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  • A conversão da dívida

    Finalmente, depois de longas discussões, o governo decidiu dar início à conversão de dívida em capital de risco. Há alguns meses, foi apresentada uma regulamentação que, por ser excessivamente restritiva, acabava por desinteressar o credor na conversão de seus créditos em investimentos. O atual ministro da Fazenda efetuou algumas importantes simplificações naquela proposta para viabilizar a operação. Não deve haver ilusão quanto aos efeitos da conversão de dívida em investimento na economia brasileira. Não será uma medida de grande impacto na balança de pagamentos. Certamente trará algum alívio, pois existirão limitações para a remessa ao exterior de lucros provenientes dessas operações. Porém, tanto o grau de interesse das empresas estrangeiras em investir no Brasil quanto a capacidade de absorção do mercado interno dos cruzados provenientes da conversão são fatores limitantes que deverão fazer com que o montante total de conversão não ultrapasse o patamar de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões anuais. Diante do montante da dívida externa brasileira, fica claro que esta medida não será, com certeza, a solução para a crise do endividamento. Por outro lado, a autorização para que credores convertam seus créditos em investimentos, até mesmo no âmbito de empresas estatais, pode ser vista como uma medida cujos efeitos indiretos poderão ser bastante benéficos ao país. Em primeiro lugar, pode significar o início de um novo processo de abertura da economia brasileira às empresas multinacionais. Implica também o fortalecimento de fundos estrangeiros nos mercados de capitais e nas bolsas, ampliando assim o potencial de geração de fontes de financiamento para investimentos domésticos. Na esteira da conversão, poderá ainda ser dado o início para um programa de privatização de segmentos produtivos, hoje nas mãos do poder público. Persistem ainda alguns entraves. A exigência de canalizar parte do capital convertido para investimentos no norte e nordeste confunde a política econômica externa com objetivos redistributivos internos. A exigência certamente implicará na redução do número de interessados na conversão e, consequentemente, deverá reduzir a parcela do deságio que poderia ser absorvida pelo país. Também as restrições para remessa de lucros terão efeito semelhante. Seria mais razoável fazer valer a atual lei de remessa de lucros, sem outras restrições, exigindo das empresas apenas um balanço positivo em divisas. De qualquer forma, muito mais do que uma solução para o problema do endividamento externo ou, ainda, para a crônica carência de investimentos que vem caracterizando a economia nos últimos dez anos, a conversão da dívida poderá significar o embrião e uma amostra de uma nova postura do país em relação ao capital internacional e, subsidiariamente, em relação à participação do Estado na economia. Neste sentido, o leilão a ser realizado no próximo dia 29 deve ser acompanhado com grande atenção. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O prefeito que cresce

    Recentemente, o prefeito Jânio Quadros publicou nos jornais um informe publicitário de quase uma página, prestando contas de sua administração. Segundo aquele manifesto, intitulado "Os Resultados da Competência", o prefeito tenta demonstrar que realizou um verdadeiro milagre administrativo. Apesar de ter à sua disposição apenas 8,7% dos impostos arrecadados na cidade de São Paulo - como fez questão de salientar na publicação - a equipe administrativa municipal teria saneado as finanças da cidade sem, no entanto, deixar de atender às prioridades de investimentos e de prestação de serviços à população carente. Sem dúvida, se as alegações são exatas, um caso ímpar dentro da administração pública brasileira, destroçada pela incompetência, pelo desperdício e pelos reflexos da crise econômica que afeta toda a nação. A grade de avaliação da cidade de São Paulo que a Folha está publicando hoje permite uma análise mais precisa da situação. Embora boa parte dos dados seja referente a 1986, pois os números de 1987 não estão disponíveis, as informações coletadas e sistematizadas nestas páginas possibilitam avançar alguns passos no sentido de se avaliar com maior confiabilidade a performance do prefeito Jânio Quadros como administrador público. No tocante às áreas de saúde, educação, saneamento, transportes e outros serviços, os dados da grade não são capazes de demonstrar progressos inequívocos. Existe uma sensação generalizada de que a atual administração tem concentrado seus esforços nas áreas centrais da cidade, onde o fluxo de pessoas de todas as camadas sociais e econômicas é elevado. A periferia parece não ter sido igualmente beneficiada. Deixarei a aferição destes fatos a especialistas nestas questões. Quanto às funções administrativas e financeiras, contudo, Jânio Quadros efetivamente dá uma demonstração de competência. Diferentemente da quase totalidade dos demais municípios brasileiros, o número de funcionários públicos não cresceu, as receitas foram recompostas e os investimentos aumentaram significativamente. Cabe apontar que isso ocorreu sem compressão salarial do funcionalismo municipal. Pelo contrário, os rendimentos dos servidores municipais vêm sendo valorizados. Tudo isso com queda no endividamento do tesouro municipal. As equipes responsáveis pelas finanças e pelo funcionalismo municipal vêm obtendo bons resultados mediante a aplicação de critérios empresariais na gestão da cidade. É pena, porém, que no âmbito das empresas do município as evidências não sejam igualmente favoráveis. Os resultados das estatais municipais foram decepcionantes. Resta esperar que haja um efeito demonstração no tocante aos métodos administrativos empregados na administração central e que também as empresas municipais venham a ser mais eficientes, deixando de gerar perdas cujos montantes vêm aumentando em relação à administração anterior. Em suma, para que Jânio Quadros saia de sua atual função aclamado e reconhecido como um bom prefeito, resta provar que não é apenas o "prefeito dos ricos". Com a palavra o alcaide, e a periferia, obviamente.

  • Pela livre negociação salarial

    A livre negociação encontra oposição entre os beneficiados da atual política salarial - o grande capital e o comércio - e, paradoxalmente, também entre os mais prejudicados - os assalariados. O grande capital, normalmente concentrado em atividades oligopolizadas, prefere a manutenção da atual sistemática da URP por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, evita o desgaste das negociações salariais livres. Esta prática, se adotada, passaria a exigir tanto dos empregadores quanto dos empregados maior transparência em suas posições de negociação. Certamente as margens de lucro e de rentabilidade das empresas passariam a ser minuciosamente analisadas pelos interessados. Além deste "inconveniente" processo de negociação, a indexação dos salários pela URP fornece às empresas uma excelente cobertura para aumentarem seus preços. Os aumentos de salários são gerais, justificando, por sua compulsoriedade, uma concomitante, porém sempre mais alta, elevação de preços. No final, as correções transformam-se num engodo para a população assalariada, pois apenas seus salários nominais são aumentados. O comércio, por outro lado, não é fortemente afetado pela atual política salarial, pois a sistemática de remuneração de grande parte de seus trabalhadores se baseia numa parcela fixa, sobre a qual se aplica a URP e mais um comissionamento, que depende do volume de vendas. Neste caso, o impacto da indexação salarial compulsória sobre seus custos é grandemente amortecido. Por parte dos assalariados, a oposição à livre negociação se baseia no argumento da grande disparidade no poder de negociação das diferentes categorias profissionais. Segundo este raciocínio, os trabalhadores menos organizados correriam o risco de serem prejudicados. Os fatos não mostram que o movimento sindical brasileiro tenha grandes bolsões de inoperância. Existe hoje ampla liberdade para uma atuação eficaz dos trabalhadores. Como bem mostrou o professor Paul Singer em recente artigo nesta Folha, a URP vem sendo um piso frequentemente superado pelas correções de salários. Neste sentido, nada há a temer, pois as negociações poderão até mesmo estabelecer formas de reajustes que sejam até mais vantajosas, para certos setores, do que a atual política. Além disso, que as centrais sindicais se tornem mais atuantes no sentido de apoiar os sindicatos considerados mais fracos. Por outro lado, há que notar o reverso da medalha. Também entre as empresas existem setores competitivos, onde os reajustes obrigatórios pela URP não podem ser repassados aos preços. Nestes casos, a atual política salarial levará inexoravelmente a uma de suas saídas: o desemprego ou a marginalidade nas relações trabalhistas. A livre negociação salarial é uma meta a ser atingida como meio para preservar empregos, promover a concorrência entre as empresas, e também como um importante coadjuvante no combate à inercialidade inflacionária. É certo que isoladamente a eliminação da URP não terá impactos significativos no combate à inflação. Precisa ocorrer dentro de um conjunto de medidas que ataquem suas causas estruturais, dentre as quais se destaca a contenção do déficit público, como o governo vem tentando. Infelizmente, contudo, a sociedade acostumou-se à presença do Estado na economia e deseja ser por ele tutelada. O recuo na questão das taxas escolares demonstra isto com clareza. É certo que a liberação das mensalidades ocorreu de forma atabalhoada, sem as precauções necessárias para impedir que a transição para uma maior liberdade ocorresse de forma menos tumultuada. Neste sentido, ao invés de um retorno aos rígidos controles praticados anteriormente, caberia ao governo insistir em seu primeiro intento e estabelecer um mecanismo de gradual relaxamento dos controles, como de resto se torna necessário nos mercados de aluguéis residenciais e de mão-de-obra. De certa forma, o nível de salários reais não é formado pela política salarial, mas sim pelas forças de mercado. Viu-se que no Cruzado os salários reais aumentaram, e no ano passado caíram, à revelia das fórmulas de reajustes decretadas pelo governo. A inflação e o desemprego são os meios de contornar os rigores da legislação no caso de mercados desaquecidos, da mesma forma que a expansão econômica gera a valorização relativa do trabalho. A proposta recentemente apresentada pelos professores José Pastore e Hélio Zylberstajn nesta Folha, de reduzir gradualmente a reposição salarial mediante um redutor crescente ao longo de um determinado número de períodos, parece ser o caminho correto para aplacar a ansiedade daqueles que temem a livre negociação. Mecanismos semelhantes poderiam ser idealizados para outros mercados regulados pelo governo. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A novela da URP

    A eliminação, total ou parcial, da URP para o funcionalismo público federal vem sendo enfocada basicamente como uma medida para equilibrar o fluxo de caixa do Tesouro. Neste sentido, é um instrumento no combate do déficit público, tendo como meta final conter os efeitos inflacionários causados pelos excessivos gastos do governo. Quanto à aplicação da URP no setor privado, empresários e assalariados selaram um pacto pela sua manutenção. A preservação do poder aquisitivo dos salários e do emprego é apresentada como justificativa para este acordo, que, contudo, contém um apelo conjunto para a institucionalização da livre negociação salarial. Realmente é curioso o raciocínio do manifesto assinado por empregadores e empregados. Ao que consta, nada impede que os salários privados sejam livremente fixados, desde que a antecipação mínima, referenciada pela URP, seja concedida mensalmente. Neste sentido, a manutenção ou não da URP como um benefício concreto não depende da legislação trabalhista - depende apenas da vontade das partes. A explicação para esta aparente contradição está no repasse dos aumentos de salários aos preços. Mesmo sem a obrigatoriedade da URP, as empresas poderiam conceder os aumentos salariais que julgassem suficientes para manter o nível de demanda desejado. Mas por sua própria conta e risco. Se derem aumentos mais elevados que seus concorrentes e tentarem repassar integralmente o aumento de custos aos preços, poderão perder mercado. Já com a obrigatoriedade da URP, todas empresas são forçadas a dar os mesmos aumentos, todos elevarão preços pelos mesmos índices de indexação e, assim, poderão conviver pacificamente, sem os inconvenientes da concorrência. Esta estratégia é boa para as empresas - que mantêm tranquilamente margens de lucros aceitáveis; é enganosa para os trabalhadores, aos quais são concedidos apenas reajustes nominais, não reais, de salários; é péssima para o consumidor, que se vê privado dos efeitos salutares da concorrência. Mas a URP ainda tem outros inconvenientes. Foi idealizada para ser um indexador num contexto de inflação baixa, pós-congelamento. Agora que a inflação se aproxima de 20% ao mês, os assalariados acumularam perdas progressivas. Março é o primeiro mês em que a URP foi maior que o aumento geral de preços, mas não se espera que isto seja uma tendência duradoura. Neste sentido, por ocasião das datas-base, os acordos salariais, bem como as decisões judiciais, vêm recompondo integralmente o valor real dos salários, incorporando inclusive a inflação de junho (26%) que o governo pretendia excluir. O fato é que esta tendência de recomposição integral vem, desde setembro do ano passado, recolocando os salários reais em patamares semelhantes aos do fim do Plano Cruzado. Mais seis meses e a totalidade dos trabalhadores terá seus rendimentos recompostos, contando ainda com a indexação mensal da URP. Isto significa duas coisas. Primeiro, que o mercado interno será paulatinamente fortalecido com a progressiva chegada de contingentes de assalariados em suas datas-base. Alguns indicadores conjunturais já começam a mostrar uma inflexão no nível de atividade interna, mostrando que a economia brasileira já pode ter atingido o fundo do poço. Em segundo lugar, cabe verificar que o baixo nível de investimentos nos últimos anos restringe a capacidade de crescimento da oferta. A expansão da demanda irá esbarrar, dentro de alguns meses, nas limitações de produção, como ocorreu durante o Plano Cruzado. Neste caso, estarão criadas as condições para um novo surto inflacionário de demanda que, via corrosão salarial, irá reequilibrar o mercado consumidor. Por estas razões é que a URP deve ser extinta para todos os assalariados e substituída por livre e irrestrita negociação entre empregados e empregadores. Os setores que desejarem praticar uma política salarial mais generosa que o façam por sua conta e risco. O que não pode ocorrer é que empresas em setores mais competitivos, incapazes de repassar acréscimos de custos aos preços, sejam prejudicadas pela obrigatoriedade de correção de salários, deixando-lhes como única opção a rotatividade de mão-de-obra ou, então, a cessação de suas atividades. Além disso, é preciso cortar a automaticidade na espiral salários-preços, sancionada pela aplicação da URP, que apenas realimenta a inflação e eleva salários nominais. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O lento despertar do presidente

    Finalmente, o governo decretou medidas para amenizar a questão da folha de pagamentos do funcionalismo federal. Elas vieram juntamente com outras providências, de características mais cosméticas, tais como os incentivos para demissões voluntárias - que certamente não serão eficazes - e limitações nos rendimentos adicionais de certas categorias que terão igualmente um impacto reduzido, senão nulo. É sabido que o corte nos rendimentos dos funcionários públicos e das estatais tem uma característica emergencial, a partir da constatação de que sérios problemas de caixa poderiam surgir em breve nas contas do Tesouro. Por outro lado, se as previsões do governo estiverem corretas, o déficit público poderá ser reduzido em cerca de 1,5% do PIB com estas medidas. Não se pode dizer que se trata de um pacote fraco, embora certamente ainda haja muito por fazer para um efetivo combate ao déficit público, projetado na ausência de medidas corretivas em cerca de 8% do PIB para 1988. O país se acostumou a ser administrado por meio de grandes pacotes, anunciados com pompa e circunstância. Destarte, quando medidas de ajuste são trazidas a público quase que individualmente, fica a sensação de que pouco vem sendo feito. É fato que providências capazes de produzir um impacto mais forte na redução do déficit público ainda não foram anunciadas. Isso inclui a eliminação de subsídios. Também não foram definidas as linhas do programa de desestatização, da reforma bancária, da reforma administrativa do setor público e outras, sem as quais não se conseguirá a desejada modernização da economia. Em compensação, em cerca de 90 dias de gestão, a atual equipe econômica consolidou o ajuste externo, iniciado pelo ex-ministro Bresser Pereira. Está em vias de restaurar o relacionamento do país com a comunidade financeira internacional. Iniciou o polêmico processo de conversão de dívida em investimento. Congelou o crédito às estatais, aos Estados e aos municípios, de onde se espera uma redução adicional de 1% do PIB no déficit público. Decretou a proibição de novas contratações e a redução de 5% reais nos gastos de custeio das estatais. Elevou os depósitos compulsórios dos bancos para enxugar o excesso de liquidez. Tomou, enfim, uma série de providências que, se anunciadas em conjunto, certamente não seriam taxadas de tímidas ou ineficazes. Os mais céticos, e quase todos nós seríamos incluídos nesta categoria, perguntariam se este conjunto de medidas é para valer. Afinal, episódios recentes mostram que nos últimos anos pouco tem sido feito, não obstante a profusão de atos administrativos e de declarações em contrário. Não há como saber. Há indícios de que desta vez o governo mostra-se disposto a impor sua política econômica. Mas a única certeza é que esta é a última oportunidade do governo Sarney para iniciar um programa de recuperação da economia brasileira. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (4/4)

    O modelo de desenvolvimento adotado pelos países exportadores de manufaturados da área do Pacífico se transformou num novo paradigma de crescimento, contrapondo-se ao receituário da Cepal, que tanto influenciou os planejadores econômicos nas primeiras décadas do pós-guerra. A Cepal preconizava a substituição de importações a qualquer custo, e a industrialização era vista como uma renovada esperança de prosperidade. Para atingir essas metas, justificava-se que as economias se voltassem para seus próprios mercados e que os novos setores produtivos fossem protegidos contra a concorrência externa por meio de barreiras comerciais. Ao mesmo tempo, devido às limitações de recursos financeiros e gerenciais de uma burguesia apenas incipiente, criaram-se as condições ideais para o surgimento de um Estado forte capaz de introduzir nessas economias atividades manufatureiras consideradas modernas e de realizar pesados investimentos em infraestrutura de apoio ao novo processo industrial. Nesse modelo, voltado para o mercado interno, o Estado assumiu o papel de agente econômico preponderante, desempenhando funções de produtor, fomentador e regulador da economia. Inicialmente, coube ao governo a tarefa de gerar meios de financiamento para o esforço de industrialização, seja através de poupança própria, seja por meio da gestão de transferências de renda. Em uma segunda etapa, o processo continuou com empréstimos concedidos pelos bancos comerciais, que estavam interessados em reciclar seus petrodólares. Esse modelo de desenvolvimento permitiu que os principais países latino-americanos atingissem um razoável grau de industrialização durante a década de 50. Após a substituição de bens de consumo importados, iniciou-se um processo mais desafiador de industrialização nas áreas de bens intermediários, bens de consumo duráveis e, mais recentemente, bens de capital e insumos básicos. As crescentes e naturais dificuldades desse processo exigiram desses países um modelo cada vez mais fechado, mais concentrado para permitir a obtenção de economias de escala e cada vez mais estatizado. Como resultado, essas economias emergiram na década de 80 com uma notável fragilidade em termos de competitividade internacional. A forte proteção concedida a elas gerou setores industriais pouco eficientes, pesadamente subsidiados e com pouco dinamismo tecnológico. Faltou a elas, essencialmente, o confronto com o mercado. Com a crise da dívida externa, que eclodiu com violência em 1982, essas economias se viram forçadas a fazer fortes ajustes para continuar servindo sua dívida externa. E esses países, que seguiram as recomendações da Cepal, agora estão imersos em profundos processos recessivos. Por outro lado, a partir do início da década de 70, surgiu uma nova ortodoxia, baseada na experiência dos "tigres asiáticos". A abertura da economia para o exterior, o respeito às regras do mercado livre e a ênfase na iniciativa privada foram os pilares desse novo modelo de desenvolvimento. O sucesso foi evidente em economias como Japão, Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia, que apresentaram nas últimas décadas taxas de crescimento substancialmente mais elevadas do que as economias latino-americanas e conseguiram rapidamente superar o PIB per capita daqueles que optaram pelo caminho do mercado interno. É importante observar que alguns países, como o Brasil, adotaram estratégias mistas entre o modelo de substituição de importações e o modelo exportador. No entanto, é inegável que a intervenção pública não foi uma das diferenças mais perceptíveis entre os dois modelos de crescimento analisados aqui. Também é preciso reconhecer que, nos países do Pacífico, todas as medidas de política econômica passaram sempre pelo teste do mercado externo. Que lições podemos tirar desta breve análise desses dois padrões de desenvolvimento? É notável que a fase de substituição de importações, com maior ênfase no mercado interno e caracterizada pela presença indispensável do governo, é um estágio pelo qual passaram todos os países de renda mais elevada entre os países em desenvolvimento, com maior ou menor precisão. Nesse sentido, não se pode negar a importância do intervencionismo estatal e da promoção da substituição de importações nos países de baixa renda que ainda precisam iniciar o processo de transformação estrutural. Por outro lado, é preciso admitir que, uma vez vencida essa etapa inicial, os países latino-americanos seguiram com uma política de crescimento que se esgotou rapidamente, enquanto as economias asiáticas exportadoras de manufaturados demonstraram a flexibilidade e a capacidade de adaptação que as levaram a atingir taxas de crescimento econômico impressionantes. Não há uma receita única, infelizmente, para o desenvolvimento. Liberalização, privatização e orientação para o exterior são medidas urgentes e essenciais para países como o Brasil, Argentina, México, Venezuela, Turquia, Grécia e outros que já atingiram um nível mínimo de industrialização. Nesses casos, a concorrência e a redução do papel do Estado, abrindo espaço para a iniciativa privada liderar uma nova onda de crescimento econômico, são o único caminho para evitar a estagnação crônica que afeta os países que se recusam a evoluir para um novo estágio de crescimento. No entanto, para aqueles que ainda estão profundamente subdesenvolvidos, o modelo intervencionista de substituição de importações ainda oferece as melhores perspectivas. Não é mais, contudo, o caso do Brasil. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (2/4)

    A enorme diversidade nas estruturas econômicas dos países do Terceiro Mundo dificulta qualquer raciocínio unificado sobre as condições necessárias para o desenvolvimento. No entanto, há um condicionante fundamental para o crescimento de todas as nações subdesenvolvidas. Neste segundo artigo sobre modelos de desenvolvimento, abordaremos o impacto das economias industrializadas nos países pobres. O que esperar dos países desenvolvidos O PIB das economias desenvolvidas, excluindo a União Soviética e alguns outros países socialistas, equivale a cerca de quatro vezes o valor total do PIB das nações em desenvolvimento - cerca de US$ 2.500 bilhões contra US$ 10.000 bilhões. Com tamanha importância na geração global de bens e serviços, as políticas econômicas adotadas nos países industrializados tornam-se fundamentais para o crescimento dos países pobres. A inter-relação entre desenvolvidos e subdesenvolvidos ocorre por meio de dois canais principais - comércio internacional e poupança externa. Na medida em que a evolução destes dois fluxos dependa do crescimento econômico nos países ricos, também o desenvolvimento econômico nos países pobres estará intimamente ligado à performance das principais economias da Europa, do Japão e dos EUA. Neste sentido, a manutenção do crescimento econômico das economias industrializadas de alta renda é condição necessária para qualquer esforço de intensificação do crescimento econômico nas nações em desenvolvimento. Entre 1965 e 1973, a média anual de crescimento dos países industrializados de mercado foi de 4,7% ao ano; entre 1973 e 1980 caiu para 2,8%. Em 1984 houve uma expansão de 4,6%, mas logo em seguida retornou ao padrão dos últimos 15 anos, de 2,8% em 1985 e 2,5% em 1986. Neste período, também a taxa média de crescimento anual dos países do Terceiro Mundo caiu de 6,5% entre 1965 e 1973 para 5,4% entre 1973 e 1980. Em 1984 o crescimento médio atingiu 5,1%, caindo em 1985 e 1986 para 4,8% e 4,2%. Nota-se assim uma forte correlação nas tendências de crescimento, evidenciando as ligações existentes entre as economias ricas e pobres do mundo. Aproximadamente dois terços das exportações dos países em desenvolvimento vão para as economias industrializadas, ao passo que cerca de 70% das exportações dos países ricos vão para eles próprios. A assimetria é evidente. Os países em desenvolvimento dependem essencialmente das importações dos países industrializados, enquanto estes últimos embarcam apenas cerca de 25% do total de suas exportações para os países pobres. A partir de meados da década de 70, houve um enorme retrocesso na tendência mundial de liberalização do comércio internacional iniciada após a 2a Guerra Mundial. Os acordos internacionais de redução tarifária não abrangeram produtos agrícolas e bens industriais exportados pelos países em desenvolvimento com a mesma intensidade com que atingiram a pauta de exportações dos países industrializados. E a recessão mundial de 1974-75 iniciou uma nova onda protecionista nos países industrializados, implicando o uso de novos instrumentos como controles de preços, controles de qualidade, limitações "voluntárias" e outros tipos de restrições. O importante a ser enfatizado, contudo, é que este movimento neo-protecionista atingiu mais fortemente os países em desenvolvimento e particularmente a América Latina. Em 1984 quase 21% das importações dos países industrializados oriundas de países do Terceiro Mundo estavam sujeitas a restrições não-tarifárias, contra apenas 11,3% dos produtos dos países ricos. Há algumas exigências básicas para que o crescimento econômico nos países pobres possa ser sustentado: a) um crescimento médio nas economias industrializadas de pelo menos 3% ao ano; b) maior abertura nos mercados dos países industrializados para mercadorias dos países em desenvolvimento, principalmente pela redução do protecionismo, velado ou explícito; c) maior estabilidade nas taxas de câmbio das moedas dos países desenvolvidos. É consenso que para a obtenção desses objetivos, importantes não apenas para a estabilidade nos países desenvolvidos mas também para impulsionar o crescimento econômico dos países pobres, os EUA reequilibrem sua política fiscal vis-a-vis sua política monetária, reduzindo sua demanda interna e consequentemente seus déficits fiscal e comercial. Por outro lado, caberia aos países mais dinâmicos, como a Alemanha e o Japão, expandir suas economias de forma a manter a meta de um crescimento médio mínimo de 3% ao ano. O crash de 1987 das principais Bolsas do mundo foi um primeiro alerta para a urgência de medidas corretivas nos EUA. A reação do governo norte-americano no sentido de expandir rapidamente a liquidez da economia - e com isso evitar o erro cometido em 1929, quando houve um movimento inverso que reforçou a recessão - poderá evitar a presença de um desaquecimento ainda mais forte da economia mundial. Por outro lado, esta opção implicará, provavelmente, o abandono do dólar, com todos os inconvenientes que acarretará. No próximo artigo, serão apontadas as diferenças fundamentais entre o ajustamento dos países altamente endividados e o dos exportadores de manufaturados às novas condições da economia internacional. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (3/4)

    Como vimos no domingo passado, o desempenho das economias industrializadas afeta significativamente o crescimento dos países em desenvolvimento. No entanto, é na definição de uma estratégia interna que encontramos os fatores condicionantes mais importantes para o crescimento. Neste terceiro artigo sobre modelos de desenvolvimento, apontaremos diferenças significativas no ajuste às novas condições da economia internacional observadas entre os países do terceiro mundo que exportam manufaturados e estão altamente endividados. Os primeiros têm suas exportações mais diversificadas, com apenas metade delas direcionada para os países desenvolvidos. Os países endividados, por outro lado, concentram mais de 70% de suas exportações nesses mercados. Eles são forçados a gerar altos superávits comerciais em moedas fortes devido às remessas de juros a que estão submetidos, o que os torna ainda mais dependentes dos mercados dos países desenvolvidos. No entanto, o impacto mais significativo da questão do endividamento está relacionado com o potencial de crescimento das economias do terceiro mundo. Os países em desenvolvimento que exportam manufaturados mantiveram uma média de crescimento de 7,4% entre 1965/73 e de 6% entre 1973/80 (em comparação com 6,5% e 5,4% na média de todos os países em desenvolvimento). Os países endividados registraram taxas de crescimento de 6,9% e 5,4%, respectivamente, próximas, portanto, da média global dos países pobres. No entanto, a partir de 1982, com a crise de liquidez internacional, os grandes exportadores mantiveram uma taxa de crescimento média de 6,3%, enquanto os países endividados registraram apenas 0,75% de crescimento. Sem dúvida, o ajuste externo ao qual os países endividados foram submetidos foi severo. Os anos 80 já são chamados de "década perdida" em termos de crescimento econômico, e para países e populações atormentados pela pobreza, e às vezes pela miséria, o desperdício de uma década inteira se torna um fator de frustração e revolta, com consequências sociais e políticas imprevisíveis. A crise do endividamento externo é um fato incontestável. Entre 1970 e 1985, o serviço da dívida pública externa como percentagem do Produto Nacional Bruto dos países em desenvolvimento aumentou de 1,5% para 4,3%. Especificamente para os países mais endividados, esses números foram de 1,6% para 5,1%, respectivamente, enquanto para os exportadores de manufaturados, aumentou de 1,2% para apenas 2,7%. A situação se torna ainda mais angustiante quando se considera a dívida privada. O impacto da crise do endividamento forçou os países devedores a uma forte contração em seus investimentos. Com a falta de novos ingressos de recursos externos desde o início da década, esses países se tornaram exportadores líquidos de capital da noite para o dia, o que teve efeitos negativos na oferta de poupança e, portanto, nas taxas de formação de capital e no crescimento econômico. Os dados até 1985 mostram grandes quedas nas taxas de investimento e de poupança externa para a maioria dos países em desenvolvimento. Essa tendência certamente continuou piorando. Nesse sentido, é crucial que os países desenvolvidos se esforcem para evitar que as taxas de juros reais externos atinjam níveis superiores ao teto histórico de 3%. Além disso, é fundamental reiniciar os fluxos de capital de empréstimo e de risco, que sofreram uma interrupção abrupta na década de 80, para aliviar o estrangulamento externo que afeta grande parte das economias em desenvolvimento. No entanto, podemos nos perguntar se todos os males e contradições que afligem os países subdesenvolvidos têm origem no comportamento das nações industrializadas. O subdesenvolvimento é necessariamente a contrapartida do desenvolvimento dos países industrializados? Serão as economias em desenvolvimento vítimas de um sistema econômico inerentemente perverso? Aceitar tais interpretações da história equivaleria a um determinismo injustificado e, ao mesmo tempo, eximiria as elites dos países pobres de qualquer dose de incompetência e falta de visão que não podem ser facilmente descartadas. Na realidade, uma análise dos padrões de casamento de alguns grupos de países em desenvolvimento mostra claramente que os modelos adotados são distintos, refletindo escolhas deliberadas na determinação de suas políticas econômicas, um tema que será abordado na próxima semana. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (1/4)

    O "Monitor" de hoje e das próximas três semanas foram extraídos de um "paper" que apresentei no 2º Encontro de Lisboa, realizado nos dias 7 e 8 de maio. Patrocinado pelo Partido Social Democrata português e pela Fundação Friedrich Naumann, o segundo "Lisboa Meeting" teve a participação de líderes políticos liberais de mais de 30 países, inclusive do primeiro-ministro Cavaco Silva, de Portugal, e do ministro da Economia da Alemanha, Martin Bangemann. O principal objetivo dessas reuniões é discutir a cooperação econômica internacional e, particularmente, o desenvolvimento econômico nos países do Terceiro Mundo. O texto que se segue é parte de uma tentativa de avaliar o "modelo da Cepal" versus o "modelo asiático", ou seja, a substituição de importações versus exportações, o mercado interno versus o externo, o intervencionismo estatal versus a liberalização de economia. Falar sobre países em desenvolvimento no mundo de hoje implica generalizações nem sempre justificáveis. Este exercício é dificultado pelas enormes variações observadas nos critérios usualmente aceitos como indicadores de progresso econômico. China e Índia, os dois maiores contingentes populacionais do mundo, tiveram em 1985 uma renda per capita anual de US$ 290; a Etiópia não conseguiu ultrapassar US$ 110. Numa posição intermediária situam-se países como o Peru (US$ 1.285), Colômbia (US$ 1.320) e Síria (US$ 1.560), seguidos num intervalo superior de Brasil (US$ 1.640), Malásia (US$ 1.288), Portugal (US$ 1.970), Venezuela (US$ 3.080) e Grécia (US$ 3.550). Finalmente, no topo da pirâmide das nações em desenvolvimento situam-se Israel (US$ 4.990), Hong Kong (US$ 6.230) e Cingapura (US$ 7.420), não se incluindo os exportadores de petróleo de alta renda. Tamanha disparidade em suas rendas per capita, que atingem proporções de 70 para 1 (Cingapura é Etiópia), mostra-se ainda mais intensa que a proporção entre o PIB de países em desenvolvimento de renda média, cerca de US$ 1.300, e o da média das economias industriais de mercado, US$ 11.810. Mesmo tomando-se o caso dos EUA, cuja renda per capita foi, ainda em 1985, de US$ 16.690, a relação frente à média dos países em desenvolvimento não atinge 13 para 1. Tais discrepâncias entre países em desenvolvimento tornam-se ainda mais graves quando são levados em consideração indicadores de distribuição de renda. As disparidades de renda per capita transformam-se em brutais diferenças no bem-estar da população, quando considerado que entre os países em desenvolvimento os 10% mais ricos da população têm sempre uma participação na renda superior a 30%, ao passo que a participação dos 20% mais pobres não supera 7% dos rendimentos. A renda dos 20% mais ricos frequentemente é seis ou sete vezes maior do que a dos 20% mais pobres, atingindo extremos como no Brasil e Costa do Marfim, onde este indicador de desigualdade chega próximo de 30 (33 e 25, respectivamente). A título de comparação, entre as economias industriais de mercado, o maior valor obtido, segundo os dados do Banco Mundial, foi 8,7, verificado na Austrália e na Nova Zelândia. Nos EUA atinge 7,5, na Suécia 5,6 e no Japão e Holanda 4,3. Das discrepâncias de renda, agravadas com as disparidades distributivas, resultam enormes variações nos indicadores sociais. Na escala inferior dos países em desenvolvimento a expectativa de vida é de cerca de 50 anos (Butão 44, Etiópia 45, Paquistão e Bangladesh 51), ao passo que no intervalo superior, vários países superam 70 anos, índice semelhante ao das economias industriais de mercado, de 76 anos em média (Brasil 65, México 67, Argentina 70, Uruguai 72 e Portugal 74). Nos países mais pobres o número de matrículas na educação secundária é de 32% do grupo etário apropriado (Etiópia 12%, Birmânia 24%, Índia 34% e Zaire 57%); nos países em desenvolvimento de renda média chega a 56% em média (Brasil 35%, Portugal 47%, México 55%, Grécia 82%). Nas economias industriais de mercado este índice atinge 90%. O consumo de energia per capita equivalente em quilos de carvão por ano é de 692 kg no Equador e de 3.029 kg na Venezuela. Apenas 50% da população mexicana dispõem de água encanada, enquanto que no Uruguai chegam a 81%. Em resumo, as disparidades são tantas entre os países subdesenvolvidos que torna-se difícil abordar o problema do crescimento e do desenvolvimento econômico de modo uniforme. Existem ainda as diferenças geográficas, culturais e a própria evolução histórica de cada sociedade. Como analisar conjuntamente a América Latina, onde vários países tinham em 1960 uma renda per capita superior à do Japão e de vários países europeus, com países da África que nunca superaram a mais estrita miséria? A Argentina teve nas primeiras décadas deste século uma renda per capita equivalente à da França. Hoje é inferior à da Espanha e da Grécia e equivalente à da Coréia. Em 1960, Uruguai e Venezuela superaram a Itália, a Espanha e o Japão em suas rendas per capita; a da Argentina era três vezes maior do que a da Coréia, e a do Chile era próxima à da Espanha e superior à de Portugal e Grécia. Mas em 1985, as maiores rendas per capita da América Latina não atingiam US$ 2.800, enquanto que a da Coréia saltou para US$ 2.648, a do Japão para US$ 7.130, a da Itália para US$ 4.808, a da Espanha para US$ 4.336, a da Cingapura para US$ 5.000 e a de Formosa para US$ 3.160. Notam-se, portanto, descontinuidades profundas na evolução econômica dos países em desenvolvimento. A tendência à estagnação de vários países como é o caso de algumas nações africanas da Ásia e da América Latina - contrasta com a meteórica explosão de crescimento verificado no Japão e em outros países da Ásia como Cingapura, Coréia, Taiwan e Hong Kong. No meio, encontram-se os casos latino-americanos de economias que mostraram dinamismo até o final da década de 60, mas que, com a possível e ainda incerta exceção do Brasil, convivem nos últimos 20 anos com uma estagnação econômica que ameaça tornar-se crônica e cada vez mais difícil de ser superada. Frente a tanta diversidade, como apontar o caminho para o desenvolvimento econômico? MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A volta da síndrome do congelamento

    Poucas iniciativas do governo Sarney têm resistido a um acelerado processo de desgaste e de perda de credibilidade, principalmente após o fracasso do Plano Cruzado. Parecia, contudo, que o destino da equipe econômica Mailson-Abreu poderia ser diferente. Ao longo dos últimos seis meses, foram tomadas importantes e corajosas medidas de contenção dos gastos públicos, identificados como o principal foco de pressões inflacionárias; as relações com a comunidade financeira internacional foram pacificadas; iniciou-se uma reflexão sobre a liberalização da economia com a adoção, ainda que incipiente, de algumas reformas. Mais importante ainda, a inflação não percorreu a trajetória explosiva que muitos previam. E tudo isso, sem um mergulho contracionista mais profundo do que o vivido no ano passado. Nesta situação, o pior que poderia ocorrer seria a volta da síndrome do congelamento. Inúmeras vezes, o ministro da Fazenda tem declarado não acreditar na eficácia de um novo choque se a causa fundamental da inflação - leia-se déficit público - não estiver sob controle. Mais do que nunca, o atual governo tem dado respaldo às medidas de austeridade dos ministros da área econômica. E pela primeira vez em quase dois anos, as expectativas pareciam estabilizadas. Até ontem. Não há como neutralizar os rumores de choque com meras negativas. Uma ameaça de renúncia poderia ser um argumento suficientemente forte para convencer. O certo, contudo, é que a saída do ministro da Fazenda não interessa a ninguém, ao menos aos bem-intencionados. A política econômica era a única coisa que parecia estar querendo começar a dar certo. Alguém não gostou e quer estragar tudo.

  • A conjuntura no segundo semestre

    A inflação ao longo do ano de 1988 deverá ficar entre 16% e 20% ao mês, contrariando as expectativas pessimistas que predominavam no início do ano. O temor de uma escalada inflacionária encontrou respaldo nos primeiros meses do ano, quando a taxa de aumento dos preços saltou de cerca de 9% em outubro para quase 18% em fevereiro. Em apenas quatro meses, a inflação dobrou de patamar. Nos quatro meses subsequentes, no entanto, ela se estabilizou em torno de 19,5%, apenas cerca de dois e meio pontos percentuais acima, dissipando rapidamente a ameaça de uma espiral inflacionária ascendente. Essa relativa estabilização da inflação se tornou possível graças aos esforços para conter os gastos públicos, resultando em um arrefecimento da atividade econômica em geral. As projeções oficiais em relação ao crescimento da produção indicam que 1988 será um ano de estagnação para o PIB brasileiro, uma situação preocupante considerando os níveis de pobreza em grande parte da população e o crescimento populacional superior a 2% ao ano. Isso implica em uma queda na renda per capita, mas ainda assim, o esforço de contenção imposto pelo governo está longe de corresponder à recessão severa dos anos de 1981 e 1983. Entre janeiro de 1981 e fevereiro de 1982, o índice de produção industrial do IBGE caiu 20%. Houve outra queda em 1983, embora menos pronunciada, chegando a cerca de 6%. Durante esse período, a taxa de desemprego medida pelo IBGE aumentou de 7,6% em janeiro de 1981 para mais de 9% no início de 1982. Em meados de 1984, estava em torno de 8%. No momento, o arrefecimento da economia não passa de uma contração. A taxa de desemprego está aumentando em 1988, mas ainda está abaixo de 5%. Nos primeiros cinco meses do ano, a produção industrial recuou cerca de 6% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Portanto, não se compara à gravidade da recessão dos anos 1981-1983. Em termos gerais, o plano de estabilização liderado por Mailson/Abreu já foi implementado. O congelamento da URP para os funcionários públicos, as restrições de crédito impostas a estados, municípios e empresas estatais, bem como as fortes contenções nos gastos do setor público federal já tiveram impacto na demanda. Na verdade, um início de recuperação observado nos meses de março e abril foi adiado devido a essas medidas de austeridade. Apesar da expansão da renda no setor agrícola e nas exportações, o primeiro semestre do ano termina com uma conjuntura morna, sem impulso de crescimento. A questão que se coloca é o que esperar do segundo semestre. Com a inflação estabilizada e o governo cumprindo seus planos de contenção de gastos, é provável que a segunda metade do ano marque o início de uma recuperação. Os principais ajustes na demanda interna já foram realizados e, com a retomada dos pagamentos da URP aos funcionários públicos, 1988 pode terminar com um pequeno avanço em relação ao ano anterior. O ponto crucial agora é manter a consistência da atual política econômica. Os maiores riscos não estão em uma nova fase de contração, mas sim em uma aceleração da inflação, que certamente ocorrerá se o governo não puder ou não quiser cumprir o que planeja fazer. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Correias transmissoras da inflação

    Os rumores acerca de um novo congelamento de preços trazem à baila, mais uma vez, a questão da oportunidade e da eficácia daquela estratégia antiinflacionária. O governo teme que a expectativa de um iminente congelamento desestabilize a inflação a curto prazo, precipitando assim um novo surto altista nos preços. Se isso ocorrer, a medida poderá se tornar inevitável, ainda que dentro de um contexto de absoluta incredulidade quanto a seus resultados. O retorno da síndrome do congelamento apenas confirma que o diagnóstico inercialista quanto às causas da inflação brasileira ainda encontra respaldo nos fatos. Após o início da fase de flexibilização de preços instituída pelo Plano Bresser, a inflação caminhou rapidamente para o patamar atual de 16% a 20% mensais, onde se encontra - sem fortes indícios de alteração - nos últimos seis meses. Também as taxas de inflação por grupos de produtos e pelas regiões metropolitanas onde são coletados os preços mostram que a dispersão em torno da média geral IPC está diminuindo. De fato, fica fortalecida a hipótese da atual inercialidade inflacionária. Feito esse diagnóstico, é correto concluir que um novo congelamento, seguido de medidas orientadas para demonstrar os mecanismos de indexação da economia, poderia dar certo? O conceito da inércia inflacionária implica na existência de uma inflação relativamente neutra quanto aos seus efeitos distributivos. Isso significa dizer que os agentes econômicos disporiam de mecanismos de defesa capazes de lhes permitir conviver com os aumentos de preços. Em outras palavras, teriam o poder de repassar custos, transmitindo ao restante da economia tanto a inflação passada quanto suas expectativas acerca da inflação futura. Mas, se o agente econômico não tem este poder, a transferência não se realiza. Nesse caso, a inflação inercial cessa. O congelamento de preços é uma forma de seccionar essa correia transmissora da inflação; outra, é a resistência do mercado em aceitar preços mais elevados, no caso de setores mais competitivos, onde não haja poder monopolístico. Quando o mercado não sanciona as elevações de preços, a inflação acarreta efeitos redistributivos imediatos no agente que teve sua tentativa de repasse frustrada. No caso do congelamento, as perdas são absorvidas pelos setores com preços defasados, mas como ele nunca é permanente, o mecanismo inflacionário se recompõe. Cabe observar que, no caso inercial, as pressões inflacionárias são acumuladas, jogando as taxas de elevação de preços para patamares mais altos; no caso da impossibilidade de repasse, as tensões inflacionárias são anuladas, ou amortecidas, pelos impactos distributivos que acarretam. Feitas estas observações, pode-se retornar à questão da oportunidade de um novo congelamento. A conclusão é negativa. Em primeiro lugar - e nisso insistem as autoridades econômicas - ainda não estão debeladas algumas das principais causas realimentadoras da inflação, principalmente o déficit público. Nestas circunstâncias, após um período de preços constantes, a inflação retornaria rapidamente a seu patamar anterior. Em segundo lugar, na medida em que não se combata a essência da indexação, que inclui o poder monopolístico dos agentes econômicos, os fatores inflacionários estruturais, permanentes ou resultantes de choques exógenos, não seriam anulados, mas sim acumulados. Nesse sentido, para uma política antiinflacionária duradoura, não basta congelar preços, nem mesmo se as pressões inflacionárias estruturais estiverem sob controle, pois novos choques poderão ocorrer inadvertidamente. O combate à inflação brasileira exigirá um conjunto de medidas que ataque não apenas suas causas - como o déficit público - mas que também destrua as correias transmissoras. Não se trata apenas de desindexar a economia, mas também de introduzir reformas que a tornem menos concentrada, mais aberta e mais competitiva. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Depois do acerto externo

    O acordo celebrado com os bancos credores internacionais acabou seguindo as linhas da ortodoxia verificadas em outros processos de renegociação. O país retoma o pagamento integral dos juros, e o principal é rolado a longo prazo. Dentro desses parâmetros básicos, foram obtidas algumas condições mais favoráveis, como redução dos "spreads", desembolsos semestrais, alongamento de prazos e maior autonomia com relação aos relatórios de acompanhamento do FMI. Não houve, contudo, alterações estruturais. Uma renegociação como esta tem implicações distintas hoje daquelas que teria por ocasião da decretação da moratória. Essa diferença é fundamental para uma correta avaliação do acordo. No final de 1986, quando os saldos comerciais do Brasil haviam sofrido severa deterioração, um compromisso que implicasse a retomada do pagamento dos juros da dívida externa seria inviável. Isso exigiria uma severa recessão interna, como a que ocorreu no período 1981-83. Isso aconteceria porque teria sido necessário expandir o saldo comercial a taxas significativamente mais elevadas do que o crescimento da demanda interna. Somente assim seria possível ajustar novamente o saldo comercial ao serviço da dívida. Dada a urgência dos pagamentos dos juros, o crescimento do PIB teria que ser negativo, com a absorção externa crescendo relativamente à absorção interna do produto. A moratória permitiu, de fato, que o ajuste fosse feito dentro de condições mais favoráveis. Os custos para o país foram elevados em termos de fluxos futuros de investimentos externos, de perdas de linhas de crédito e de juros de curto prazo mais altos. No entanto, uma recessão foi evitada. O PIB cresceu em 1987, embora a taxas consideradas baixas em relação às médias históricas. No momento, em meados de 1988, quando o ajuste externo já está concluído, o mesmo acordo não tem as mesmas implicações que teria antes. É evidente que qualquer tentativa de fazer com que a absorção interna cresça mais rapidamente que o crescimento do produto - com o intuito de recuperar as perdas ocorridas durante a fase de ajustamento - apenas resultará em novo estrangulamento externo em futuro próximo. No entanto, torna-se possível agora que a demanda interna cresça, desde que os saldos comerciais sejam mantidos constantes. Como a taxa de crescimento da absorção externa pode agora ser nula, abre-se espaço para a recuperação dos gastos domésticos. Neste sentido, o acordo com os credores não implicará políticas recessivas. Pelo contrário, permitirá até uma recuperação interna, desde que as exportações continuem crescendo, desde que contrabalançadas pela expansão das importações. Neste sentido, qualquer continuidade da política contracionista do governo deve ser debitada à estratégia antiinflacionária, e não ao ajuste externo, que já está concluído. É lógico que o Brasil continuará a remeter recursos ao exterior por conta do endividamento externo, e que se isto não ocorresse, a taxa de formação de capital, e consequentemente o crescimento da economia, seriam mais elevados. Como, porém, ela existe, o caminho agora é estabilizar internamente a economia, permitindo a recuperação dos investimentos pelo crescimento da poupança interna e, futuramente, criando condições para que o saldo comercial possa até ser reduzido, a partir de estímulos à entrada de recursos estrangeiros. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Calma e moderação

    O episódio da inflação de julho, que alcançou 24%, criou uma enorme comoção. Surgem as mais disparatadas previsões acerca da inflação dos próximos meses, desestabilizando ainda mais fortemente uma situação que já é bastante delicada. Neste clima de incerteza, angústia e falta de confiança, o presidente Sarney mais uma vez não corresponde à importância de seu cargo, faltando com o imprescindível apoio à equipe econômica de seu governo. E, ainda mais preocupante, começam a surgir propostas de todos os lados. Reduções, congelamentos, otimização, reformas monetárias e tudo mais. Querem convencer o presidente a tentar mais uma vez fórmulas falidas, ao invés de criarem condições propícias para que a única estratégia de estabilização ainda não experimentada em toda sua plenitude surta seus primeiros efeitos - a estratégia da austeridade, a do "arroz com feijão". Ao invés de vir a público, e com redobrado rigor e determinação, garantir a continuidade e até o aprofundamento da atual política, o presidente se recolhe, permitindo o alastramento dos mais absurdos rumores acerca da política econômica. A economia está como aquele doente que, embora não siga com rigor as recomendações prescritas, se impacienta com a demora de cura, perde confiança no tratamento médico e passa a se auto-medicar; toma sedativos que encobrem os verdadeiros males e passa a se benzer em vários terreiros. A crise inflacionária vem acumulando novas forças desde o último trimestre do ano passado. Os leitores desta coluna devem recordar que, naquela ocasião, alertávamos sobre os efeitos das derrotas do então ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira em suas tentativas de impedir as exageradas recomposições salariais no setor público. Em dezembro, o ministro foi impedido de impor um ajuste fiscal, nem teve êxito em dar início a um efetivo processo de desestatização / privatização / reforma administrativa. Simultaneamente, também o setor privado passou a conceder reajustes salariais que, de certa forma, recriavam as condições que levaram à derrocada final do Plano Cruzado - uma demanda inconsistente com a capacidade de expansão de oferta. Nota-se, agora, que os empresários estão propondo novas recomposições de salários. Só resta esperar que não tentem repassá-los a preços, e que aceitem reduções em seus lucros. Do ponto de vista conjuntural, a liberalização e privatização imediatas da economia seriam um fato fundamental de reversão de expectativas. Qualquer tentativa de aplicação de redutores será desastrosa. O câmbio ficará atrasado, neutralizando pela segunda vez o penoso ajuste externo já completado; o déficit público aumentará pela compressão das tarifas; e finalmente, o descasamento entre a inflação e a correção monetária será a senha para a perda de confiança quase-moeda (títulos públicos de giro diário), gerando uma corrida para ativos reais, e levando à hiperinflação. Considerando-se riscos e benefícios, seria melhor o congelamento total do que a aplicação do redutor - antes um placebo do que o risco de uma mistura altamente tóxica. O ministro Mailson - embora sem penduricalhos heterodoxos - retomou as propostas de política econômica interna de Bresser. Iniciou o ajuste fiscal pela contenção de gastos; inicia agora uma maior contenção monetária. Ao que parece, contudo, terá de enfrentar dificuldades crescentes para iniciar um radical processo de enxugamento do setor público. Sufocá-lo com cortes indiscriminados de recursos - principalmente as estatais - retirando-lhes as condições de investir e aumentar a produtividade, não é o caminho para combater o déficit público. Possivelmente o agravará, a médio e longo prazos. O fundamental é que se reduza o âmbito das atividades públicas de forma cirúrgica, canalizando recursos para as atividades típicas do governo, hoje negligenciadas e focos de brutal ineficiência. Finalmente, é hora de uma reavaliação crítica da indexação salarial. Há muito que a URP deveria ter sido extinta, pois está ficando cada vez mais claro que seus efeitos inflacionários são ainda mais potentes que o finado "gatilho". Não procede a afirmação de que isso prejudicaria os salários, pois as evidências mostram que a economia não está em recessão, e os salários médios não estão comprimidos. Não há mais motivo para esperar para tomar esta providência. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Dívida e investimentos

    A atual situação econômica brasileira revela contrastes e contradições. A inflação está claramente aumentando para um novo patamar. Sai do nível de cerca de 18% dos últimos meses para uma provável faixa de cerca de 22%. Ao mesmo tempo, a produção está praticamente estagnada, retornando a um crescimento zero após vários meses de declínio acentuado. As taxas de emprego da mão-de-obra não acompanham, na mesma medida, o arrefecimento do nível de atividade econômica, mostrando-se mais estáveis do que seria esperado. Além disso, as empresas, nos setores produtivo e financeiro, estão demonstrando recuperação em suas taxas de rentabilidade durante o primeiro semestre de 1988. Estamos vivendo uma situação de quase pleno emprego com baixo crescimento e fortes pressões inflacionárias. Enquanto as exportações estão crescendo vigorosamente, as importações seguem um ritmo lento, resultando em saldos comerciais volumosos que não são revertidos para o financiamento da formação de capital. Simultaneamente, à medida que o poder aquisitivo da população começa a fortalecer a demanda interna - como evidenciado pela evolução dos salários reais e da atividade comercial - o setor produtivo ainda está longe de retomar um movimento de expansão de sua capacidade. Este quadro mostra uma economia que opera próxima dos limites de seu potencial, mas que ainda não encontra respaldo para aumentar sua taxa de investimento. Em outras palavras, a economia brasileira percebe que sua dinâmica natural de crescimento vem sendo tolhida pela incerteza que sufoca a expansão dos investimentos. O setor privado gera excedentes que são canalizados para o exterior - remessas de lucros e juros - ou então para o financiamento do déficit público. Em ambos os casos, os excedentes são captados pelo governo e acumulados na dívida pública interna. As duas variáveis-chave da economia brasileira nas quais repercutem os demais fenômenos conjunturais são, portanto, a taxa de investimento e a dívida interna. Uma avaliação de como elas se comportam indicará o aprofundamento ou a superação dos atuais impasses. Da mesma forma, o equacionamento das dificuldades enfrentadas pelo país dependerá do impacto da política econômica nessas duas métricas. A taxa de investimento caiu gradualmente de 24% do PIB em meados da década passada para cerca de 17% nos últimos anos. Como a expansão da oferta agregada vem sendo tolhida pelos baixos investimentos, o governo será forçado a conter o crescimento da demanda interna, uma vez que não pode permitir que os saldos comerciais sejam reduzidos. Isso resultará em pressões inflacionárias persistentes, agravadas pela forte indexação existente. A dívida mobiliária interna atingiu 1 Cz$ 10 trilhões em maio, dos quais Cz$ 6 trilhões estão no Banco Central. Cresceu 200% nos seis meses anteriores, em comparação com uma inflação de 155% no mesmo período. Em termos reais, aumentou, portanto, quase 20% em um semestre. Enquanto o setor público continuar sendo um ávido absorvedor de excedentes, a dívida continuará aumentando e os investimentos continuarão escassos. A economia brasileira precisa passar por algumas mudanças significativas para se livrar deste verdadeiro estrangulamento. A primeira medida deve ser a absorção de novos capitais externos para aliviar as pressões na balança comercial. É crucial atrair, em vez de afastar, investidores estrangeiros e abrir, ao invés de fechar, a economia para o exterior. Uma segunda linha de ação deve caminhar no sentido de reduzir as necessidades de captação de recursos financeiros pelo governo. Isso implica em equacionar o fluxo de caixa da dívida interna e reduzir a presença do Estado como empresário, abrindo caminho para mais investimentos privados. A privatização das empresas públicas, ao permitir a conversão da dívida interna em investimentos, pode atingir esse objetivo. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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