação, períodos de carência, tipos de concessão tarifárias e métodos para determiná-las. O MERCOSUL define, por exemplo, se as concessões vão ser relativas a margens percentuais de preferências.
O MERCOSUL pretende que todo universo tarifário esteja sujeito à negociação. Admite diferentes prazos e um período de carência para produtos sensíveis.
Não apresentarei o slide das barreiras – assunto profundamente abordado pelo Ministro Sérgio Amaral.
Há dado interessante relativo à simulação realizada pela Secretaria-Executiva da CAMEX, que estimou que os ganhos potenciais de exportações brasileiras serão entre cinco e dez bilhões, caso as barreiras identificadas sejam removidas.
Os exemplos de barreiras estão baseados em estudos. A análise das barreiras externas é generalizada. Esse trabalho foi incialmente desenvolvido pela FUNCEX e hoje é atualizado pela contratante, a Secretaria de Comércio Exterior do MDIC.
Há também outro interessante trabalho a respeito das barreiras externas às exportações brasileiras nos Estados Unidos, elaborado pela Embaixada do Brasil em Washington. É importante ressaltar que a média tarifária nos Estados Unidos em torno de 4% é baixa. No MERCOSUL, é de 12%. A efetiva é ainda menor: 7%.
No Brasil, a proteção é feita apenas pelo mecanismo tarifário. É a tarifa que protege a indústria brasileira. Nos Estados Unidos, a proteção decorre das barreiras tarifárias, não-tarifárias e de vários outros mecanismos de restrição às exportações.
Destaco, no próximo quadro, o relevante tema “Regras de origem”, porque, para que as mercadorias se beneficiem de tratamento tarifário preferencial, devem estar amparadas por certificados de origem. Logo, condições de acesso são determinadas por negociações sobre regras de origem, razão por que é essencial o ajustamento desse tema no grupo de acesso a mercados.
Há capítulo no Acordo que visa regular a circulação de mercadorias que gozam de preferências. As regras de origem podem ser preferenciais ou não. No caso, falamos de regras de origem preferenciais concedidas ao amparo do Acordo ALCA.
Será concedido tratamento preferencial às mercadorias obtidas ou elaboradas totalmente na região e também àquelas que incluem insumos de fora, porém, transformados nos países da
ALCA.
Por intermédio dos desenhos das regras de origem, induzimos os investimentos da região. Quer dizer, ao assegurar que produtos de fora da região tenham que apresentar certificado de origem, está-se assegurando que a produção brasileira, bastante verticalizada, pode beneficiar-se desse desenho.
Na ALCA, as regras de origem basear-se-ão principalmente na mudança de classificação tarifária, critério que demonstra agregação de valor.
Caso isso não seja suficiente, será permitida a utilização de outros princípios, como o conteúdo regional, que analisa o valor agregado e transformações específicas do processo produtivo.
Toda a definição estratégica de acesso a mercados requer o embasamento de estudos setoriais, análises da composição da pauta e do potencial exportador de cada setor.
Portanto, são fundamentais os estudos que estão sendo feitos. A CNI contratou a
FUNCEX para realizar estudos setoriais. A Dra. Sandra deve descrevê-los posteriormente. A Secretaria-Executiva da CAMEX contratou o IPEA para fazer um levantamento sobre estudos recentes. Quer dizer, a resenha será disponibilizada para todos, porque o mapeamento é essencial para constatar o que já foi feito e verificar a necessidade ou não de aprofundamento da discussão. Isso requer, além de informações, diálogo, participação, mobilização permanente do Congresso e da opinião pública.
Por fim, concluo com dois slides: um mostra os benefícios da ALCA; outro a agenda positiva da ALCA.
Todo o processo relativo à ALCA é bastante complexo e apresenta simultaneamente oportunidades e riscos.
Precisamos recuperar muitas oportunidades perdidas de acesso. Temos o exemplo da China, que conseguiu, em uma década e meia, vender mais para os Estados Unidos do que vinte e cinco vezes o Brasil exporta.
Entre os benefícios já citados, ressaltamos a ampliação do acesso a produtos e serviços, via redução ou eliminação das barreiras, simplificação de procedimentos no Hemisfério, redução de custos, harmonização de regras e normas, atração de novos investimentos.
A ALCA é um pedaço de todo o desenho de integração do Hemisfério.
O próximo e último slide mostra a agenda da ALCA.
Definimos o que queremos em relação a muitos produtos. Setores competitivos, como a agroindústria, o têxtil, o siderúrgico e o de calçados, defendem que a ALCA limite: o emprego de instrumentos de protecionismo, os subsídios, a utilização distorcida de regras. Também são necessárias melhores condições para a reestruturação de setores sensíveis. As regras sobre antidumping deve ser compartilhadas e transparentes.
Precisamos expandir as exportações e remover as barreiras externas, inclusive os subsídios que nos deslocam para os terceiros mercados. É preciso vender melhor, não basta produzir barato.
Quanto à agenda interna, é necessário empreender reformas que tornem mais competitivos nossos produtos e exercer a liderança do contexto sul-americano para, em conjunto, ter mais influência na mesa de negociações.
Obrigada.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Agradeço à Dra. Denise Gregory pela sua exposição.
Concedo a palavra à Dra. Sandra Polônia Rios, que disporá de quinze minutos.
SANDRA POLÔNIA RIOS – Inicialmente, parabenizo a Câmara dos Deputados pela realização deste seminário. Trata-se de oportunidade ímpar que envolve o Congresso Nacional e, através dele, a sociedade civil no debate sobre a integração comercial internacional.
Embora o grau de reflexão interna no Brasil sobre essas questões tenha aumentado sobremaneira nos últimos anos, ainda assim é bastante incipiente.
Portanto, tal iniciativa é da maior importância para discutir não apenas os interesses externos, mas as dificuldades que vamos obter e lograr nesse processo de negociação, mas especialmente discutir como vamo-nos preparar para enfrentar uma nova época, em que uma nova onda de liberalização comercial e integração econômica resultará desses processos de negociação.
Enquanto não começamos o primeiro slide, gostaria de mencionar que, durante o almoço, tive a oportunidade de sugerir ao Deputado Marcos Cintra que realizássemos um seminário como este para discutir as negociações entre o MERCOSUL e a União Européia, que me parecem outro empreendimento de grande vulto, da maior importância para a economia brasileira, mas que têm merecido pouca atenção da opinião pública.
Até meados da década de noventa, como disse o Ministro Celso Lafer hoje pela manhã, a estratégia ótima de inserção internacional para o Brasil parecia ser a consolidação do MERCOSUL; a negociação de uma Área de Livre-Comércio das Américas, em segundo lugar; o reforço do sistema multilateral de comércio, por intermédio da OMC; e somente no último lugar estaríamos negociando acordos do tipo ALCA ou com a União Européia. Essa estratégia, de círculos concêntricos, talvez gerasse para o Brasil uma otimização das condições de negociação internacional.
Essa estratégia de algum modo está superada pelos fatos. Não que os interesses tenham mudado, mas efetivamente o ambiente externo não cooperou para que seu cronograma pudesse ser seguido.
As principais dificuldades foram: em primeiro lugar, a falta de convergência dos principais parceiros do Brasil. Sabe-se perfeitamente que tanto alguns membros do MERCOSUL quanto parceiros comerciais do Brasil na América do Sul têm interesses mais firmes de aceleração das negociações com o Norte, especialmente com os Estados Unidos, e que isso não contribui para a manutenção de um prazo mais longo de negociações, em que se permitisse a essa estratégia inicial ser levada a cabo. Em segundo lugar, a partir do fracasso da reunião de Seattle, o regionalismo ganhou novo ímpeto, e as negociações da ALCA ganharam nova expressão. Em terceiro lugar, problemas internos do MERCOSUL dificultaram o avanço na agenda de integração, na agenda consolidação e no aprofundamento do bloco.
Ainda do ponto de vista do cenário em que estamos negociando, acho muito importante não perder de vista que nossa estratégia não se desenvolve num vácuo. Enquanto estamos pensando em quais as melhores estratégias para o Brasil, outros países desenvolvem outras estratégias e iniciativas de negociação, avançam, e todas essas iniciativas têm forte interdependência e interconexão entre si.
O ritmo das negociações depende de uma complexa combinação de interesses. Acho que ela é dinâmica e variável, e podemos perceber que, ao longo das negociações, da ALCA já tivemos mudanças de posições de países que, em determinadas situações, atuavam no sentido de postergar as negociações e que, dependendo de outras variáveis, passam a apoiar um avanço mais rápido delas. Portanto, não estamos sozinhos e nossos parceiros tanto no MERCOSUL quanto na América Latina podem muitas vezes ter interesses que variam ao longo do tempo.
Além disso, existe uma forte interdependência entre as diversas iniciativas de negociação. As negociações da ALCA e as do MERCOSUL e União Européia têm impactos umas sobre as outras, especialmente as negociações da ALCA sobre a União Européia. E não foi por outro motivo que a Europa se apressou, em julho deste ano, a apresentar uma oferta concreta de negociação ao MERCOSUL. Foi basicamente um resultado da reunião de cúpula de Québec, em que o ímpeto do processo da ALCA ficou claro, embora os prazos de negociação tenham sido mantidos.
Portanto, esses ritmos têm impacto uns sobre os outros, e certamente o lançamento de uma nova rodada de negociações no âmbito da OMC influenciará as agendas da ALCA e da União Européia e a própria consolidação e o aprofundamento do MERCOSUL.
Por fim, parece-me que neste momento não há como deixar de considerar os desenvolvimentos que os trágicos acontecimentos de 11 de setembro terão sobre o cenário de negociações. Embora esse cenário seja ainda muito nebuloso, dois fatos ou duas tendências parecem já ser claramente percebidas.
A primeira delas é o esforço dos principais países desenvolvidos em manter acesa a chama do multilateralismo. Hoje, pela manhã, já tivemos notícias de que os trabalhos se intensificam, para que seja bem-sucedida a tentativa de lançamento de uma nova rodada no âmbito multilateral.
Em segundo lugar, também aparece como uma das tendências um processo de utilização mais freqüente e intenso de concessões comerciais unilaterais por parte dos Estados Unidos a países com os quais eles têm novos interesses políticos ou militares.
Esses dois efeitos têm impactos diversos sobre a estratégia brasileira. O primeiro efeito tem um impacto bastante positivo. O reforço do multilaterismo interessa ao Brasil e o lançamento de uma nova rodada é da maior importância para a nossa estratégia de inserção internacional.
O segundo efeito tem impacto negativo para o Brasil, especialmente para nossas pretensões de acesso a mercados. Um dos principais problemas que nossas exportações têm sofrido no mercado norte-americano, no período recente, tem sido a perda de preferências no mercado americano para outros países que recebem preferências tarifárias, tanto pela realização de acordos comerciais – como foi o caso do México no NAFTA – quanto de acordos de concessão unilateral que os Estados Unidos vêm fazendo a outros países, como países do Caribe. E recentemente, após 11 de setembro, a ampliação de preferência para o Paquistão e outros países.
Portanto, cada concessão dessas, feita de forma unilateral a países em desenvolvimento, que exportam produtos para o mercado norte-americano que competem com produtos brasileiros, representa maior dificuldade de acesso aos nossos produtos no mercado norte-americano.
Esses dados já foram exaustivamente citados aqui. Eles apenas reforçam a dispersão das exportações brasileiras entre os diferentes blocos econômicos ou áreas do mundo.
Gostaria apenas de chamar a atenção para o fato de que falam muito das exportações, mas, do ponto de vista das importações, a distribuição por blocos econômicos de origem também é bastante parecida, ou é semelhante à distribuição das nossas exportações. Isso significa que, em termos de comércio, nossos interesses são bastante diversificados e coincidentes do ponto de vista de exportações e importações.
Ressalto, ainda, que, para a formulação de nossas estratégias de negociação, é importante verificar que tipo de produtos exportamos para que partes do mundo. E aqui surgem elementos importantes para a definição da nossa estratégia. O Brasil exporta produtos manufaturados em grande proporção para os países que estão negociando a ALCA. Oitenta e um por cento das nossas exportações para os países da ALCA são compostos de produtos manufaturados. Isso poderia, em princípio, ser entendido como um resultado do fato de que entre os países que estão negociando a ALCA existem vários membros da ALADI, nos quais já contamos com alguma preferência. Mas o fato é que, se isolarmos os Estados Unidos, veremos que mais de 70% das nossas exportações para este país são de produtos manufaturados também, o que indica forte interesse do setor industrial nessas negociações.
Já para a União Européia, o comércio é mais balanceado: 43% das nossas exportações são de produtos básicos e cerca de 40% de produtos manufaturados.
A combinação da avaliação e do detalhe de fluxo de comércio com o tipo de barreiras que enfrentamos nos diversos mercados conduz à elaboração das estratégias negociadoras.
É importante chamar a atenção para o fato de que nossas exportações para os países que estão negociando a ALCA, além de terem uma forte concentração de produtos manufaturados, são bastante diversificadas. Enquanto os trinta principais produtos de exportação para a União Européia respondem por 65% da nossa pauta exportadora, para os países da ALCA, esses mesmos trinta produtos respondem por apenas 35% do total da pauta de exportações.
Além disso, quando combinamos essa informação com o tipo de barreiras que enfrentamos nos países da ALCA, especialmente nos Estados Unidos – não vou entrar em detalhes porque o assunto já foi amplamente mencionado –, é importante chamar a atenção para o fato de que essas barreiras estão tanto em produtos agrícolas, agroindustriais, como em produtos manufaturados de origem industrial. Isso também gera uma relação de interesses bastante diferenciada entre setores econômicos.
O envolvimento do setor empresarial brasileiro com as negociações da ALCA vem-se intensificando. Começou de forma mais expressiva em 1996, quando foi realizado o Segundo Fórum Empresarial das Américas, em Cartagena, na Colômbia. Então, os empresários brasileiros se deram conta de que o processo de negociações estava em curso, ia seguir um curso natural, e que o setor privado estava pouquíssimo envolvido, detinha pouca informação, pouca reflexão interna, não estava preparado para influenciar o processo.
Ao mesmo tempo, tomou-se a decisão, em grande parte por responsabilidade do Dr. Stefan Bogdan Salej, que está aqui, de levar o Terceiro Fórum Empresarial e a Terceira Reunião de Ministros para Belo Horizonte. Essa foi uma oportunidade bastante promissora para que os empresários brasileiros dessem uma guinada na sua forma de atuação, em termos de negociações internacionais, e passassem a se organizar para entender o processo, identificar seus interesses e apresentá-los de forma clara e bem estruturada.
Foi quando surgiu a Coalizão Empresarial Brasileira, que é um movimento informal, aberto à participação de todos os setores empresariais, e hoje conta com a participação de empresas e organizações empresariais do setor industrial, mas também com participação ativa das organizações dos setores agrícola e de serviços.
A Coalizão Empresarial Brasileira vem elaborando documentos de posição, os quais são discutidos com o governo e enviados aos fóruns empresariais internacionais.
Rapidamente, gostaria de dizer que as principais prioridades do setor empresarial brasileiro para as negociações da ALCA estão nesses documentos, que podem ser encontrados no site da CNI e, mais importante do que tudo – agora, por favor, a penúltima transparência –, é nossa preocupação com a preparação doméstica.
A ALCA pode ser benéfica ou maléfica para o Brasil, dependendo da nossa habilidade para negociar e do nosso grau de preparação interna. Existem grandes oportunidades de eliminação de barreiras, de aumento de exportações e, por outro lado, de nos prepararmos para competir com os produtos que entrarão no Brasil livres de barreiras. Mas, para que possamos usufruir das oportunidades e avaliar, ao final, se esse acordo será benéfico ou não para o Brasil, é necessário que estejamos bem preparados.
Essa preparação envolve, em primeiro lugar, a capacidade de identificarmos claramente os nossos interesses. O Brasil e o setor empresarial brasileiro, não apenas o setor empresarial como a sociedade civil, tiveram no passado dificuldades de apresentar claramente suas posições e seus interesses negociadores. É hora de fazer isso de maneira mais clara.
Em segundo lugar, envolve habilidade para negociar. Nesse aspecto parece-me que os negociadores brasileiros vêm demonstrando, mesmo na ALCA, que o Brasil vem conseguindo fazer aprovar suas principais posições negociadoras.
Em terceiro lugar, envolve a organização e preparação da estrutura doméstica para esse processo. Isso significa, do ponto de vista das exportações, exoneração tributária das exportações, desenvolvimento da infra-estrutura e logística, financiamento, desburocratização e promoção comercial. Mas, acima de tudo, do ponto de vista da competição no mercado doméstico, é necessário isonomia tributária com o produto importado e redução do custo de investimentos.
Dentre todas as reformas necessárias, talvez a mais importante e urgente seja a reforma tributária. Com a atual estrutura tributária, basicamente toda a proteção tarifária, que é concedida pelas tarifas de importação no Brasil, ou boa parte dela, é compensada por impostos que incidem em cascata sobre a estrutura produtiva brasileira. Se as tarifas de importação são eliminadas sem que se resolva o problema dos custos que incidem sobre a produção brasileira e não incidem sobre os produtos importados, estaremos, sim, em condições de competição desiguais.
Temos até 2005 para aprovar e implementar todas as reformas que nos permitirão conviver num novo ambiente aberto. Se não aproveitarmos esse tempo, aí, sim, estaremos em sérias dificuldades para aproveitar os benefícios que eventualmente esse acordo poderá trazer para o Brasil.
Obrigada.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Quero agradecer à Sra. Sandra Rios a sua apresentação.
Damos início aos debates.
Tenho a satisfação de conceder a palavra ao primeiro debatedor, o Deputado Aloizio Mercadante, que disporá de sete minutos para suas considerações.
ALOIZIO MERCADANTE – Sr. Coordenador, em primeiro lugar, quero saudar essa iniciativa que nos empenhamos em realizar, como possibilidade de envolver o Congresso e a sociedade brasileira, as universidades, os empresários e os trabalhadores nesse processo de negociação absolutamente decisivo para os interesses econômicos e históricos do Brasil.
Sou extremamente crítico à política externa do governo brasileiro, à política de comércio exterior e à política econômica que tivemos ao longo deste último período. Diria que temos uma imensa inquietação com os possíveis desdobramentos desse processo de negociação.
A tese básica do neoliberalismo, que se apresenta no Brasil no início dos anos noventa e é reforçada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, é a de que a abertura comercial, a desregulamentação da economia, as privatizações, o Estado mínimo trariam uma série de benefícios, como crescimento acelerado e sustentado da economia, mais emprego, menos desigualdade, maior participação do Brasil no comércio exterior.
São sete anos só deste governo, que já permitem fazer uma experiência dessa política e dos resultados dessa estratégia. Nós não ampliamos nossa participação no comércio internacional com toda a abertura que foi promovida na OMC (Organização Mundial do Comércio), no final de 1994, e com a estratégia de comércio exterior que tivemos ao longo desse período, agravados, evidentemente, pela sobrevalorização do real nos primeiros quatro anos. A produção agrícola, por exemplo. Nossa participação no comércio internacional, em 1975, era de 7,2%; no ano 2000, de 3,8%. Caiu praticamente à metade da participação que tínhamos antes disso.
Em segundo lugar, não melhoramos significativamente nossa pauta de exportações. Mais grave: assistimos ao profundo desequilíbrio do comércio exterior.
E quero começar por aí, para que se veja onde nos pode levar um projeto como a ALCA.
O governo Fernando Henrique Cardoso, ao entrar na Organização Mundial do Comércio e reduzir todas as tarifas, as barreiras não-tarifárias, de forma ingênua, despreparada e sem qualquer perspectiva dos interesses estratégicos do Brasil, fez com que nosso saldo comercial, que era de dez bilhões e quatrocentos milhões de dólares, em 1993, tivesse, quatro anos depois, déficit de sete bilhões de dólares.
Vou citar dados relativos aos Estados Unidos nessa negociação da ALCA, porque isto pode se repetir na história do Brasil.
De 1994 a 1997, nossas exportações para os Estados Unidos cresceram 5,2% e nossas importações da economia americana cresceram 116,5%. Conseguimos uma proeza. Quer dizer, dos 189 países que estão registrados na ONU, apenas doze têm déficit comercial com os Estados Unidos. O Brasil conseguiu ser um dos países deficitários no comércio exterior.
Essa política externa gerou profunda vulnerabilidade estrutural. O passivo externo líquido dolarizado do Brasil, que era de 158 bilhões de dólares, está em aproximadamente quatrocentos bilhões de dólares. A remuneração desse passivo, que é a dívida externa, desnacionalização da economia, se feita a uma taxa de 6% ao ano, significará compromisso em torno de vinte e cinco bilhões de dólares/ano, para o que vamos ter de gerar dólares ou pedir emprestado. De alguma forma vamos ter de honrá-lo.
Portanto, a questão central, no caso de um país como o Brasil, neste momento da sua história, é superar essa vulnerabilidade, o que significa gerar superávit comercial o mais rapidamente possível e de forma sustentável ao longo do tempo. Ou seja, exportar mais, melhorar a qualidade da pauta de exportações e substituir importações, especialmente de produtos de consumo acabado, que, na nossa pauta, estão em torno de doze bilhões de dólares.
A pergunta que faço: a ALCA contribuirá para isso? A ALCA vai diminuir nossa vulnerabilidade, nossa dependência de capital volátil, essa exposição, que o Brasil está hoje vivendo, a toda instabilidade financeira internacional? Acho que não.
Quero citar alguns dados e fazer alguns argumentos. Os Estados Unidos, sozinhos, têm 78,9% do PIB da América. Nós somos o segundo país, com 4,9%. É um continente extremamente assimétrico.
O que significa daqui a quatro anos removermos as barreiras tarifárias e não-tarifárias para o comércio exterior? Significa que o Brasil vai ter de competir em igualdade de condições com uma economia que hoje tem taxa de juros de 2,5% ao ano. Vivemos num país em que nenhuma empresa se financia com menos de 2,5% ao mês. E se entrar no cheque especial, pagará juros de 10% ao mês.
O PIB do País, mesmo tirando o efeito da valorização, é pelo menos 11% menor que o PIB americano. Produzimos, no ano passado, um milhão e seiscentos mil veículos. Os americanos produziram dezessete milhões de veículos. O que significa competir em igualdade de condições com essa escala de produção?
Somos um país que não tem tradição em tirar mecanismos de defesa comercial não-tarifária. Os americanos desenvolveram como ninguém uma lei antidumping extremamente eficaz e poderosa, sobreutilizada, além de mecanismos de subsídios. Sessenta e seis por cento da renda do agricultor americano são provenientes do governo.
Ele é um funcionário público disfarçado de produtor rural. E vêm crescendo ano a ano os subsídios na economia americana, como cresceu este ano, à agricultura. Não bastassem essas disparidades, que são extremamente preocupantes, temos de entender que eles têm liberdade de política econômica, o que não temos. Vejam, por exemplo, nessa crise, o que é a política econômica americana: eles reduziram a taxa de juros de 6% para 2,5%, devolveram para os consumidores trinta e dois bilhões de dólares do imposto de renda, para gerar demanda agregada, e deram quinze bilhões de dólares para as empresas aéreas no momento de crise. O discurso aqui é o seguinte: está em dificuldade, desnacionaliza e vende, porque é ineficiente. Lá, o neoliberalismo.
Talvez tenha sido Bin Laden o pretexto keynesiano, mas rapidamente eles passaram a socorrer, investir, fazer gastos públicos e a proteger o setor estratégico da economia. Liberaram trinta bilhões de dólares para a reconstrução de Nova York; quarenta bilhões para a guerra; um bilhão de dólares, agora, para a CIA matar Bin Laden; 1,5 bilhão para vacinas, e estão falando num pacote de cem a cento e vinte bilhões de dólares. Eles saíram de um superávit primário para o déficit. Rapidamente estabeleceram uma política tipicamente keynesiana.
Na mesma crise, na mesma recessão, o que somos obrigados a fazer, sob as imposições do FMI, sob pressão do governo americano? Aumentar a taxa de juros de 15% para 19%. Cada ponto percentual de aumento na taxa de juros representa menos cinco bilhões de reais ao ano no Orçamento. Quer dizer, três pontos percentuais na taxa de juros dariam para dobrar a verba para a educação num país como o Brasil. Mas estamos aumentando impostos, cortando gastos públicos. Tínhamos um superávit de trinta e cinco bilhões de reais. Vamos alcançar um superávit de quarenta e dois bilhões de reais, tirando mais dinheiro da sociedade e impedindo que o Brasil reaja à recessão, volte a crescer, gere emprego e crescimento.
Como podem dois países, que não têm a mesma liberdade de política econômica, não têm as mesmas condições, competir em igualdade de condições?
Podemos estar caminhando com roupa nova, mas, na realidade, com a mesma ideologia.
Não por uma integração comercial, mas por uma anexação comercial. E o país que mais perde na América Latina é o Brasil, porque tem estrutura industrial de serviço diversificada e, portanto, mais concorrencial à estrutura americana.
Eu quero ler trecho que expressa bem o que os americanos querem com a ALCA. Vou citar Colin Powell. Por sinal, quando fomos para Québec, Bush estava com ele ao lado, para negociar. Ele leva as Forças Armadas quando vai negociar. Diz Colin Powell:
“Nós poderemos vender mercadorias, tecnologias e serviços americanos, sem obstáculos ou restrições, dentro de um mercado único de mais de oitocentos milhões de pessoas, com uma renda total superior a onze trilhões de dólares, abrangendo uma área que vai do Ártico ao Cabo de Hornos. O Presidente Bush espera ansiosamente pela oportunidade de reenergizar as negociações da ALCA”.
Eles sabem o que querem. E eles têm eficiência, competitividade, tamanho,
externalidade, escala, custo de financiamento do capital, infra-estrutura, para, num processo de liberalização, venderem cada vez mais, ocuparem parcela significativa do nosso mercado e conseguirem expandir o NAFTA, que já é uma realidade e que não se trata apenas de um acordo comercial. O capítulo 11 do NAFTA, por exemplo, trata dos direitos das empresas investidoras.
Cito o exemplo da Esso. O governo canadense proibiu o uso de metanol na produção de combustíveis. A Esso recorreu à arbitragem internacional e ganhou. Foi indenizada em vinte e dois milhões de dólares e teve direito de voltar a produzir metanol.
Quer dizer, as empresas perdem. O Estado nacional, o poder jurídico nacional, não tem mais poder de regular e disciplinar os investimentos externos no território brasileiro. Isso está no NAFTA, está na pauta de negociação. O projeto de expansão do NAFTA inclui direitos como esse, incompatíveis, diria, com o projeto de construção nacional e com os interesses históricos, numa sociedade como a brasileira.
Tenho muito pouco tempo. Quero então perguntar: existe outro caminho? É evidente que sim. O êxito diplomático, o êxito da diplomacia que a Europa apresenta nesse início de século XXI, com a integração... Primeiro, que não se trata apenas de uma integração comercial. Essa integração foi construída ao longo de mais de quarenta anos. Há instituições multilaterais democráticas, como o Parlamento europeu, o Conselho de Ministros, a Corte de Justiça; tem uma coordenação macroeconômica, o Maastricht, um Banco Central, no final desse processo, e moeda única, construída coletivamente – o euro; tem integração do mercado de trabalho e da legislação previdenciária e trabalhista. Nada disso está sendo proposto na negociação da ALCA.
Principalmente na integração comercial européia, os fundos de compensação protegeram os países mais pobres, como Portugal, Espanha e Grécia. Eles receberam dinheiro a fundo perdido, para que pudessem desenvolver os setores abalados pela integração.
Não há fundo perdido, não há compensação, não há perspectiva de integração no mercado de trabalho. Os americanos querem tudo, como diz Colin Powell, menos os latino-americanos. “Não vai haver greencard para que pobres vão trabalhar lá.” Por sinal, está cada vez mais difícil tirar visto.
Ou há investimento, emprego e crescimento aqui, ou vai aumentar a exclusão social, a pobreza e a desigualdade. E não teremos as mesmas condições que o México, porque ele tem uma vantagem comparativa que nós não temos: a fronteira americana. Há vinte milhões de mexicanos lá dentro. Uma das tarefas fundamentais da negociação da ALCA foi impedir esse processo, esse fluxo imigratório, e nós não teremos, diria, as mesmas condições, as mesmas possibilidades.
O tempo é insuficiente para que se faça um debate como esse. Quero dizer que nós temos de olhar fundamentalmente, neste momento, para a América do Sul, como a Europa fez, se unificando para poder ter força e presença no cenário internacional. O Brasil, país sul-americano mais forte, deveria buscar a integração da América do Sul, procurar ampliar e aprofundar o MERCOSUL, construir mecanismos de coordenação política e econômica, pensar numa integração não só comercial, mas também cultural, científica, tecnológica, diplomática, para que esta região mais pobre do planeta tenha mais força para negociar com o NAFTA e a União Européia, e manter uma vocação multilateral de comércio.
E ainda, temos de incrementar os acordos bilaterais. O Brasil tem de negociar com os Estados Unidos. O MERCOSUL pode negociar com eles. E acordos bilaterais baseados no princípio da reciprocidade: abre lá, para vermos o que vamos fazer aqui. Não podemos entrar ingenuamente, com essa ideologia neoliberal de novo, depois do balanço dessa história recente.
Por quê? Basta ver o seguinte dado: se o objetivo – e o ministro disse muito bem – é gerar emprego, diminuir a pobreza e a desigualdade, se é isso que queremos para o Brasil, faça-se o balanço desses sete anos. A taxa de crescimento média do PIB foi de 2,4%, num dos períodos de maior crescimento internacional e da economia americana, com liquidez e financiamento da nação. Apenas três presidentes, no século XX, conseguiram fazer o Brasil crescer menos do que fez Fernando Henrique Cardoso: Venceslau Brás, na Primeira Guerra Mundial; Washington Luís, em 1929; e Collor – sempre digo –, porque era o Collor.
Nós não crescemos. Encontramo-nos de novo em quadro de recessão, estamos mais vulneráveis do que éramos. Isso significa que o Brasil tem de saber defender o patrimônio que tem: seu mercado interno. Ele é que gera escala, produtividade, atrai investimento externo, como a China demonstrou ao longo das últimas duas décadas. É o mercado interno que cria condições para que possamos disputar com mais eficiência o mercado externo, porque vamos sair com mais competitividade e mais eficiência, pelo volume, pelo tamanho, pelas externalidades que o fortalecimento do mercado interno promove.
Portanto, deveríamos buscar parceiros como a Índia, a China e a África do Sul para uma nova agenda. Essa crise que vivemos desde 11 de setembro mostra que é preciso uma nova ordem econômica internacional. O Brasil tem de se alinhar com países que tenham problemática semelhante à sua, dizendo que é preciso mais justiça. Não é possível que os países ricos liberem um bilhão de dólares por dia de subsídios para a agricultura, sobretudo às exportações, que competem com nossos produtos. Não é possível o protecionismo exacerbado que essas afirmações estabelecem.
A saída para isso não é a liberalização mútua, como se fosse a mesma coisa. A tarifa americana média para exportação é de 3,5%. A nossa, de 13,5%. No entanto, nós é que vamos abrir mais o mercado, e não podemos fazer isto, porque não temos o mesmo custo de capital, não temos o mesmo tamanho, não temos a mesma eficiência média. É evidente que alguns setores ganham com a integração. Foram colocados vários setores onde somos mais eficientes: na indústria de suco de laranja, aço, calçados. Mas na média não somos mais eficientes, nem poderíamos ser.
Portanto, não se pode aceitar a tese de que a liberalização vai favorecer fundamentalmente o mais fraco no processo de negociação. O Piauí tem liberdade comercial com São Paulo há quinhentos e um anos. E se fosse só em função da liberdade comercial, a desigualdade social jamais seria superada. É preciso política pública compensatória, política de desenvolvimento regional, e isso não está sendo discutido; não existe na agenda e na proposta da ALCA.
O Brasil foi colônia por trezentos e vinte e dois anos. O que temos de decidir nesse início do século XXI é se queremos continuar sendo uma nação soberana ou se vamos aceitar a anexação comercial. Esta não é simplesmente uma discussão política ou ideológica. Quero que se faça o balanço do que foi a história recente do comércio exterior brasileiro, que só se modificou porque superamos a âncora cambial e começamos a ter estratégia de defesa comercial um pouco mais eficiente, começamos a pensar que é preciso exportar, substituir importações, ter saldo comercial, não depender do capital volátil especulativo, que não tem regulação internacional.
Acho que o Brasil é um país importante, grande, que tem estrutura industrial e agrícola diversificada, que faz fronteira com dez países. Deve, portanto, procurar ter política externa um pouco mais corajosa e ousada, não se subordinar ao neocolonialismo e à anexação comercial que a ALCA pode representar.
Muito obrigado.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Passo a palavra à segunda debatedora, Sra. Lia
Valls Pereira.
LIA VALLS PEREIRA – Boa tarde. Antes de mais nada, agradeço pelo convite que me foi feito.
Tenho uma vantagem em relação aos que falaram antes: não sou governo, portanto, não preciso defender nenhum projeto ALCA, em termos da lógica do governo. Também não estou aqui representando partido político algum. Logo, posso discutir exatamente o que a ALCA representa enquanto estratégia negociadora. E nesse aspecto, concordo com várias pontos mencionados pelo Deputado Aloizio Mercadante, por Sandra Polônia Rios, representante do setor empresarial, pelo Ministro Sérgio Amaral e por Denise Gregory também.
Primeiro ponto: acho que a idéia de se discutir na Câmara dos Deputados a questão da ALCA é fundamental, porque é importante que a sociedade entenda o que é uma negociação comercial, o que se está na realidade negociando na ALCA. Nesse aspecto, como falei, concordo com o Deputado Aloizio Mercadante: não há garantia alguma de que a ALCA vá garantir crescimento para a economia brasileira. A ALCA não vai resolver o problema da nossa vulnerabilidade externa em termos de poupança. Nós temos sério problema de incremento da poupança doméstica, e não há relação imediata entre o comércio e esse tema. Da mesma forma, a ALCA não vai resolver nem vai melhorar a questão da distribuição de renda na economia brasileira. Esse, o primeiro ponto.
A partir daí, privilegiando nosso tema, a questão do acesso ao mercado, passo a mencionar que a negociação da ALCA tem dois grandes temas: o acesso ao mercado e a questão das disciplinas, que serão discutidas depois: investimento, antidumping, etc.
Em relação ao acesso ao mercado, temos de ser claros, ainda mais porque há essa idéia de que o debate envolva setores da sociedade.
A primeira questão de fundo a ser debatida é a seguinte: é desejável ou não aumentar ou intensificar o processo de liberalização da economia? A primeira controvérsia que se tem de esclarecer é essa. Do ponto de vista econômico, pode-se justificar uma ou outra. Independente da ALCA, do MERCOSUL, da União Européia, há esse debate. Alguns consideram que o processo de abertura foi rápido demais e que não é o momento de intensificá-lo, outros acham que o processo de liberalização, ao contrário, teria de avançar mais. É preciso ter claro isso.
Segundo ponto: ALCA, MERCOSUL ou União Européia?
Apesar de se dizer que as negociações são comerciais, elas representam acordos políticos. E esses acordos expressam também preferências. É óbvio que é diferente. Num primeiro momento, faz-se preferência pelo âmbito hemisférico, em detrimento da área MERCOSUL/União Européia ou faz-se preferência pela MERCOSUL/União Européia, em detrimento da ALCA. Isso também tem de ficar claro.
Um terceiro ponto – e falo aqui somente como economista. Os economistas sabem que não há estudo comprobatório de que a liberalização não promove necessariamente crescimento econômico. A liberalização tem efeitos profundos sobre a distribuição de renda e setorial de um país. Obviamente, o impacto da ALCA sobre a economia brasileira não é neutro. Embora o argumento da simetria seja muito interessante, não gosto dele. Se pensarmos assim, nossos vizinhos paraguaios, uruguaios e mesmo os argentinos, poderiam considerar a proposta do MERCOSUL, que tanto defendemos, um horror, porque o impacto para eles é muito grande. Portanto, é preciso atenuarmos esse tipo de argumento.
Em relação à liberalização, o comércio não é neutro, ele realmente causa perdas. O
Deputado Marcos Cintra citou estudos preliminares que fizemos sobre os impactos, financiados pelo MDIC. Eles mostram que, na realidade, vários setores perdem – como o de empregos e de produtos –, e outros ganham. É importante que se façam cada vez mais outros estudos. Qual é a resposta? O que está na mesa para ser discutido? Alguns consideram que é melhor a não-liberalização, a manutenção da lógica de proteção. Outros pensam que a liberalização tem alguns efeitos positivos: destrói o lobby protecionista; proporciona eficiência para alguns setores. Também não quero que o Brasil tenha uma piora na distribuição de renda e na geração de emprego. Então, sou favorável a que haja políticas de compensação, sim. Há falhas de mercados? Quero que elas sejam corrigidas. Esse debate é complicado, mas precisa ficar claro.
Existe uma coisa chamada economia política de proteção. Em geral, quando se fala num congresso que determinado setor vai ser prejudicado, tem-se que discutir verbas orçamentárias nele. Entre discutir verbas orçamentárias ou dar proteção, os Estados Unidos quanto a isso são práticos: muitas vezes, preferem dar proteção. Por quê? Porque a proteção não é transparente. Não há muita clareza de quem está pagando ou não uma tarifa. Esse é o ponto que tinha a abordar em relação ao debate da questão de acesso a mercado. É um debate que vai começar.
Antes de sermos a favor ou não da liberalização – meu ponto de vista é mais fácil, porque estou aqui só como economista –, é preciso esclarecermos para a sociedade, na realidade, qual é o debate. É preciso haver mais liberalização? Sim ou não? Sobre que condições? A liberalização melhora ou não a distribuição de renda? Concordo com o Deputado Aloizio Mercadante: esses temas não estão na mesa de negociação nem vão estar. A ALCA não pretende ser um mercado comum. Não é essa a idéia. Aqueles temas vão ter de estar presentes na agenda de nossas sociedades. Realmente, a articulação da questão da ALCA, do MERCOSUL e da União Européia tem de passar por todos os setores: empresários, sindicatos e governo. Porque a articulação precisa ser feita nesse balanço do que se quer pagar para se ter benefícios ou custos da ALCA. Fugir da negociação é realmente complicado. Concordo com o que várias pessoas falaram antes. Mesmo para aqueles que desconfiam muito de que a ALCA vá trazer mais custos do que benefícios, é fundamental que se façam com clareza as propostas de negociação. Na hora em que se senta à mesa, as negociações são substantivas. É preciso negociar sobre setores, tarifas, regras de investimento e de origem, tipos de legislação. Por que reclamam tanto da legislação antidumping dos Estados Unidos? Grande parte da sociedade nem sabe o que é isso. Quer dizer, é importante para nossa sociedade que esse debate seja mais visível, porque para nós o custo da liberalização é muito maior. Enquanto os americanos têm um staff maior e podem dar-se ao luxo de não precisar debater tanto essa questão, o fortalecimento de nossa posição de negociador dependerá certamente de que todos os setores da sociedade, da melhor forma possível, tenham muita clareza sobre o que é essa negociação.
Era o que tinha a dizer.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Agradeço aos debatedores.
Tenho a impressão de que não há mais tempo para perguntas. Se houver alguma, por favor, encaminhem rapidamente à Mesa por escrito. Enquanto aguardamos as perguntas, gostaria de fazer alguns comentários sobre a exposição de alguns debatedores.
Vejo que há uma preocupação muito grande a respeito da disparidade entre situações de países como o Brasil e os Estados Unidos na negociação. Mas eu gostaria de comentar alguns aspectos. Em primeiro lugar, tenho certa dificuldade com os números que dizem respeito à melhoria da pauta da exportação brasileira. Os dados de que disponho pelo menos indicam que a participação dos manufaturados passaram de 15%, nos anos setenta, 44%, nos anos oitenta, para 57%, nos anos noventa. Embora talvez não atinjam o nível de agregação que gostaríamos, tenho a impressão de que os números mostram a existência de uma participação bem maior.
Tenho também um pouco de dificuldade com a questão da visão de comércio exterior como apenas a exportação. Em anos recentes, tivemos dados importantes sobre o lado positivo da importação, que leva a uma maior competitividade e ao acesso a produtos. É conhecido o caso da indústria de televisões. Houve dez milhões de vendas em dois anos, em parte, porque o poder aquisitivo da população havia aumentado, e também porque o preço da televisão havia caído pela metade. Por quê? Porque houve concorrência do produto importado. Creio que todos estão de acordo com o fato de que precisamos aumentar o número de acordos bilaterais. Isso está sendo feito e, acredito, deve ser acelerado. Devemos buscar novos mercados e condenar o protecionismo. Mas para vencer o protecionismo, só temos um caminho: sentar à mesa de negociação. Não me parece sensato, como estratégia de política, que não nos sentemos à mesa de negociação para avaliar se podemos realizar ou não nossos interesses.
Há uma pergunta dirigida ao Deputado Aloizio Mercadante: O que V. Exa. acha da proposta do Ministro Pratini de Moraes?
ALOIZIO MERCADANTE – Imagino que não seja propriamente a discussão da proposta, talvez seja mais sobre os comentários feitos pelo ministro recentemente.
Considerei algumas expressões de S. Exa. grosseiras, descabidas e fora do contexto. Por outro lado, acredito que exista um debate de fundo sobre a questão dos subsídios e do protecionismo dos países ricos na agricultura e dos interesses do Brasil. Esse é um debate que deve ser feito com profundidade.
A tese de que o governo brasileiro vai colocar na mesa de negociação internacional a erradicação de todas as formas de políticas agrícolas dos países desenvolvidos, eu diria que é no mínimo quixotesca. Não há a menor possibilidade disso ocorrer. Em primeiro lugar, a agricultura tem, por natureza, uma imprevisibilidade do ponto de vista da safra e das condições climáticas do País. Em segundo lugar, ela é um setor importante para a ocupação demográfica do território, para impedir um êxodo rural que desorganize os grandes centros urbanos e os transforme em grandes favelas, como ocorre na América Latina. Em terceiro lugar, a agricultura é importante para a segurança alimentar, para que o país possa produzir alimentos para seu povo. E as condições dos países são muito diferenciadas. Imaginem o que é produzir alimentos no Afeganistão ou num país como o Brasil, que tem imenso potencial agrícola.
Por essas e outras considerações, a presença do Estado na agricultura faz parte de toda a história econômica e nela vai ficar por muito tempo. Não acredito que as teses, como o neoliberalismo radical na agricultura, possam prosperar.
O que temos de dizer? Temos de dizer que é inaceitável que os países ricos subsidiem as exportações agrícolas, porque é disso que se trata. O fato de a França subsidiar o frango francês para concorrer com o frango brasileiro no Oriente Médio é absolutamente inaceitável. Eles deprimem os preços dos produtos agrícolas exportados pelo Brasil, prejudicam a nossa pauta de exportações e a de outros países em desenvolvimento. E tem havido abusos. Por exemplo, da renda agrícola do produtor rural americano, 66% é renda do governo. Se formos contabilizar, ele é um funcionário público disfarçado de produtor rural. O volume de subsídios dos países ricos à agricultura representa um bilhão de dólares por dia. E isso contribui para a queda das commodities, muito importantes na nossa pauta de exportação, em setores nos quais somos competitivos.
No entanto, além de estabelecer uma estratégia, temos de reduzir subsídios, protecionismos e as cláusulas de barreira, que impedem as nossas exportações. Isso é fundamental. Por outro lado, temos de olhar para as dificuldades e para a ausência de políticas públicas na agricultura e na economia. Vou citar um exemplo: o Brasil exportará neste ano um bilhão e oitocentos milhões de dólares de calçados e artefatos de couro; há dois anos, exportou um bilhão e duzentos milhões de dólares. Portugal exportou dois bilhões e trezentos milhões de dólares de artefatos de couro e calçados. Portugal praticamente não tem vaca de corte. Nós temos o maior rebanho do mundo, produzimos metade do couro consumido. Dez por cento de nossa produção vai para a Itália, outra parte, para Portugal. Eles o transformam em sapatos, bolsas e cintos e os exportam, geram salário, valor agregado, enfim, desenvolvimento econômico. E ficamos contando piada de português.
O mesmo exemplo ocorre na Alemanha com o café. O Brasil precisa gerar valor agregado na cadeia produtiva. Não podemos voltar a ser uma economia primária exportadora. Por isso, a tese de que basta eles reduzirem os subsídios e o protecionismo na agricultura, que iremos liberalizar o resto da economia não nos convence. Queremos uma política seletiva, negociada passo por passo, sabendo quais são os nossos interesses estratégicos. Há vários setores em que seria preciso aumentar as exportações. Somos mais competitivos e podemos aumentar as exportações.
Por isso, um país de vocação multilateral de comércio, como o Brasil, precisa priorizar e avançar nos acordos bilaterais. O Chile tem noventa e dois acordos bilaterais. Com o MERCOSUL fortalecido, poderemos avançar as negociações tanto com os Estados Unidos quanto com a União Européia. O MERCOSUL é um instrumento que nos dá força negocial, se superarmos as dificuldades, que não são poucas neste momento. Portanto, esse é o caminho do processo.
Sr. Ministro, para concluir, gostaria apenas de fazer mais um comentário. Existem alguns temas na negociação da ALCA que não estão sendo discutidos e são tão relevantes quanto o tema da agricultura. Por exemplo, a questão da cultura. O segundo produto de exportação americano é cultura e entretenimento. Todo o império só cresce difundindo a sua cultura e seus valores, inclusive porque influenciam no comércio externo.
O Brasil já tem flexibilizado algumas áreas de cultura sem nenhuma negociação. A ANATEL, que não tinha poderes para isso, acaba de liberalizar, por exemplo, a World Space, uma rádio com cento e quarenta canais direto de Miami, que transmite programação de rádio para toda a América Latina.
Estamos realizando debate sobre a abertura do setor de meios de comunicação de massa, um dos temas prioritários dos americanos na mesa de negociação. Se somos uma nação, cultura não é comércio. É preciso preservar e fomentar a identidade cultural. Precisamos estar abertos às outras formas de cultura, ter uma perspectiva universalizante, mas também devemos preservar a cultura – o teatro, a música, a dança, os costumes, os valores e as raízes –, instrumento fundamental da identidade. E só podemos fazer isso se controlarmos o setor de meios de comunicação de massa. Então, há alguns outros temas extremamente decisivos para o projeto de construção de uma sociedade e de uma nação, os quais devemos igualmente colocar na pauta com ênfase, como sabiamente os países europeus têm feito nas negociações internacionais, tais como o direito de reserva de tela e de preservação da cultura, que, inclusive, geram emprego qualificado.
Como diz Caetano Veloso, “minha pátria é minha língua”. Falamos português, estamos cercados de espanhóis e com crescente influência do inglês. Se não cuidarmos desse tema, assim como de outros que estão neste debate, não conseguiremos resgatar uma dimensão fundamental no projeto de sociedade, que é a auto-estima do povo brasileiro, que, evidentemente, não pode continuar só na raquete do Guga – mesmo porque ele acabou de perder três jogos.
Precisamos de um projeto nação e de uma identidade cultural para preservar a nossa auto-estima e perspectiva de desenvolvimento.
Por isso, o governo precisa de menos frases de efeito e de políticas mais concretas para impulsionar a agricultura, a indústria, a defesa da diplomacia comercial e o desenvolvimento do Brasil.
SÉRGIO SILVA DO AMARAL – Agradeço ao deputado as palavras.
Não havendo mais perguntas, agradeço a todos a participação.
Vejo, com satisfação, que temos alguns pontos em comum, como a necessidade de termos maior valor agregado de nossos produtos e de denunciarmos o protecionismo. Apenas temos de ter cuidado nos passos que iremos dar para remover o protecionismo. Não podemos ir na direção contrária à da história.
Hoje grande número de países, da China à Polônia, da Grécia à Lituânia, buscam negociar a remoção das barreiras e um processo de integração que corresponda aos seus interesses. Outros não estão fazendo isso, não por opção, mas, infelizmente, por irrelevância. Isso ocorre com cinqüenta países de menor desenvolvimento relativo e com renda per capita inferior a mil dólares. Esses países não recebem investimento e exportam apenas commodities. Na África, há países na miséria. De suas exportações, 70% é o café. Eles têm 40% do número de AIDS no mundo.
Portanto, temos de ter muita atenção nos caminhos que vamos percorrer, para não irmos na contramão da história.
Muito obrigado.
Relator
Stefan Bogdan Salej
1. Sérgio Amaral
O painel “Acesso a mercados, barreiras e regras de origem”, inserido no Seminário “O Brasil e a ALCA”, organizado pela Câmara dos Deputados, traz à tona o grupo de temas da maior relevância para o Brasil nas negociações para constituição da Área de Livre-Comércio das Américas.
A aproximação entre as nações é decorrência de um processo econômico histórico de busca de realização de objetivos comuns e da complexidade econômica do mundo. O fechamento de um país em torno de sua economia sob a batuta da auto-suficiência tem-se mostrado como uma das experiências mais frustrantes, gerando empobrecimento, ineficiência na utilização dos recursos e elevado grau de corrupção.
A convergência de nações em torno de projetos comuns, mas que preservem as características individuais, encontra sua máxima expressão na experiência de construção de uma União dos Estados Europeus e em menor grau de alianças comerciais como as que observamos no NAFTA e no MERCOSUL.
No passado, a integração econômica entre nações do Continente Americano foi tentada sem grande sucesso, porque as bases econômicas e os interesses não eram complementares. O exemplo mais recente da ALADI, este, sim, deu margem a mais de trinta acordos entre seus membros, propiciando aumento do comércio inter-regional.
A perspectiva de formação da ALCA tem raízes históricas e oportunidades econômicas claramente identificadas, porém deve levar em conta as peculiaridades de cada uma das trinta e quatro nações. A ALCA deve ser pensada não apenas como uma área de livre-comércio, mas fundamentalmente implementada dentro do que chamamos de regionalismo aberto.
Do ponto de vista interno do Brasil, temos avançado em alguns pontos, embora estejamos presos em questões que são críticas para o futuro de nossa inserção na ALCA. Avançamos no ajuste fiscal e na modernização do parque industrial e de nosso agribusiness e esperamos obter o equilíbrio comercial. Temos ajustes importantes a fazer e, entre eles, citamos a reforma tributária, um novo padrão para a infra-estrutura e um novo paradigma para o financiamento.
Em relação ao nosso padrão de exportação, não cabe aqui fazer uma paródia sobre qual Acordo é melhor para o Brasil e qual deles devemos estar ligados – na OMC, MERCOSUL –
União Européia e ALCA. O que temos que observar é que, em termos do Continente Americano, as exportações brasileiras de produtos manufaturados representam cerca de 81% das vendas totais, sendo que, para o mercado americano, as exportações de produtos manufaturados são 70% do total exportado. No caso da União Européia, as exportações de produtos manufaturados respondiam em 2000 por 43% das exportações totais do Brasil para aquele bloco europeu.
É preciso ressaltar as fortes barreiras colocadas sobre os produtos brasileiros no mercado americano como são aquelas ressaltadas sobre o suco de laranja, álcool, açúcar, fumo, siderurgia e ferro ligas, complexo soja, café, carne bovina, alimentos processados, têxteis, químicos e produtos de couro, frutas tropicais, calçados e carne de frango. As barreiras impostas são de toda a ordem, indo de sobretaxas, subsídios internos, cotas tarifárias, cotas quantitativas, medidas antidumping e direitos compensatórios, escalada tarifárias, discriminação contra produtos brasileiros em relação a países andinos, da América Central e da Ásia, medidas sanitárias abusivas.
Assim sendo, os benefícios do comércio exterior estão calçados não apenas no aumento das vendas externas, mas, sobretudo, pelo impacto econômico nas áreas de investimento, harmonização de procedimentos e redução do custo de transação. Estamos prontos para negociar a agenda externa da ALCA, mas necessitamos de negociar não apenas para abrir mercados, mas também para obtermos acesso não restrito e estável ao mercado do NAFTA, sem risco de interrupções de natureza local.
2. Aloizio Mercadante
As negociações da ALCA também não podem perder de vista as diferenças de competição entre os países, especialmente no que diz respeito à escala de produção e ao desnível de produtividade econômica entre os países e o Brasil, que tem um grande mercado interno e uma indústria forte que poderia sofrer grandes perdas com a invasão de importados originários dos Estados Unidos. Uma alternativa a isto não avaliada na ALCA deveria ser a criação de políticas compensatórias para países e regiões mais pobres e de menor poder competitivo, a exemplo do que fez a União Européia com Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia.
O posicionamento com relação à ALCA deve estar marcado por um debate dos benefícios do comércio exterior para o desenvolvimento econômico. Não está claro, mesmo na teoria econômica, se o comércio exterior gera melhor bem-estar, se cria mais ou menos empregos.
Há que se ter em conta a famigerada cláusula do capítulo 11 do NAFTA, na questão da disputa judicial entre Estados nacionais e empresas. Aqui não podemos aceitar qualquer interferência contra nosso governo que passe por cima de nossa justiça e legislação.
3. Lia Valls
Neste particular papel importante acoplado deverá ter a política industrial – sabe-se também que esquemas de proteção setorial, se não transparentes e claros, podem dar margem a favorecimentos inaceitáveis, do ponto de vista da sociedade brasileira.
Devemos esclarecer se queremos mais ou menos liberalização, se nossa estratégia articulada nos diversos setores da sociedade civil e legitimada pelo Estado brasileiro não implica ser simplesmente a favor ou contra, mas se ela beneficia e se adequa a nossa estratégia e nossa visão futura do Brasil.
4. Sandra Rios
A remoção de consideráveis barreiras poderia levar a um aumento de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões nas vendas brasileiras para o mercado americano e do NAFTA.
A negociação de acesso a mercados com seus subtemas correlatos – tarifas, medidas não-tarifárias, barreiras, regras de origem, salvaguardas e procedimentos aduaneiros deverá discutir vários pontos importantes como a tarifa utilizada para o início da degravação, o período de tempo para a desgravação, a forma de desgravação, a lista de bens sensíveis, a nomenclatura utilizada.
No tema de tarifas e medidas não-tarifárias, o enfoque deverá estar concentrado não apenas na redução das tarifas aplicadas pelo Brasil, que hoje se situam em 12,5% e média efetiva de 7%, contra 3,4% de média da tarifa americana, mas também no cronograma de sua aplicação.
A negociação aqui interessa ao Brasil na medida que, se hoje temos a tarifa mais elevada, maior será a concessão do MERCOSUL, portanto, somos o bloco potencialmente mais afetado pela ALCA. Além disto, devemos chamar a atenção para as práticas protecionistas unilaterais aplicadas em vários produtos brasileiros. Neste sentido, a ALCA não pode ser uma reprodução ampliada do NAFTA.
Está claro que muitos setores necessitam de tempo e de apoio para se ajustarem ao processo de liberalização e que poderiam, numa eventual ALCA, serem seriamente prejudicados e destruídos pela concorrência estrangeira, com conseqüências nefastas para a geração de renda e emprego. Está claro também que existem setores que se beneficiaram da ALCA, ganhando mercados e expandindo negócios.
5. Denise Gregory
Do nosso ponto de vista, a CAMEX vem trabalhando para dar ao exportador todas as condições de competição com os estrangeiros, entendendo que, além das particularidades setoriais e da sensibilidade de determinadas áreas econômicas no País, nossa ação está voltada para a articulação dos órgãos de governo, dentro da política governamental de ampliação das exportações e redução dos custos de nossos produtos. Este é um ponto importante, tendo em vista a necessidade de dotar as empresas brasileiras de condições de competitividade. Na esfera fiscal, trabalhar para a desoneração dos impostos, na esfera financeira, dar melhores condições de acesso a créditos e, finalmente, melhoria da infraestrutura de transporte, serviços, comunicações e desburocratização dos procedimentos alfandegários e despacho aduaneiro.
6. Conclusões
É preciso inserir definitivamente os produtos brasileiros no mercado internacional, desonerando as exportações e firmando posição clara sobre o modelo de nossa participação na ALCA. Fruto de negociações complexas, a ALCA tem o potencial de representar novo ciclo de abertura comercial, onde a inserção do Brasil pressupõe ganhadores e perdedores, mas com o pré-requisito de que o saldo final seja vantajoso para a Nação em termos de impactos econômicos, comerciais, sociais e mesmo culturais.
Há especialistas que identificam vantagens em um processo de integração econômica traduzidos por maior eficácia na produção, pela especialização crescente dos agentes econômicos, segundo suas vantagens comparativas ou competitivas, altos níveis de produção pelo maior aproveitamento das economias de escala permitidas pela ampliação de mercado e mudanças positivas na eficiência econômica dos agentes em virtude da maior concorrência intrasetorial, dentre outros. Mas a discussão no painel “Acesso a mercados” demonstrou que estas possíveis vantagens só se configuram, se a vertente externa (negociação competente e integrada com a iniciativa privada) e a vertente interna (estabelecimento da isonomia competitiva para o setor produtivo nacional) se verificarem em sinergia.
O painel referente a “Acesso a mercados, barreiras tarifárias e não-tarifárias”, após rico e intenso debate entre os conferencistas, mostrou que, apesar das visões divergentes entre alguns conferencistas em termos de ênfase nas medidas adotadas e até que ponto se pode avançar na negociação internacional, existem duas vertentes da negociação, a interna e a externa.
O questionamento e a reflexão sobre o grau de defesa dos setores produtivos nacionais através de uma política industrial contemporânea, livre dos vícios do passado, se articulam com a concepção de negociações da ALCA e deverão ser respondidos no médio prazo, até porque no curso do processo negocial, o País terá, querendo ou não, de privilegiar determinados setores ou, pelo menos, adotar uma postura mais cautelosa no processo de abertura. Então, se um determinado setor for beneficiado por uma proteção tarifária, ele deverá ser alvo de ações estratégicas de competitividade, induzindo o desenvolvimento de tecnologia nacional e ambiência interna para a produção, ou seja, isonomia competitiva diante dos nossos parceiros do Continente Americano.
Assim sendo, o Brasil não pode fugir a esta discussão. Deve estar preparado para a adoção de políticas estratégicas de desenvolvimento eficientes e transparentes, evitando-se os favorecimentos utilizados no passado e, hoje, inaceitáveis para a sociedade brasileira, mas descobrindo o caminho da efetivação da isonomia competitiva supra-referida.
Este ponto deve merecer um enfoque especial. Ainda que as barreiras aos produtos brasileiros sejam elevadas e haja grande dificuldade de exportar para os Estados Unidos e para a América do Norte, o principal diferencial competitivo brasileiro estará na redução dos custos que oneram as nossas exportações, quais sejam a carga tributária, reforma trabalhista, os custos da infra-estrutura e o estrangulamento creditício ao empresário brasileiro. De nada adiantará a redução dos subsídios e das barreiras, se não tivermos eqüidade nas condições de financiamento, melhor capacidade produtiva e de preços, bem como eficiência operacional e de logística. Isonomia competitiva é a meta a ser alcançada.
Quanto à agenda negocial de trabalho para a ALCA, é preciso dizer que o bloco continental tem raízes históricas e oportunidades econômicas claramente identificadas, mas que devemos levar em conta não apenas as peculiaridades de cada uma das trinta e quatro nações, como também a especificidade de cada setor, tendo em vista que alguns destes setores terão necessidade de mais tempo para se reestruturarem e, portanto, de maior proteção tarifária no curto e médio prazo, para que não sejam destruídos pela concorrência norte-americana sobretudo.
Fica claro que a negociação da ALCA deve estar articulada com os interesses brasileiros de acesso não restrito e estável ao mercado do NAFTA e, sobretudo, de suas necessidades de desenvolvimento econômico, abrangendo investimentos, geração de empregos e renda. Na dimensão social, a inclusão dos trabalhadores no processo negociador é ponto de fundamental consideração.
O parágrafo único do art. 4o da Constituição Federal brasileira afirma que o Brasil, nas suas relações internacionais, “buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações”. Ao saudar e cumprimentar o Presidente da Casa, Deputado Federal Aécio Neves, pela iniciativa oportuna e tempestiva de reflexão do Poder Legislativo brasileiro sobre tema de tão relevantes impactos, deixo o texto constitucional a nos alertar sobre a importância da unidade latina frente a uma negociação multilateral onde o desequilíbrio entre os atores é a tônica.
Foto: Sônia
PAINEL 3 (23/10/2001). Stefan Bogdan Salej, Deputado Aloizio Mercadante, Denise Gregory, Ministro Sérgio Silva do Amaral, Sandra Polônia Rios, Lia Valls Pereira.