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  • A conversão da dívida

    Finalmente, depois de longas discussões, o governo decidiu dar início à conversão de dívida em capital de risco. Há alguns meses, foi apresentada uma regulamentação que, por ser excessivamente restritiva, acabava por desinteressar o credor na conversão de seus créditos em investimentos. O atual ministro da Fazenda efetuou algumas importantes simplificações naquela proposta para viabilizar a operação. Não deve haver ilusão quanto aos efeitos da conversão de dívida em investimento na economia brasileira. Não será uma medida de grande impacto na balança de pagamentos. Certamente trará algum alívio, pois existirão limitações para a remessa ao exterior de lucros provenientes dessas operações. Porém, tanto o grau de interesse das empresas estrangeiras em investir no Brasil quanto a capacidade de absorção do mercado interno dos cruzados provenientes da conversão são fatores limitantes que deverão fazer com que o montante total de conversão não ultrapasse o patamar de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões anuais. Diante do montante da dívida externa brasileira, fica claro que esta medida não será, com certeza, a solução para a crise do endividamento. Por outro lado, a autorização para que credores convertam seus créditos em investimentos, até mesmo no âmbito de empresas estatais, pode ser vista como uma medida cujos efeitos indiretos poderão ser bastante benéficos ao país. Em primeiro lugar, pode significar o início de um novo processo de abertura da economia brasileira às empresas multinacionais. Implica também o fortalecimento de fundos estrangeiros nos mercados de capitais e nas bolsas, ampliando assim o potencial de geração de fontes de financiamento para investimentos domésticos. Na esteira da conversão, poderá ainda ser dado o início para um programa de privatização de segmentos produtivos, hoje nas mãos do poder público. Persistem ainda alguns entraves. A exigência de canalizar parte do capital convertido para investimentos no norte e nordeste confunde a política econômica externa com objetivos redistributivos internos. A exigência certamente implicará na redução do número de interessados na conversão e, consequentemente, deverá reduzir a parcela do deságio que poderia ser absorvida pelo país. Também as restrições para remessa de lucros terão efeito semelhante. Seria mais razoável fazer valer a atual lei de remessa de lucros, sem outras restrições, exigindo das empresas apenas um balanço positivo em divisas. De qualquer forma, muito mais do que uma solução para o problema do endividamento externo ou, ainda, para a crônica carência de investimentos que vem caracterizando a economia nos últimos dez anos, a conversão da dívida poderá significar o embrião e uma amostra de uma nova postura do país em relação ao capital internacional e, subsidiariamente, em relação à participação do Estado na economia. Neste sentido, o leilão a ser realizado no próximo dia 29 deve ser acompanhado com grande atenção. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O prefeito que cresce

    Recentemente, o prefeito Jânio Quadros publicou nos jornais um informe publicitário de quase uma página, prestando contas de sua administração. Segundo aquele manifesto, intitulado "Os Resultados da Competência", o prefeito tenta demonstrar que realizou um verdadeiro milagre administrativo. Apesar de ter à sua disposição apenas 8,7% dos impostos arrecadados na cidade de São Paulo - como fez questão de salientar na publicação - a equipe administrativa municipal teria saneado as finanças da cidade sem, no entanto, deixar de atender às prioridades de investimentos e de prestação de serviços à população carente. Sem dúvida, se as alegações são exatas, um caso ímpar dentro da administração pública brasileira, destroçada pela incompetência, pelo desperdício e pelos reflexos da crise econômica que afeta toda a nação. A grade de avaliação da cidade de São Paulo que a Folha está publicando hoje permite uma análise mais precisa da situação. Embora boa parte dos dados seja referente a 1986, pois os números de 1987 não estão disponíveis, as informações coletadas e sistematizadas nestas páginas possibilitam avançar alguns passos no sentido de se avaliar com maior confiabilidade a performance do prefeito Jânio Quadros como administrador público. No tocante às áreas de saúde, educação, saneamento, transportes e outros serviços, os dados da grade não são capazes de demonstrar progressos inequívocos. Existe uma sensação generalizada de que a atual administração tem concentrado seus esforços nas áreas centrais da cidade, onde o fluxo de pessoas de todas as camadas sociais e econômicas é elevado. A periferia parece não ter sido igualmente beneficiada. Deixarei a aferição destes fatos a especialistas nestas questões. Quanto às funções administrativas e financeiras, contudo, Jânio Quadros efetivamente dá uma demonstração de competência. Diferentemente da quase totalidade dos demais municípios brasileiros, o número de funcionários públicos não cresceu, as receitas foram recompostas e os investimentos aumentaram significativamente. Cabe apontar que isso ocorreu sem compressão salarial do funcionalismo municipal. Pelo contrário, os rendimentos dos servidores municipais vêm sendo valorizados. Tudo isso com queda no endividamento do tesouro municipal. As equipes responsáveis pelas finanças e pelo funcionalismo municipal vêm obtendo bons resultados mediante a aplicação de critérios empresariais na gestão da cidade. É pena, porém, que no âmbito das empresas do município as evidências não sejam igualmente favoráveis. Os resultados das estatais municipais foram decepcionantes. Resta esperar que haja um efeito demonstração no tocante aos métodos administrativos empregados na administração central e que também as empresas municipais venham a ser mais eficientes, deixando de gerar perdas cujos montantes vêm aumentando em relação à administração anterior. Em suma, para que Jânio Quadros saia de sua atual função aclamado e reconhecido como um bom prefeito, resta provar que não é apenas o "prefeito dos ricos". Com a palavra o alcaide, e a periferia, obviamente.

  • Cepal versus tigres asiáticos (4/4)

    O modelo de desenvolvimento adotado pelos países exportadores de manufaturados da área do Pacífico se transformou num novo paradigma de crescimento, contrapondo-se ao receituário da Cepal, que tanto influenciou os planejadores econômicos nas primeiras décadas do pós-guerra. A Cepal preconizava a substituição de importações a qualquer custo, e a industrialização era vista como uma renovada esperança de prosperidade. Para atingir essas metas, justificava-se que as economias se voltassem para seus próprios mercados e que os novos setores produtivos fossem protegidos contra a concorrência externa por meio de barreiras comerciais. Ao mesmo tempo, devido às limitações de recursos financeiros e gerenciais de uma burguesia apenas incipiente, criaram-se as condições ideais para o surgimento de um Estado forte capaz de introduzir nessas economias atividades manufatureiras consideradas modernas e de realizar pesados investimentos em infraestrutura de apoio ao novo processo industrial. Nesse modelo, voltado para o mercado interno, o Estado assumiu o papel de agente econômico preponderante, desempenhando funções de produtor, fomentador e regulador da economia. Inicialmente, coube ao governo a tarefa de gerar meios de financiamento para o esforço de industrialização, seja através de poupança própria, seja por meio da gestão de transferências de renda. Em uma segunda etapa, o processo continuou com empréstimos concedidos pelos bancos comerciais, que estavam interessados em reciclar seus petrodólares. Esse modelo de desenvolvimento permitiu que os principais países latino-americanos atingissem um razoável grau de industrialização durante a década de 50. Após a substituição de bens de consumo importados, iniciou-se um processo mais desafiador de industrialização nas áreas de bens intermediários, bens de consumo duráveis e, mais recentemente, bens de capital e insumos básicos. As crescentes e naturais dificuldades desse processo exigiram desses países um modelo cada vez mais fechado, mais concentrado para permitir a obtenção de economias de escala e cada vez mais estatizado. Como resultado, essas economias emergiram na década de 80 com uma notável fragilidade em termos de competitividade internacional. A forte proteção concedida a elas gerou setores industriais pouco eficientes, pesadamente subsidiados e com pouco dinamismo tecnológico. Faltou a elas, essencialmente, o confronto com o mercado. Com a crise da dívida externa, que eclodiu com violência em 1982, essas economias se viram forçadas a fazer fortes ajustes para continuar servindo sua dívida externa. E esses países, que seguiram as recomendações da Cepal, agora estão imersos em profundos processos recessivos. Por outro lado, a partir do início da década de 70, surgiu uma nova ortodoxia, baseada na experiência dos "tigres asiáticos". A abertura da economia para o exterior, o respeito às regras do mercado livre e a ênfase na iniciativa privada foram os pilares desse novo modelo de desenvolvimento. O sucesso foi evidente em economias como Japão, Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia, que apresentaram nas últimas décadas taxas de crescimento substancialmente mais elevadas do que as economias latino-americanas e conseguiram rapidamente superar o PIB per capita daqueles que optaram pelo caminho do mercado interno. É importante observar que alguns países, como o Brasil, adotaram estratégias mistas entre o modelo de substituição de importações e o modelo exportador. No entanto, é inegável que a intervenção pública não foi uma das diferenças mais perceptíveis entre os dois modelos de crescimento analisados aqui. Também é preciso reconhecer que, nos países do Pacífico, todas as medidas de política econômica passaram sempre pelo teste do mercado externo. Que lições podemos tirar desta breve análise desses dois padrões de desenvolvimento? É notável que a fase de substituição de importações, com maior ênfase no mercado interno e caracterizada pela presença indispensável do governo, é um estágio pelo qual passaram todos os países de renda mais elevada entre os países em desenvolvimento, com maior ou menor precisão. Nesse sentido, não se pode negar a importância do intervencionismo estatal e da promoção da substituição de importações nos países de baixa renda que ainda precisam iniciar o processo de transformação estrutural. Por outro lado, é preciso admitir que, uma vez vencida essa etapa inicial, os países latino-americanos seguiram com uma política de crescimento que se esgotou rapidamente, enquanto as economias asiáticas exportadoras de manufaturados demonstraram a flexibilidade e a capacidade de adaptação que as levaram a atingir taxas de crescimento econômico impressionantes. Não há uma receita única, infelizmente, para o desenvolvimento. Liberalização, privatização e orientação para o exterior são medidas urgentes e essenciais para países como o Brasil, Argentina, México, Venezuela, Turquia, Grécia e outros que já atingiram um nível mínimo de industrialização. Nesses casos, a concorrência e a redução do papel do Estado, abrindo espaço para a iniciativa privada liderar uma nova onda de crescimento econômico, são o único caminho para evitar a estagnação crônica que afeta os países que se recusam a evoluir para um novo estágio de crescimento. No entanto, para aqueles que ainda estão profundamente subdesenvolvidos, o modelo intervencionista de substituição de importações ainda oferece as melhores perspectivas. Não é mais, contudo, o caso do Brasil. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (3/4)

    Como vimos no domingo passado, o desempenho das economias industrializadas afeta significativamente o crescimento dos países em desenvolvimento. No entanto, é na definição de uma estratégia interna que encontramos os fatores condicionantes mais importantes para o crescimento. Neste terceiro artigo sobre modelos de desenvolvimento, apontaremos diferenças significativas no ajuste às novas condições da economia internacional observadas entre os países do terceiro mundo que exportam manufaturados e estão altamente endividados. Os primeiros têm suas exportações mais diversificadas, com apenas metade delas direcionada para os países desenvolvidos. Os países endividados, por outro lado, concentram mais de 70% de suas exportações nesses mercados. Eles são forçados a gerar altos superávits comerciais em moedas fortes devido às remessas de juros a que estão submetidos, o que os torna ainda mais dependentes dos mercados dos países desenvolvidos. No entanto, o impacto mais significativo da questão do endividamento está relacionado com o potencial de crescimento das economias do terceiro mundo. Os países em desenvolvimento que exportam manufaturados mantiveram uma média de crescimento de 7,4% entre 1965/73 e de 6% entre 1973/80 (em comparação com 6,5% e 5,4% na média de todos os países em desenvolvimento). Os países endividados registraram taxas de crescimento de 6,9% e 5,4%, respectivamente, próximas, portanto, da média global dos países pobres. No entanto, a partir de 1982, com a crise de liquidez internacional, os grandes exportadores mantiveram uma taxa de crescimento média de 6,3%, enquanto os países endividados registraram apenas 0,75% de crescimento. Sem dúvida, o ajuste externo ao qual os países endividados foram submetidos foi severo. Os anos 80 já são chamados de "década perdida" em termos de crescimento econômico, e para países e populações atormentados pela pobreza, e às vezes pela miséria, o desperdício de uma década inteira se torna um fator de frustração e revolta, com consequências sociais e políticas imprevisíveis. A crise do endividamento externo é um fato incontestável. Entre 1970 e 1985, o serviço da dívida pública externa como percentagem do Produto Nacional Bruto dos países em desenvolvimento aumentou de 1,5% para 4,3%. Especificamente para os países mais endividados, esses números foram de 1,6% para 5,1%, respectivamente, enquanto para os exportadores de manufaturados, aumentou de 1,2% para apenas 2,7%. A situação se torna ainda mais angustiante quando se considera a dívida privada. O impacto da crise do endividamento forçou os países devedores a uma forte contração em seus investimentos. Com a falta de novos ingressos de recursos externos desde o início da década, esses países se tornaram exportadores líquidos de capital da noite para o dia, o que teve efeitos negativos na oferta de poupança e, portanto, nas taxas de formação de capital e no crescimento econômico. Os dados até 1985 mostram grandes quedas nas taxas de investimento e de poupança externa para a maioria dos países em desenvolvimento. Essa tendência certamente continuou piorando. Nesse sentido, é crucial que os países desenvolvidos se esforcem para evitar que as taxas de juros reais externos atinjam níveis superiores ao teto histórico de 3%. Além disso, é fundamental reiniciar os fluxos de capital de empréstimo e de risco, que sofreram uma interrupção abrupta na década de 80, para aliviar o estrangulamento externo que afeta grande parte das economias em desenvolvimento. No entanto, podemos nos perguntar se todos os males e contradições que afligem os países subdesenvolvidos têm origem no comportamento das nações industrializadas. O subdesenvolvimento é necessariamente a contrapartida do desenvolvimento dos países industrializados? Serão as economias em desenvolvimento vítimas de um sistema econômico inerentemente perverso? Aceitar tais interpretações da história equivaleria a um determinismo injustificado e, ao mesmo tempo, eximiria as elites dos países pobres de qualquer dose de incompetência e falta de visão que não podem ser facilmente descartadas. Na realidade, uma análise dos padrões de casamento de alguns grupos de países em desenvolvimento mostra claramente que os modelos adotados são distintos, refletindo escolhas deliberadas na determinação de suas políticas econômicas, um tema que será abordado na próxima semana. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Correias transmissoras da inflação

    Os rumores acerca de um novo congelamento de preços trazem à baila, mais uma vez, a questão da oportunidade e da eficácia daquela estratégia antiinflacionária. O governo teme que a expectativa de um iminente congelamento desestabilize a inflação a curto prazo, precipitando assim um novo surto altista nos preços. Se isso ocorrer, a medida poderá se tornar inevitável, ainda que dentro de um contexto de absoluta incredulidade quanto a seus resultados. O retorno da síndrome do congelamento apenas confirma que o diagnóstico inercialista quanto às causas da inflação brasileira ainda encontra respaldo nos fatos. Após o início da fase de flexibilização de preços instituída pelo Plano Bresser, a inflação caminhou rapidamente para o patamar atual de 16% a 20% mensais, onde se encontra - sem fortes indícios de alteração - nos últimos seis meses. Também as taxas de inflação por grupos de produtos e pelas regiões metropolitanas onde são coletados os preços mostram que a dispersão em torno da média geral IPC está diminuindo. De fato, fica fortalecida a hipótese da atual inercialidade inflacionária. Feito esse diagnóstico, é correto concluir que um novo congelamento, seguido de medidas orientadas para demonstrar os mecanismos de indexação da economia, poderia dar certo? O conceito da inércia inflacionária implica na existência de uma inflação relativamente neutra quanto aos seus efeitos distributivos. Isso significa dizer que os agentes econômicos disporiam de mecanismos de defesa capazes de lhes permitir conviver com os aumentos de preços. Em outras palavras, teriam o poder de repassar custos, transmitindo ao restante da economia tanto a inflação passada quanto suas expectativas acerca da inflação futura. Mas, se o agente econômico não tem este poder, a transferência não se realiza. Nesse caso, a inflação inercial cessa. O congelamento de preços é uma forma de seccionar essa correia transmissora da inflação; outra, é a resistência do mercado em aceitar preços mais elevados, no caso de setores mais competitivos, onde não haja poder monopolístico. Quando o mercado não sanciona as elevações de preços, a inflação acarreta efeitos redistributivos imediatos no agente que teve sua tentativa de repasse frustrada. No caso do congelamento, as perdas são absorvidas pelos setores com preços defasados, mas como ele nunca é permanente, o mecanismo inflacionário se recompõe. Cabe observar que, no caso inercial, as pressões inflacionárias são acumuladas, jogando as taxas de elevação de preços para patamares mais altos; no caso da impossibilidade de repasse, as tensões inflacionárias são anuladas, ou amortecidas, pelos impactos distributivos que acarretam. Feitas estas observações, pode-se retornar à questão da oportunidade de um novo congelamento. A conclusão é negativa. Em primeiro lugar - e nisso insistem as autoridades econômicas - ainda não estão debeladas algumas das principais causas realimentadoras da inflação, principalmente o déficit público. Nestas circunstâncias, após um período de preços constantes, a inflação retornaria rapidamente a seu patamar anterior. Em segundo lugar, na medida em que não se combata a essência da indexação, que inclui o poder monopolístico dos agentes econômicos, os fatores inflacionários estruturais, permanentes ou resultantes de choques exógenos, não seriam anulados, mas sim acumulados. Nesse sentido, para uma política antiinflacionária duradoura, não basta congelar preços, nem mesmo se as pressões inflacionárias estruturais estiverem sob controle, pois novos choques poderão ocorrer inadvertidamente. O combate à inflação brasileira exigirá um conjunto de medidas que ataque não apenas suas causas - como o déficit público - mas que também destrua as correias transmissoras. Não se trata apenas de desindexar a economia, mas também de introduzir reformas que a tornem menos concentrada, mais aberta e mais competitiva. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Depois do acerto externo

    O acordo celebrado com os bancos credores internacionais acabou seguindo as linhas da ortodoxia verificadas em outros processos de renegociação. O país retoma o pagamento integral dos juros, e o principal é rolado a longo prazo. Dentro desses parâmetros básicos, foram obtidas algumas condições mais favoráveis, como redução dos "spreads", desembolsos semestrais, alongamento de prazos e maior autonomia com relação aos relatórios de acompanhamento do FMI. Não houve, contudo, alterações estruturais. Uma renegociação como esta tem implicações distintas hoje daquelas que teria por ocasião da decretação da moratória. Essa diferença é fundamental para uma correta avaliação do acordo. No final de 1986, quando os saldos comerciais do Brasil haviam sofrido severa deterioração, um compromisso que implicasse a retomada do pagamento dos juros da dívida externa seria inviável. Isso exigiria uma severa recessão interna, como a que ocorreu no período 1981-83. Isso aconteceria porque teria sido necessário expandir o saldo comercial a taxas significativamente mais elevadas do que o crescimento da demanda interna. Somente assim seria possível ajustar novamente o saldo comercial ao serviço da dívida. Dada a urgência dos pagamentos dos juros, o crescimento do PIB teria que ser negativo, com a absorção externa crescendo relativamente à absorção interna do produto. A moratória permitiu, de fato, que o ajuste fosse feito dentro de condições mais favoráveis. Os custos para o país foram elevados em termos de fluxos futuros de investimentos externos, de perdas de linhas de crédito e de juros de curto prazo mais altos. No entanto, uma recessão foi evitada. O PIB cresceu em 1987, embora a taxas consideradas baixas em relação às médias históricas. No momento, em meados de 1988, quando o ajuste externo já está concluído, o mesmo acordo não tem as mesmas implicações que teria antes. É evidente que qualquer tentativa de fazer com que a absorção interna cresça mais rapidamente que o crescimento do produto - com o intuito de recuperar as perdas ocorridas durante a fase de ajustamento - apenas resultará em novo estrangulamento externo em futuro próximo. No entanto, torna-se possível agora que a demanda interna cresça, desde que os saldos comerciais sejam mantidos constantes. Como a taxa de crescimento da absorção externa pode agora ser nula, abre-se espaço para a recuperação dos gastos domésticos. Neste sentido, o acordo com os credores não implicará políticas recessivas. Pelo contrário, permitirá até uma recuperação interna, desde que as exportações continuem crescendo, desde que contrabalançadas pela expansão das importações. Neste sentido, qualquer continuidade da política contracionista do governo deve ser debitada à estratégia antiinflacionária, e não ao ajuste externo, que já está concluído. É lógico que o Brasil continuará a remeter recursos ao exterior por conta do endividamento externo, e que se isto não ocorresse, a taxa de formação de capital, e consequentemente o crescimento da economia, seriam mais elevados. Como, porém, ela existe, o caminho agora é estabilizar internamente a economia, permitindo a recuperação dos investimentos pelo crescimento da poupança interna e, futuramente, criando condições para que o saldo comercial possa até ser reduzido, a partir de estímulos à entrada de recursos estrangeiros. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A conjuntura no segundo semestre

    A inflação ao longo do ano de 1988 deverá ficar entre 16% e 20% ao mês, contrariando as expectativas pessimistas que predominavam no início do ano. O temor de uma escalada inflacionária encontrou respaldo nos primeiros meses do ano, quando a taxa de aumento dos preços saltou de cerca de 9% em outubro para quase 18% em fevereiro. Em apenas quatro meses, a inflação dobrou de patamar. Nos quatro meses subsequentes, no entanto, ela se estabilizou em torno de 19,5%, apenas cerca de dois e meio pontos percentuais acima, dissipando rapidamente a ameaça de uma espiral inflacionária ascendente. Essa relativa estabilização da inflação se tornou possível graças aos esforços para conter os gastos públicos, resultando em um arrefecimento da atividade econômica em geral. As projeções oficiais em relação ao crescimento da produção indicam que 1988 será um ano de estagnação para o PIB brasileiro, uma situação preocupante considerando os níveis de pobreza em grande parte da população e o crescimento populacional superior a 2% ao ano. Isso implica em uma queda na renda per capita, mas ainda assim, o esforço de contenção imposto pelo governo está longe de corresponder à recessão severa dos anos de 1981 e 1983. Entre janeiro de 1981 e fevereiro de 1982, o índice de produção industrial do IBGE caiu 20%. Houve outra queda em 1983, embora menos pronunciada, chegando a cerca de 6%. Durante esse período, a taxa de desemprego medida pelo IBGE aumentou de 7,6% em janeiro de 1981 para mais de 9% no início de 1982. Em meados de 1984, estava em torno de 8%. No momento, o arrefecimento da economia não passa de uma contração. A taxa de desemprego está aumentando em 1988, mas ainda está abaixo de 5%. Nos primeiros cinco meses do ano, a produção industrial recuou cerca de 6% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Portanto, não se compara à gravidade da recessão dos anos 1981-1983. Em termos gerais, o plano de estabilização liderado por Mailson/Abreu já foi implementado. O congelamento da URP para os funcionários públicos, as restrições de crédito impostas a estados, municípios e empresas estatais, bem como as fortes contenções nos gastos do setor público federal já tiveram impacto na demanda. Na verdade, um início de recuperação observado nos meses de março e abril foi adiado devido a essas medidas de austeridade. Apesar da expansão da renda no setor agrícola e nas exportações, o primeiro semestre do ano termina com uma conjuntura morna, sem impulso de crescimento. A questão que se coloca é o que esperar do segundo semestre. Com a inflação estabilizada e o governo cumprindo seus planos de contenção de gastos, é provável que a segunda metade do ano marque o início de uma recuperação. Os principais ajustes na demanda interna já foram realizados e, com a retomada dos pagamentos da URP aos funcionários públicos, 1988 pode terminar com um pequeno avanço em relação ao ano anterior. O ponto crucial agora é manter a consistência da atual política econômica. Os maiores riscos não estão em uma nova fase de contração, mas sim em uma aceleração da inflação, que certamente ocorrerá se o governo não puder ou não quiser cumprir o que planeja fazer. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O impasse da dívida pública

    Subitamente, a hiperinflação passou a ser discutida abertamente, fora dos colóquios acadêmicos. A inflação de junho contribuiu para acirrar as expectativas mais pessimistas acerca da perda de controle sobre o processo inflacionário. Passou-se a questionar a capacidade do governo de honrar o serviço de sua dívida - interna e externa; avaliam-se as possibilidades de que a inflação seja estabilizada em altos patamares como os atuais, na maioria das vezes concluindo-se pela negativa, apesar do colchão amortecedor representado pela indexação; notam-se preocupantes movimentos na direção de ativos reais, como imóveis e ouro, sem falar nas altas persistentes do dólar no mercado paralelo. O clima de incertezas e desconfiança motivado por um governo fraco completa um cenário adequado para a hiperinflação. Curiosamente, ninguém arrisca previsões sobre o "timing" desse iminente desastre. Em outras economias, a concretização da crise hiperinflacionária seria imediata, mas no Brasil, a correção monetária dos ativos financeiros e a indexação de preços e salários fazem com que o desenrolar dos fatos siga uma trajetória diferente das de outras experiências históricas. Mas, apesar de tudo, não há como negar que a gestação de uma crise hiperinflacionária foi precipitada com as derrotas sofridas pelas autoridades no controle dos gastos públicos. Some-se a isso a incapacidade da equipe econômica em compatibilizar uma renegociação da dívida externa capaz de, ao mesmo tempo, restaurar as relações com a comunidade financeira internacional e, também, obter alívio nas remessas de divisas ao exterior por conta do endividamento externo brasileiro. Todos esses fatos se acumulam numa evolução altamente preocupante da dívida pública brasileira. A dívida mobiliária da União em poder do público vem sofrendo variações reais anuais que em média atingiram cerca de 30%, desde outubro do ano passado. Isso significa que a dívida, neste ritmo, irá dobrar a cada dois anos e oito meses; em junho, a taxa anual de expansão real foi de 52%, o que implica dobrar em menos de dois anos. A dívida líquida do setor público, segundo dados do Banco Central, evolui perigosamente. Realimentada pelos déficits anuais, ela atinge proporções críticas. Ainda não é excessivamente alta (como proporção do PIB), tomando-se por base a experiência de outros países. Porém, sua rolagem é dificultada pela correção monetária incidente sobre ela - fato que não ocorre em outras economias - e também por seu perfil de curtíssimo prazo, praticamente imediato. Além disso, mostra-se crescente. Demonstrar essa bomba de efeito não tão retardado é o caminho para evitar a hiperinflação que se aproxima. A primeira providência seria seccionar os mecanismos de realimentação. O controle do déficit público - cujo reverso é o controle da aceleração inflacionária - torna-se assim prioritário, porém de parcas perspectivas de êxito, dados os condicionantes políticos da "Nova República". Corroer o valor da dívida pública por meio de inflação como fazem os países sem indexação também é impraticável; apenas precipitaria o golpe fatal contra a moeda corrente (os títulos que lastreiam o overnight). Urge cortar o déficit público para conter a expansão da dívida. Mas isso poderá não ser suficiente, pois é preciso reduzir, e não apenas estabilizar, a relação dívida/PIB. A emissão de títulos públicos certamente exigirá taxas de juros reais positivas. O financiamento a custo zero, pelo uso das LBC/LFT, apenas se torna viável mediante a aceitação, pelo governo, de rolagens diárias, circunstâncias nas quais os riscos de uma crise de confiança e de uma hiperinflação passarão a fazer parte do cotidiano brasileiro. Uma política para a dívida pública torna-se assim imperiosa. Em primeiro lugar, urge implementar uma efetiva política antiinflacionária capaz de reduzir o déficit nominal. Cabe lembrar que o governo financia sua dívida nominal e não a operacional. Esta última é apenas uma medida de aperto fiscal, mas não é a variável mais relevante para a definição de uma política para a dívida pública. Cabe lembrar que, em 1986, o fluxo acumulado da dívida tária e cambial, representou 22% do total, que inclui as correções monetárias. Em termos de saldos médios da dívida, os fluxos representaram cerca de 45% do PIB nos dois últimos anos, devendo aumentar substancialmente em 1988. Supondo-se, como exemplo, que o déficit operacional seja zerado - uma meta extremamente difícil pelos efeitos perniciosos da própria inflação nas receitas públicas - ainda assim a relação dívida/PIB poderá aumentar. Na hipótese (provável) de rolagem integral, bastaria que, em termos reais, as taxas de juros superassem o crescimento do produto. Sabendo-se ainda que a manutenção da inflação em elevados patamares reduz a capacidade de arrecadação pública, nota-se que o governo poderá ser forçado ao endividamento crescente, também por conta da correção monetária. Em suma, as evidências apontam para novas dificuldades na questão do endividamento público no Brasil. Para reduzir a relação dívida/PIB, há que se introduzir novas possibilidades no mix de políticas econômicas do governo. Duas possibilidades deveriam ser consideradas: um imposto especial para permitir o serviço da dívida e um radical programa de conversão de dívida em estatais. Em relação à primeira proposta, cabe dizer que não se deve alimentar ilusões, pois todos pagarão a dívida acumulada, seja pelo imposto inflacionário, seja pela sua desvalorização, no caso de uma crise hiperinflacionária. A imposição de um imposto especial poderá conferir maior racionalidade ao processo de resolução deste impasse, principalmente por implicar um planejamento mais adequado da incidência deste tributo. A conversão da dívida - interna e externa - em estatais significa patrimônio. Não apenas se estaria aliviando as pressões da dívida no orçamento público, mas ainda permitiria contornar o déficit oriundo das empresas estatais. É uma alternativa mais racional do que a paulatina dilapidação das empresas públicas praticada nos últimos anos. Os cortes indiscriminados de gastos e as limitações aos investimentos impostos às estatais poderão resultar em breve no estrangulamento da oferta de bens e serviços, hoje controlados pelo governo, com óbvias repercussões na capacidade de expressão da economia. São problemas imediatos, que exigem respostas urgentes. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é diretor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e consultor econômico da Folha.

  • Brasil, Portugal e a CEE

    Apesar dos íntimos laços que o Brasil e Portugal mantêm entre si, nunca foram parceiros comerciais importantes, pelo menos na história recente. As importações portuguesas provenientes do Brasil andam na casa de 2%; as exportações portuguesas com destino ao Brasil raramente superam a marca de 1%. Pelo lado brasileiro, essas cifras são ainda mais insignificantes. Menos de 0,5% das importações brasileiras vêm de Portugal, e menos de 0,5% das exportações do Brasil têm aquele país como destino. São cifras inexpressivas, uma centena e meia de milhões de dólares anuais. No entanto, as relações econômicas entre Brasil e Portugal nunca mereceram tanta atenção como agora. Quanto aos investimentos externos, Portugal e Brasil também estão longe de mostrar a mesma solidariedade que exibem em suas relações culturais e afetivas. As inversões brasileiras em Portugal foram desprezíveis em 1985; em 1986 chegaram a modestos US$ 2 milhões (1% do total de investimentos externos efetuados naquele ano); em 1987 aumentaram para US$ 12 milhões (2,8% do total). São cifras inexpressivas. No entanto, os fluxos de investimentos entre Portugal e o Brasil são hoje debatidos como nunca foram anteriormente. Por quê? O ingresso de Portugal na Comunidade Econômica Europeia (CEE) colocou aquele pequeno país, de apenas dez milhões de habitantes e com Produto Interno Bruto (PIB) de tão somente US$ 30 bilhões (um décimo do PIB brasileiro), dentro da maior potência comercial do mundo. Ao ser integrado no grupo dos 12 da Europa, Portugal adquiriu uma nova dimensão. Não se trata mais de uma pequena economia, mas sim de uma pequena região numa economia gigantesca. Portugal e Brasil são dois países que, apesar de todas suas diferenças estruturais, se incluem na categoria de economias de renda média. Per capita, o PIB português está próximo de US$ 3 mil anuais, e o brasileiro, de US$ 2.100. Nestas circunstâncias, não é atípico que os fluxos econômicos de economias neste intervalo de renda sejam mais intensos com as economias do mundo industrializado do que entre elas mesmas. Esta acentuada assimetria está em vias de ser fraturada pela nova posição assumida por países como Portugal, com consequências que poderão ser mais profundas do que um mero rearranjo de blocos comerciais. São perspectivas de um novo padrão de relacionamento econômico, envolvendo países fora do núcleo central da economia mundial. Outras questões igualmente relevantes se colocam na discussão. Como avaliar o impacto concreto da formação do Mercado Comum Europeu nas exportações brasileiras? Que efeito acarretará no europrotecionismo, que já impõe a países como o Brasil enormes dificuldades para se inserir no mercado mundial? É provável que obstáculos à maior penetração nos mercados europeus sejam fortalecidos. Neste caso, como agir no sentido de manter o "drive" exportador de nosso país? Que papel nos resta, uma vez que não nos inserimos nos grandes blocos comerciais do mundo - a CEE, o Sudeste Asiático ou a América do Norte? Há outras questões. Como explicar que um país como o Brasil - carente de capitais e tecnologia, com um mercado interno potencial ainda em grande parte inexplorado, com terríveis níveis de pobreza e com péssima distribuição de renda - em vez de atrair investimentos externos para expandir seus níveis de produção doméstica, comece a pensar em investir no exterior, exportando recursos para nações com níveis de renda per capita mais elevados, como Portugal e Espanha? A resposta está nas novas formas de produção que se observam no mundo moderno. Está na internacionalização do processo produtivo, nos mercados globais e no fato de que investimentos no exterior significam alavancar a produção doméstica, pois potencializam as perspectivas de exportação de peças, componentes e produtos semi-acabados produzidos no Brasil. Essas, e muitas outras, serão as grandes interrogações, os grandes desafios que se apresentam para o Brasil. Após o milagre brasileiro da década passada, vê-se hoje que o país passa a desempenhar um papel periférico, com a perda de grande parte daquele impulso de expansão que caracterizou a nossa economia até poucos anos atrás. Como superar esta fase crítica de nossa história econômica? Como impedir que esse clima modorrento venha a dominar nossa economia, inviabilizando um futuro que até pouco tempo atrás se apresentava ao mundo como um dos mais dinâmicos e promissores? Na solução a estas perguntas, não se pode deixar de definir uma estratégia para o Brasil na economia moderna, nem de contemplar a presença do Mercado Comum Europeu, a mais nova força econômica e geopolítica mundial. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.

  • Economia vai resistir aos artigos cartorialistas da nova Constituição

    A avaliação de um novo texto constitucional se faz na prática, e não em tese. Apenas após sua promulgação, será possível verificar seus efeitos concretos na economia. Isso porque no Brasil o império da lei é relativo. Mesmo a lei maior, a Constituição, não logra respeito exclusivamente pelo fato de ser a Constituição. Necessita ser aceita. Pode ser uma criticável característica brasileira, mas pode, também, constituir o sistema imunológico da sociedade - os anticorpos contra a demagogia, a incompetência e a falta de espírito público. Uma apreciação geral sobre os dispositivos constitucionais aprovados mostra que foi mantida a maioria dos vícios econômicos com os quais o Brasil sempre conviveu. Por outro lado, foram introduzidas importantes inovações, reclamadas com insistência pela sociedade. Manteve-se um Estado cartorial, paternalista e absorvente; preservaram-se privilégios e ampliaram-se equívocos antigos. Mas também foram introduzidos aperfeiçoamentos importantes, principalmente no controle do Executivo, antes excessivamente poderoso. Avanços e retrocessos. Não se deve esperar que surja uma nova economia, melhor ou pior. Na área das relações trabalhistas pouco foi feito que implique impactos significativos. As garantias dos trabalhadores foram marginalmente ampliadas. Fugiu-se do absurdo da estabilidade de emprego e do redistributivismo inconsequente, que apenas levariam à expansão da economia informal. A robusta presença do Estado na economia foi confirmada. Foram mantidos os principais monopólios públicos, e pouco se fez para tornar a economia mais aberta, mais competitiva. O governo continua a prometer direitos que não pode garantir. Mantém-se uma equivocada combinação entre a iniciativa privada e o intervencionismo estatal. No campo tributário, privilegiou-se uma descentralização de receitas há muito reclamada - porém sem uma clara redivisão de responsabilidades. O Legislativo ganhou novos poderes na elaboração e controle dos orçamentos públicos, limitando o arbítrio com que antes eram administradas as finanças públicas. Em compensação, dispositivos como a fixação do teto de 12% nas taxas de juros comprovam evidentes concessões à demagogia irresponsável, mas que acabarão sendo rejeitadas na prática. Nas relações econômicas com o exterior, reafirmaram-se políticas falidas - como a reserva de mercado e a discriminação aos capitais estrangeiros - prejudicando, concomitantemente, a expansão do emprego e a geração interna de renda. Não será da nova Carta que virão os impulsos necessários para a superação da crise econômica brasileira. Os atuais impasses persistirão, pois para superá-los é preciso muito mais. Por outro lado, ao ser promulgada, não se estará alterando a ordem econômica vigente, como muitos temiam que poderia ocorrer. Estão refletidas nas decisões dos constituintes todas as contradições que fizeram o Brasil o que ele é hoje: uma economia pujante, dinâmica e diversificada, porém tolhida por uma teia de irracionalidade, injustiça e corrupção. Não é uma Constituição lesiva, no seu todo; mas desastrosa em alguns de seus detalhes. Embora não deva causar grandes transformações a curto prazo, poderá minar lentamente o potencial de desenvolvimento do país. Não irá inviabilizar a economia, mas também pouco fará para transformar o Brasil num país moderno e integrado na economia mundial. Em 1993, haverá uma outra oportunidade de reforma, quiçá a mais sábia das decisões constitucionais. Até lá, resta a esperança de maior amadurecimento das instituições econômicas brasileiras. Cabe à sociedade, neste interim, avaliar, para então reforçar, o que há de positivo. Os absurdos se auto-destruirão.

  • A hora do choque

    A tendência de crescimento da inflação verificada ao longo de 1988 ocorreu numa conjuntura marcada pela contração da economia. A explicação para esse aparente paradoxo reside na conjugação de choques exógenos de preços, com fortes mecanismos de indexação. Trata-se de um fenômeno amplamente conhecido, que dispensa maiores justificativas. A ocorrência de choques, contudo, não é intermitente. Pelo contrário, são ondas sucessivas, quase constantes. A sazonalidade na oferta de alguns importantes setores da economia, por si só, seria capaz de explicar uma tendência permanente de aumento da inflação. A indexação se encarrega de impor uma assimetria no impacto dessas variações no índice de preços. Como os preços nominais não caem, a única forma de reequilibrar os preços relativos é pela aceleração inflacionária. Nos últimos meses, contudo, começaram a surgir novas pressões inflacionárias. Desta vez são endógenas. A economia está se aquecendo. O nível de emprego está elevado, a utilização da capacidade instalada é alta (exceto no setor de bens de capitais), e os salários reais médios alcançam valores equivalentes aos do tempo do Plano Cruzado. A economia se recupera da retração de 1987-88. Não se trata de uma expansão demasiadamente forte da demanda, mas sim de uma oferta cuja capacidade de resposta está tolhida pela retração dos investimentos verificada desde o início da década de 80. Nessas circunstâncias, muitos começam a questionar a validade da política antiinflacionária do governo; outros clamam por um novo congelamento, que chamam de mudança no padrão monetário, desindexação, ou outra coisa qualquer. No entanto, esquecem que essas medidas não surtirão efeitos enquanto o governo não demonstrar disposição para implementar uma política de absoluto controle do setor público. É neste último ponto que se encontra a maior fraqueza da atual política econômica. Apesar do déficit público de janeiro a julho estar dentro das metas previstas pelo governo de 4%, fica cada vez mais evidente que não existe um efetivo controle da situação. Não há coesão, nem autoridade, na atual administração, e os agentes econômicos percebem claramente que não houve qualquer mudança no regime fiscal e monetário no Brasil. As conquistas anunciadas não se revelam suficientemente permanentes para transmitir confiança de que a inflação será controlada. E assim as expectativas inflacionárias continuam exacerbadas, os investimentos não são realizados, os níveis de consumo não se elevam; gera-se uma crise de subconsumo e de subinvestimento. O Brasil precisa de um choque; mas no enxugamento do setor público, na eliminação dos subsídios e incentivos fiscais, na proibição do Banco Central financiar o Tesouro. Medidas de impacto capazes de reverter as expectativas inflacionárias atuais. Depois disso, o congelamento e a desindexação virão naturalmente, com perspectivas de sucesso.

  • As precondições do choque

    A aceleração inflacionária ocorrida no Brasil em 1988 teve importantes implicações na própria dinâmica dos aumentos de preços. Como vimos neste mesmo espaço no último domingo, quando a taxa de elevação de preços aumenta continuamente, a indexação deixa de tomar como base a inflação passada ("ex-post") e passa a embutir as expectativas de inflação futura ("ex-ante"). Neste processo, a inércia inflacionária cede lugar a fatores expectacionais e o sistema de preços passa a ser mais instável do que quando estava ancorado na inflação pretérita. No Brasil, a indexação já começa a sofrer mudanças. Não se trata mais de aumentar preços para repor as perdas sofridas no passado, mas sim de evitar perdas futuras. Logicamente, esta intenção será frustrada pela aceleração da inflação e acarretará pressões altistas ainda mais intensas nos períodos seguintes. O resultado final é a derrubada das últimas barreiras à hiperinflação. O pacto social introduziu oficialmente este tipo de comportamento nos mecanismos de formação de preços, embora com outros objetivos. Os agentes econômicos passaram a praticar aumentos com base nas projeções da inflação futura. O governo também usou a mesma justificativa para determinar os reajustes salariais, como exemplificado na evolução do salário mínimo de referência de 25%, a meta pactuada para dezembro. Esta mudança no comportamento dos agentes econômicos ainda não se generalizou totalmente. Quando isto ocorrer, não haverá mais freios à hiperinflação. Cabe perguntar, portanto, o que fazer para impedir o total descontrole inflacionário. O fundamental é conter a aceleração da inflação. Mas, para conseguir a estabilidade - já que sem fortes perdas de produção - não basta, como antes, usar os instrumentos de política econômica da indexação "ex-ante," uma política de rendas antecedida de uma sólida contenção fiscal e monetária seria capaz de resolver o problema. Agora, cada vez com maior intensidade, será preciso agir a nível das expectativas, uma tarefa na qual os economistas sentem naturais dificuldades. Basta conter o déficit para que as expectativas inflacionárias cedam? Não deveria a inflação ter caído em seu atual ímpeto altista? Como transmitir aos agentes econômicos o fato de que a relação entre déficit público e inflação não é estável? Quanto mais o governo demorar para aplicar as medidas de contenção, mais questionável será a eficácia de um choque para extirpar a inflação. O fundamental é não permitir que ela se acelere nos próximos meses; que as metas orçamentárias do governo sejam cumpridas em 1988 e sancionadas pelo Congresso, para 1989. Se realizadas com a devida rapidez, ainda haverá espaço para desindexação abrupta no primeiro semestre do próximo ano, e com boas chances de sucesso. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O pacto na política antiinflacionária

    A aplicação de uma política antiinflacionária deve ser de responsabilidade do governo; inclusive a celebração de um pacto. A experiência em outros países mostra que a iniciativa de convocação para as conversações sempre coube ao poder central; em vários casos, houve um entendimento com os partidos políticos antes que os representantes das classes econômicas se incorporassem às discussões. O governo precisa ser o executor, o árbitro e o fiscal de qualquer acordo. Além disso, é o maior empregador e o maior produtor de bens e serviços. Sem sua efetiva liderança, o pacto não será uma realidade. Aqui e agora, contudo, o governo entra no pacto a reboque, impelido a aderir por sua fraqueza e não por sua força, ou por seu poder coordenador. Há consenso entre economistas acerca dos ingredientes de uma política de estabilização. Qualquer avanço duradouro irá exigir a aplicação de medidas de contenção fiscal, um grande esforço de austeridade monetária, e, finalmente, novas tentativas de desindexação (política de rendas) para desvincular a inflação corrente dos índices passados. Qualquer terapia que não inclua todos estes itens estará sujeita a retumbantes fracassos. A política de rendas, contudo, tem uma peculiaridade. Perde eficácia se aplicada antes de, ou sem, políticas fiscal e monetária. Estas duas últimas, por sua vez, funcionam sem uma política de rendas, mas implicam custos elevados em termos do nível de atividade. Surgem assim duas possibilidades. A primeira é fazer inicialmente o ajuste fiscal. Isto permitiria, concomitantemente, praticar uma política monetária. Além do imediato impacto favorável nas expectativas, também seria possível extirpar pressões inflacionárias de demanda, que já começam a surgir com o esgotamento da capacidade ociosa, e com a recuperação dos salários reais. Em seguida, com certo ganho de credibilidade, o governo poderia aplicar políticas de renda para extirpar a memória inflacionária. A vantagem desta opção é que, ao combater as pressões aceleradoras da inflação, a política de rendas seria aplicada numa inércia enfraquecida, e portanto com maiores probabilidades de sucesso. As desvantagens são duas: poderia causar nova inflexão no nível de atividade, e encontraria fortes resistências políticas e empresariais. Dificilmente o atual governo teria cacife para adotar esta estratégia, mesmo porque as pressões para que faça algo de impacto mais imediato, mesmo que de pequena eficácia, são muito fortes. A segunda alternativa é aplicar os três instrumentos ao mesmo tempo (fiscal, monetário e de rendas). O uso da política de rendas, qualquer que seja seu efeito a médio e longo prazos, é eficiente sedativo para as angústias hiperinflacionárias. Daí sua popularidade, ainda que possa ter apenas um efeito secundário no tratamento. Nesse sentido, esta combinação de instrumentos é a mais factível para as atuais circunstâncias. Isso não deve implicar, contudo, qualquer complacência com as metas de controle fiscal e monetário, como as últimas experiências de estabilização no Brasil já demonstraram eloquentemente. O atual pacto começa pelo controle de preços, sem o imediato ajuste fiscal e monetário. Ao não estar escorado nestes dois outros instrumentos - em 30 dias o governo deverá apresentar uma "proposta" - corre-se o risco de imediata decepção e de descrédito do Pacto Social como instrumento antiinflacionário. Por outro lado, tem a seu favor a modesta meta de 26,5% de inflação para novembro (mês gregoriano), muito próxima do que se espera deva ocorrer, mesmo sem ele. A vantagem imediata do pacto é que permite ao governo ganhar tempo para preparar e negociar seu pacote fiscal. O risco é que havendo acidentes de percurso, o pacto estaria desmoralizado, e o quadro inflacionário poderia ser agravado.

  • Problemas atuais estabelecem base para crise da década de 90

    O primeiro ano da década de 80 teve início sob um clima que aparentava prenunciar a reedição do milagre econômico do período 1971-74. O mundo ainda estava imerso num penoso processo de ajustamento aos choques do petróleo e das taxas de juros. Mas o Brasil desafiou a todos. Após três anos de taxas pouco espetaculares de crescimento do produto real - menos de 5% em 77 e 78, e 7,2% em 1979 - a economia cresceu mais de 9% em 1980. No entanto, a mágica durou pouco. Entre 81 e 83, o Brasil encolheu quase 15%. As novas condições de escassez de financiamentos internacionais não deixaram outra alternativa senão a dolorosa contração, numa magnitude que provavelmente poderia ter sido atenuada caso, anteriormente, o país tivesse seguido uma política mais conservadora. Os dois anos seguintes foram de relativa recuperação - expansão de 5,7% e 8,4% em 84 e 85. Em 86, mais uma vez, o Brasil quis mostrar ao mundo que era diferente, crescendo mais de 8%. Ignorou os mais elementares princípios da teoria econômica, comprovando que era um espécime absolutamente normal, incapaz de crescer aceleradamente, zerar a inflação, redistribuir renda e tudo isso com taxas negativas de juros reais e déficit fiscal elevado. O resultado foi a estagnação de 87 e 88, além da recente ameaça hiperinflacionária. Em nove anos, o produto real per capita aumentou apenas 10%, pouco mais de 1% ao ano. Não deve surpreender, portanto, que doenças transmissíveis como tuberculose, hanseníase, malária e meningite tenham aumentado no país, que as gritantes desigualdades na distribuição de renda não tenham sido corrigidas, que o salário médio na indústria seja menos de um décimo do percebido pelo trabalhador alemão, um quinto do espanhol e cerca de 60% do que recebe um operário de Cingapura ou de Formosa, que a expectativa de vida do brasileiro seja de apenas 65 anos, contra mais de 75 anos nos países desenvolvidos, e que a mortalidade infantil tenha aumentado para 160 crianças de menos de cinco anos em cada mil nascidas, enquanto que a mesma estatística em Cuba é 87, na Suécia é 20 e na União Soviética é 53. A crise da década de 80 atingiu também os demais países em desenvolvimento, principalmente os endividados. Os primeiros anos da década foram períodos de crescimento negativo para o conjunto dos 15 maiores devedores. A taxa média de expansão na década de 70 foi de quase 6%; entre 81 e 83, houve forte recessão, chegando ao crescimento negativo de cerca de 3%. No restante da década, a taxa média de expansão atingiu o máximo de 3,8% no período 85-86; foi de 2,5% no ano passado e será de menos de 2% em 1988. O mais preocupante, porém, é que a crise da década de 80 criará condições para a crise dos anos 90. A taxa de formação de capital dos maiores devedores, que determina o potencial de crescimento da produção, atingiu a média de 24% do PIB nos anos 70, mas chegará ao final deste decênio em 18%. O Brasil não foge à regra, tendo chegado a uma taxa de investimento bruto de apenas 15,5% em 1985; o recorde da década pode ter sido em 87, com apenas 19,7% do PIB. Nessas condições, não há como ser mais do que prudentemente otimista em relação ao futuro próximo. O descabido ufanismo de termos a sétima ou oitava maior estrutura industrial do mundo esconde apenas a vergonhosa pobreza da maior parte da população brasileira. O absurdo deste "ranking" fica patente se observarmos que a absorção da Bolívia, com toda sua miséria, faria o Brasil galgar postos mais elevados no rol das economias do mundo. O bem-estar não se mede pelo volume do produto, mas sim por sua capacidade em satisfazer as necessidades dos indivíduos. Medi-lo pelo total produzido, sem atentar para o número de partes em que terá de ser dividido, é apenas um artifício de propaganda, geralmente usado por ignorância ou má-fé. O Brasil consome cerca de 80% de seu PIB. Estimativas preliminares mostram que nos últimos dois anos pode ter caído para 77%. Essa abstenção de consumo, porém, não ocorre para aumentar investimentos e permitir maiores fluxos de produção futura, mas sim para permitir as remessas de renda líquida ao exterior, por conta da dívida acumulada no passado. Cabe lembrar que uma parte significativa do consumo é representada pelo consumo do governo. Não se trata das empresas estatais, do Estado empresário - cujo impacto econômico é contabilizado como sendo do setor privado nas contas nacionais - mas sim das funções típicas de governo, como saúde, educação, saneamento e outras atividades de forte cunho social. Na atual crise fiscal, são precisamente estas tarefas do governo as que vêm sofrendo as maiores restrições e degradação de qualidade. O Estado no Brasil vem assumindo funções empresariais e adotando um comportamento de absoluta negligência em relação às suas atividades essenciais. Com isso, a parcela de serviços sociais no total do consumo vem decrescendo assustadoramente, embora as estatísticas oficiais não revelem este fato. Em resumo, os anos 80 estão sendo de crise, e os custos do ajuste estão sendo perversamente distribuídos. Lançam-se as bases para a crise dos anos 90. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O ilusório sucesso

    O Plano Verão tem uma característica interessante. As medidas antiinflacionárias de 15 de janeiro são, em seu conjunto, mais consistentes do que as dos pacotes anteriores. Mas, por não terem sido implementadas em toda sua extensão, envolvem hoje riscos consideráveis de desestabilização. Houve aprendizado por parte da equipe econômica. Teoricamente, o plano contém todos os ingredientes para dar um efetivo combate à inflação. Aplica uma política de rendas, impõe uma rigidez monetária inaudita no Brasil e acena com medidas de austeridade fiscal. Em geral, não se pode dizer que houve perdas salariais de porte. Apenas se impediu que os salários explodissem como ocorreu no Plano Cruzado; ou que aumentassem, ainda que ligeiramente, como no Plano Bresser. A demanda se encontra sob controle. Não há sinais evidentes de desabastecimento, nem de desequilíbrios nos preços relativos. Por fim, a inflação pós-choque foi baixa em fevereiro, comparativamente às taxas do último trimestre do ano passado. E deverá ser ainda mais baixa em março. Um estrondoso sucesso? Muitos começam a achar que sim. Estariam sendo revertidas as expectativas inflacionárias? O governo anuncia estar vencendo mais esta batalha. Sob a aparência de vitória, a política antiinflacionária do governo deverá encontrar enormes dificuldades nas próximas semanas. O Plano Verão entra em seus momentos mais críticos. As inúmeras tensões acumuladas ao longo da fase inicial do choque precisam ser atenuadas com o intuito de permitir a saída ordenada do congelamento. A principal dificuldade se encontra na questão de como baixar as taxas de juros para evitar uma absurda expansão do endividamento público. O crescimento da dívida mobiliária federal em cerca de 2% do PIB ao mês não passa despercebido dos agentes econômicos. Isto implica dizer que as expectativas de inflação futura se exarcebam, ao invés de serem neutralizadas pelos sucessos de curto prazo do Plano Verão. Apenas os juros altos ainda sustentam o plano. Seguram os depositantes das cadernetas de poupança - embora impliquem enormes distorções na estrutura de ativos e passivos dos agentes financeiros -, impedem a antecipação do consumo e desestimulam a formação de estoques especulativos. Seguram o dólar e até atraem recursos de curtíssimo prazo do exterior. Contudo, no momento em que houver qualquer sinal de queda no custo do dinheiro, as tensões acumuladas explodirão. O governo já admite estender por mais um mês as vantagens dos depósitos de poupança. O efeito anzol: entra, mas é difícil sair. A taxa de câmbio também acumula atrasos históricos. Vai ter de ser reajustada, com fortes impactos inflacionários. Ameaça repetir-se, neste ponto, os erros do passado. O descongelamento não pode tardar. Ainda não há ágio ou desabastecimento simplesmente porque a demanda está fraca. Mas a demanda está fraca por conta dos juros altos (que não podem durar muito) e pela estagnação do poder aquisitivo dos salários (que os trabalhadores não irão aceitar por mais tempo). A indefinição de uma nova política salarial não terá condições de protelar um inevitável confronto no campo salarial. As condições atuais apontam para uma saída traumatizante do Plano Verão. Então, provavelmente a economia brasileira poderá estar mais próxima da hiperinflação do que esteve antes do choque. Faltou o elemento fundamental, o ajuste fiscal. Caso ele tivesse sido feito com determinação, o nó górdio teria sido desatado. Resta ao governo a alternativa de ligar a economia numa corrente contínua de choques e congelamentos, ao menos para chegar em novembro com a transição política completada. Quanto à transição econômica, da estagnação crônica dos últimos oito anos para a retomada do crescimento auto-sustentado, resta apenas a certeza de momentos difíceis à frente. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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