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  • A Síndrome do Cone Sul

    O Brasil cresceu em média 8,67% ao ano na década de setenta; nos últimos oito anos, porém, a expansão foi de apenas 2,39%. Isso implica dizer que a renda per capita está estagnada desde 1980, enquanto no decênio anterior ela se expandiu em 6% ao ano. Nos oito últimos anos da década passada, a renda por habitante aumentou quase 60%. Hoje, no entanto, os brasileiros experimentam uma estranha sensação de perda e frustração. A taxa de formação de capital - o principal determinante a curto prazo do crescimento da renda - chegou no último trimestre do ano passado à alarmante marca de 15%, certamente a mais baixa da história econômica recente do Brasil. Apenas dez ou doze anos atrás, investíamos mais de 25% do PIB. O país perdeu a poupança externa, perdeu a poupança do setor público e hoje sofre com a perda da poupança privada devido à fuga de capitais. Essa comparação não é um exercício teórico, mas sim a constatação de duas situações concretas vividas pela população brasileira. A radical transformação de uma conjuntura extremamente positiva para outra de visível privação ocorreu num curtíssimo espaço de tempo. Portanto, é inevitável que comparações sejam feitas e que o sentimento de perda seja intenso. A frustração pode facilmente se transformar em desespero. Exemplos muito próximos, como os da Argentina e do Uruguai, mostram que a estagnação crônica é um processo de difícil superação, uma vez enraizado na estrutura econômica e social de uma nação. São dois casos verdadeiramente deprimentes, e que parecem estar tragicamente se reproduzindo em outras economias da América Latina. As imensas dificuldades enfrentadas pelo Peru - infelizmente agravadas pelo populismo irresponsável de seu governo e pela explosão de violência ocorrida na Venezuela em protesto à deterioração das condições de sua economia - são eloquentes alertas do que poderá acontecer com países como México e Brasil. A eleição presidencial que se aproxima marcará definitivamente o futuro do país. O Brasil não se acha hoje impulsionado por uma tendência de longo prazo que, se existisse, definiria inexoravelmente os grandes rumos de sua economia, independentemente da vontade do governo. Acha-se solto, indefinido, sem perspectivas concretas. Assim, a eleição não será apenas uma escolha para definir um estilo de gestão, ajustes na distribuição de renda ou opções de crescimento setorial e regional. Esta eleição será diferente. Caberá ao presidente eleito definir um projeto para o país, colocando-o numa nova dinâmica histórica. Será um período de construção de novas fundações e não de acabamentos. Quem melhor compreendeu esta realidade foi Jânio Quadros, ao acenar, ainda que muito primitivamente, com a marcha para o oeste. Todos os demais candidatos, e candidatos a candidatos, estão sendo movidos apenas pelas contingências da presente conjuntura. O país precisa escolher um projeto. Mas onde estão as opções? A única que se vislumbra com clareza e dramaticidade é a Síndrome do Cone Sul, que já ameaça contaminar o restante de nosso desafortunado subcontinente. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Déficit mostra apenas um bom presságio

    Os resultados da execução financeira do Tesouro Nacional em janeiro, anunciados ontem, mostram um desempenho favorável no que diz respeito aos esforços de contenção de gastos. Assim, não se pode deixar de reconhecer o impacto positivo que poderão causar nas expectativas de curto prazo quanto ao andamento da atual estratégia de estabilização. É importante, contudo, apontar a fragilidade dos resultados obtidos. O orçamento fiscal mostrou uma receita disponível líquida de transferências a outras esferas do governo ligeiramente superior à de janeiro do ano passado (+7,2% reais). As liberações ordinárias, que incluem gastos com pessoal e com os custos da dívida pública - itens estruturalmente difíceis de serem comprimidos - chegaram a NCz$ 1.858 milhões, o que superou em quase 30% a entrada de recursos no Tesouro Federal. Assim, o superávit fiscal obtido em janeiro, de NCz$ 61 milhões, deve-se principalmente aos ajustes de caixa que, em valores reais, foram sensivelmente mais favoráveis do que os obtidos no ano passado. Quanto aos resultados do orçamento de crédito, o déficit de janeiro último foi menos da metade do realizado em janeiro de 1988 - NCz$ 145,8 milhões contra NCz$ 402,5 milhões - um desempenho que pode ser atribuído em grande parte à compressão dos financiamentos às exportações, que caíram de NCz$ 107 milhões para NCz$ 10 milhões em termos reais, e sobretudo dos financiamentos rurais e despesas com estoques reguladores e política de preços agrícolas que foram dramaticamente reduzidos de NCz$ 391 milhões em janeiro de 1988 para NCz$ 81,5 milhões. Essas comparações não desmerecem em absoluto os esforços desenvolvidos pelas autoridades econômicas no sentido de não gastar mais do que o Tesouro arrecada. Mas mostram, por outro lado, que os ajustes efetuados não combatem as causas estruturais dos desequilíbrios orçamentários do setor público, como as despesas com pessoal e o custo financeiro da dívida. Aliás, os encargos da dívida mobiliária federal aumentaram significativamente, de NCz$ 264,7 milhões para NCz$ 422,8 milhões em valores reais. Nestas condições, cabe indagar se os resultados favoráveis obtidos em janeiro podem ser interpretados como um encaminhamento de longo prazo para a eliminação das causas estruturais do déficit público brasileiro. Neste ponto, contudo, os resultados apresentados são bem menos animadores. As dificuldades encontradas pelo governo para o redimensionamento do setor público brasileiro, para uma efetiva política de privatização e para os necessários ajustes patrimoniais, sem os quais as pressões para o surgimento de novos desequilíbrios fiscais poderão ser novamente exercidas, continuam presentes e não foram adequadamente abordadas pela administração. Nestas medidas, se bem sucedidas, encontra-se a chave para a consolidação dos resultados anunciados ontem, que, por enquanto, mostram-se apenas como bons presságios, mas nada mais que isso. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), é diretor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e consultor econômico da Folha.

  • Concentração do capital

    Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários, as emissões de ações no ano de 1987 caíram em mais de 70% em relação a 1986. Apenas 14 empresas abriram seu capital no ano passado, e em valores constantes de dezembro último, as emissões de novas ações atingiram apenas Cz$ 80,38 bilhões no ano anterior. Trata-se do pior resultado desde 1979, exceto durante os anos de crescimento econômico negativo em 1981 e 1983. Sem dúvida, o processo de abertura de capital das empresas está intimamente vinculado à performance da economia. Fases de crescimento acelerado favorecem o desenvolvimento dos mercados de capitais, abrindo caminho para a colocação de novas ações no mercado. A retração da economia brasileira e os problemas verificados nas Bolsas de todo o mundo no ano passado explicam, em parte, a enorme queda na emissão de ações. Há, contudo, outras causas, mais profundas, que contribuem para a anemia das Bolsas brasileiras, enfraquecendo, assim, uma clara tendência de pulverização do capital, que se observa nas principais economias do mundo capitalista. No Brasil, os mercados de capitais ainda não cumprem importantes funções como meios de obtenção de liquidez para os aplicadores, ou fontes de recursos para capitalização das empresas. Há pouca credibilidade, a partir da inoperância da legislação reguladora dessas operações, tornando inviável a conversão de rentista em acionista, de crédito em capital de risco, de empresas familiares em companhias abertas. Cabe lembrar ainda que, em parte, a desconfiança do aplicador nas Bolsas de Valores decorre da presença maciça das empresas de capital misto. Tais empresas, operando como monopólios estatais, conseguem, não raro, obter alta lucratividade, transferindo a seus acionistas privados lucros que, em realidade, deveriam pertencer à coletividade. Por outro lado, também não raramente, essas empresas são forçadas a grandes sacrifícios financeiros, seja por serem obrigadas a transferir recursos ao Tesouro ou às demais empresas do Estado, seja por terem seus preços fixados em função de critérios outros que a busca "da eficiência e da rentabilidade. Dessa forma, as oscilações nos preços das ações dessas empresas tendem a refletir as incertezas administrativas e gerenciais que caracterizam a gestão pública, transferindo uma sensação de risco e insegurança excessivos para todos os investidores. O mercado de capitais precisa de liberdade para se desenvolver. Ao mesmo tempo, não pode prescindir de regras de conduta que garantam a lisura das operações. Para coibir abusos, o Estado deve ser duro e inflexível em seu papel fiscalizador, mas deve-se manter ausente dos legítimos mecanismos de formação de preços. Finalmente, monopólios estatais não deveriam ter acionistas privados e, portanto, não deveriam estar nas bolsas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A tarefa de Maílson

    A entrada do Ministro Maílson da Nóbrega no comando da política econômica brasileira reveste-se de importância, na medida em que representa o reconhecimento do fracasso dos planos heterodoxos de estabilização. Reiteradas vezes, o novo ministro já declarou que pretende implementar uma política econômica no estilo "feijão com arroz", sem grandes fórmulas salvadoras, sem misteriosos pacotes, sem grandes enfrentamentos internos ou externos. Isso não significa necessariamente uma política econômica ortodoxa em seus princípios ou conservadora em seus objetivos. Significa apenas que se pretende utilizar um arsenal de instrumentos convencionais. Por outro lado, situar-se apenas pela negativa das linhas de conduta que vinham sendo adotadas anteriormente também tem pouco significado se não for acompanhada de definições de estratégias e de metas claras. É certo que ainda não houve tempo para que o novo ministro delineie suas propostas de ação. Há que se aguardar manifestação dos vários grupos de trabalho que foram criados no Ministério da Fazenda. Contudo, apenas a certeza de que não haverá novos congelamentos ou choques já é um importante passo para a superação da atual crise brasileira. Igualmente significativo é o pragmatismo demonstrado por Maílson da Nóbrega na questão da renegociação externa, que passa a calibrar suas atitudes com base em critérios objetivos e quantificáveis, sem escravizar-se a palavras de ordem já desgastadas pelo insucesso. As primeiras declarações de Maílson da Nóbrega sobre suas intenções de desatar o nó da dívida externa, de incentivar a entrada de capitais externos, de diminuir a presença do Estado na economia e de fazer cumprir o orçamento unificado já são indícios de que pretende introduzir alterações na condução da política econômica. Há, contudo, que atentar para algumas dificuldades. Na renegociação externa, dificilmente o bom-mocismo do ministro facilitará a obtenção de condições vantajosas para o país. De forma alguma o governo deve abdicar dos trunfos de que dispõe, conseguidos a elevados custos. Também não será uma tarefa leve a de reverter as expectativas dos agentes econômicos e convencê-los a ampliar seus investimentos produtivos. A meta de fazer o orçamento unificado não será simples, mormente agora que o presidente ainda negocia seu mandato. O sucesso na contenção dos gastos públicos será certamente o indicador mais importante de que o ministro efetivamente tem as rédeas da política econômica em suas mãos. Redobrado cuidado deve reger o acompanhamento conjuntural da economia brasileira. É verdade que o crescimento industrial no ano de 1987 foi nulo e que a demanda acha-se desaquecida. Contudo, os dados de desemprego e de produção mostram que, comparativamente a 1985, o país cresceu, e os indicadores mostram uma retração apenas com relação a 1986, um ano de evidente excesso de demanda. Nestas condições - agravadas pela crônica retração nos investimentos -, qualquer movimento da retomada do crescimento, embora necessário, deve ser monitorado com grande cautela. Apenas como um exemplo das dificuldades a serem enfrentadas nos próximos meses, cabe salientar que há uma clara tendência de recuperação dos salários reais. Os acordos entre patrões e empregados têm sido favoráveis aos trabalhadores. Começa-se mesmo a falar em correções mensais de salários pela inflação plena, acima, portanto, da URP. Além do mais, mesmo que a inflação se estabilize, os salários serão reajustados compulsoriamente em cerca de 15% a partir de março. Será uma fase de grandes tensões inflacionárias, que o ministro deverá administrar com imprescindível acuidade, sob risco de rápida aceleração inflacionária - isto, sem falar em eventuais choques de oferta. A atual crise é profunda. Apesar do natural dinamismo da economia brasileira, sempre predisposta ao crescimento, a situação vai exigir uma política econômica ativa nos próximos meses. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A continuidade dos desequilíbrios

    A economia brasileira chega ao final do ano de forma bastante diferente da que entrou em 1987. Doze meses antes, o setor produtivo operava a plena capacidade, o país perdia reservas aceleradamente, a absorção interna crescia em função do aumento dos salários reais ocorrido durante o Plano Cruzado, e a inflação mostrava uma alarmante tendência explosiva. Hoje, há capacidade ociosa, os rendimentos do trabalho acham-se comprimidos, as reservas se acumulam com a recuperação dos saldos comerciais, e a inflação mostra uma tendência de estabilização nos próximos meses. Em outras palavras, a economia brasileira passou por um doloroso, porém necessário, ajuste às mazelas cometidas durante o primeiro congelamento de preços. Isso não significa, contudo, que foram recriadas as condições para que o país volte a crescer de forma equilibrada durante 1988. Pelo contrário, o que se nota é que ainda não foram tomadas as medidas necessárias para isso. Apesar de o Brasil ter uma economia com grande dinamismo, sempre pronta para iniciar um processo de expansão, faltam pré-condições para que isso ocorra. Ademais, os mesmos fatores responsáveis pelos desequilíbrios verificados no passado continuam presentes, fazendo com que fases bruscas de expansão e contração possam voltar a ocorrer nos próximos meses. O fator limitante mais significativo para uma fase de expansão confirmada da economia brasileira acha-se na redução dos investimentos. Os dados da tabela anexa mostram a queda na formação de capital, que certamente deve ter se agravado durante 1987. O virtual desaparecimento das poupanças externas e públicas sancionará a baixa propensão a investir por parte do empresariado. Mais grave ainda é que não há no horizonte qualquer perspectiva de saneamento das contas do setor público, nem de incentivo à entrada de capitais externos. São as consequências da recusa do governo em atacar de frente a questão dos gastos públicos, bem como da moratória de fevereiro último que, embora parcialmente superada, ainda acarretará sérias consequências para o Brasil nos próximos anos. Quanto aos aspectos conjunturais relativos à inflação, não se deve esperar que a estabilização momentânea signifique a ausência de fatores inflacionários graves. Apenas o forte desaquecimento da economia justifica sua permanência no atual patamar. O potencial inflacionário dos reajustes salariais que vêm ocorrendo nos últimos meses e que deverão prosseguir em 1988 poderá iniciar nova escalada de preços. Da mesma forma, choques de oferta e o estouro do déficit público serão constantes ameaças à estabilidade dos índices inflacionários. Como se vê, 1988 não promete ser um bom ano. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Controles nocivos

    A excessiva ingerência do Estado na economia gera enormes distorções. Por um lado, nota-se que os mecanismos de intervenção não são eficazes e geram efeitos indesejáveis. Por outro, na tentativa de corrigir desvios, criam-se novas formas de controle que tendem a agravar o que se desejava corrigir. Nesta semana, houve dois exemplos nítidos destes comportamentos. O primeiro foi o reconhecimento, por parte de técnicos do governo, de que o CIP estaria gerando uma rigidez para baixo das taxas de inflação, sem contudo impedir que ela se eleve. O segundo é o decreto 95.682 anunciado como um pacote antidéficit público. No caso do CIP, foi explicitado o que muitos já suspeitavam. Quando a demanda está aquecida, abrindo espaço para aumentos de preços, é comum as empresas usarem artifícios para burlar o tabelamento. Segundo um documento preparado por técnicos do governo, existem quatorze maneiras que acabam tornando os controles de preços uma grande farsa. Quando a demanda está desaquecida, dificultando a elevação de preços, o CIP serve como um protetor para justificar remarcações. Nota-se, portanto, que a atuação do órgão não é capaz de evitar o aumento de preços; e pior, impede que eles caiam. Este é um exemplo claro de como um mecanismo criado apenas para controlar setores altamente concentrados - quando se justifica plenamente a intervenção pública - acaba se hipertrofiando com consequências altamente nocivas para a economia. O outro exemplo está na última tentativa do governo de se autocontrolar, uma tarefa difícil numa estrutura agigantada como a sua. Para causar impacto, o governo tomou medidas draconianas de contenção de gastos. Mas a administração não detém os controles da máquina pública. Ignora as informações mais rudimentares para que qualquer administrador tome decisões racionais. Isto não impediu, contudo, que fossem anunciadas providências bombásticas, tais como total proibição de novas contratações (mesmo nos casos de cargos vagos), extinção de 40 mil vagas na administração direta, redução de 5% reais nas despesas das estatais, inclusive com pessoal, além de outras medidas, como o aumento para 40 horas da jornada de trabalho no serviço público. Não há como criticar a intenção de controlar o déficit público. O que preocupa é que medidas genéricas tenham sido tomadas, aplicáveis a todas as empresas, independentemente de suas peculiaridades. Cortam-se despesas das boas e das más. Impedem-se contratações em setores estagnados e também naqueles mais dinâmicos, em fase de investimentos. O correto seria uma avaliação criteriosa do universo do setor público capaz de identificar tratamentos diferenciados para situações distintas. O atual procedimento terá como resultado um conjunto de órgãos e empresas enfraquecidos; o setor público será cada vez mais um gigante subnutrido. Certamente existirão áreas de atuação governamental que exigem maiores investimentos, mais recursos para modernização e melhores salários, nos moldes das empresas privadas; outras deveriam ser privatizadas, por qualquer preço, pois apenas contribuem para acentuar o desequilíbrio financeiro do governo. Não será com providências tópicas, de emergência, que serão equacionadas as contradições da presença do Estado na economia. Há necessidade de um programa abrangente de privatização, concomitantemente com planos de investimentos em setores onde a presença do governo seja essencial. A atual linha de conduta da administração apenas joga o problema para o futuro, e o resultado será um setor público cada vez mais incapaz de desempenhar suas funções, sem falar nos desequilíbrios financeiros que continuarão presentes. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Maílson já fez seu pacote

    Os recentes percalços enfrentados pela equipe econômica do governo, no que diz respeito às alterações na política salarial para funcionários do setor público, vêm resultando em efeitos altamente perversos. Assistimos, não sem grande dose de perplexidade, ao crescimento da inflação, que ameaça chegar rapidamente aos 20% mensais. Ao mesmo tempo, os indicadores de atividade mostram que a economia está em franco processo de desaquecimento, com o aumento nas taxas de desemprego e desaceleração na expansão industrial e no comércio. Em meio a todas essas dificuldades, surge ainda a perspectiva de um novo congelamento geral, que contribui para exacerbar a tendência de elevação de preços, como já pode ser constatado por algumas sondagens no comércio varejista. No meio destas profundas incertezas, é natural indagar acerca das diretrizes de política econômica adotadas pelas autoridades e questionar a efetividade da orientação dos ministros Maílson da Nóbrega e João Batista de Abreu. Certamente, importantes passos já foram tomados pela atual equipe econômica, embora de forma discreta. Consolidou-se parte do pacote fiscal do ex-ministro Bresser Pereira; caminha-se no sentido da normalização das relações do Brasil com a comunidade financeira internacional, inclusive com a regulamentação das operações de conversão da dívida em capital de risco; congelaram-se os créditos de instituições financeiras (públicas e privadas) para estatais, Estados e municípios; proibiram-se novas contratações de funcionários; impuseram-se cortes de 5% reais em 1988 nos dispêndios com pessoal e serviços de terceiros; aumentaram-se os depósitos compulsórios dos bancos comerciais; limitaram-se os reajustes salariais de servidores públicos por ocasião de suas datas-base. Enfim, já foi decretado no Brasil, independentemente do que ocorra com a URP dos funcionários públicos, um autêntico pacote antiinflacionário, calcado em medidas de austeridade e contenção da demanda agregada. Contudo, e por causa do episódio da URP, ainda persiste enorme intranquilidade. De fato, como aliás seria de esperar, medidas desta natureza não são aceitas sem dificuldades. A suspensão da URP no setor governamental é a primeira grande barreira que as autoridades enfrentam para fazer valer seus planos ortodoxos de combate à inflação. E, neste impasse, mais uma vez o presidente Sarney vacila, comprometendo seriamente todas as demais providências já adotadas anteriormente. Há que lembrar que a tradição na Nova República tem sido a de desrespeito às determinações oficiais, a de intenções que não se concretizam e a de descrença na capacidade do governo de impor suas diretrizes, principalmente dentro do próprio setor público. Assistimos agora mais uma tentativa de estabilização da economia, desta vez pelo doloroso, porém inevitável, caminho da retração. Resta saber se as providências serão acatadas, se haverá continuidade nos rumos escolhidos e se a equipe econômica encontrará espaço para impor suas convicções. Independentemente do que ocorra com a URP dos funcionários públicos, o pacote de Maílson já foi decretado. Se ele pega, é outra história. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Salários, inflação e lucros

    O empresariado brasileiro parece estar disposto a conceder reajustes salariais acima da URP. As declarações de vários líderes da indústria apontam no sentido da necessidade de recompor os salários reais perdidos ao longo de 1987, a fim de evitar que o mercado interno se torne ainda mais desaquecido. O que chama a atenção nesta aparentemente louvável atitude da classe produtora é que não se toca no ponto realmente importante da questão. Os aumentos salariais serão repassados aos preços, ou os empresários estão preparados para reduzir suas margens de lucro por unidade vendida na expectativa de que o aquecimento na demanda acabará resultando em lucros mais altos pelo aproveitamento de economias de escala e de capacidade ociosa? A verdadeira questão é esta, pois qualquer acordo que implique apenas elevação de salários nominais em nada ajudará no fortalecimento da demanda interna. Cabe apontar que os aumentos de salários por conta da inflação passada não se mostraram capazes de proteger o poder de compra do assalariado. Pelo contrário, a experiência de 1987 mostrou que a maior indexação salarial apenas corroeu ainda mais os salários reais, ao mesmo tempo em que levou a economia à beira de um processo hiperinflacionário - risco que estamos novamente correndo. De certa forma, fica a impressão de que o raciocínio por trás desta disposição do empresariado em conceder aumentos salariais é o de que os aumentos que os empresários concedem a seus trabalhadores rapidamente revertem em maiores lucros pela exacerbação inflacionária. O mecanismo é o seguinte: os aumentos de salários acabam se transformando em justificativa para que os preços sejam majorados na mesma proporção. Os setores mais concentrados, com maior poder de mercado, usam a desculpa do aumento dos salários para aumentar seus preços a taxas mais elevadas do que a justificada pelo acréscimo na folha de salários. Com isso, conseguem aumentar suas margens de lucro. Na medida em que não encontrem uma intransponível limitação de mercado, este estratagema vem se tornando uma eficiente forma de aumentar lucros. Em compensação, os setores mais competitivos da economia, incapazes de repassar seus aumentos salariais para os preços, são obrigados a reduzir suas atividades, fazendo o ajuste pelo acréscimo das taxas de desemprego. É por isso que a indexação salarial, de forma tão acentuada como a que vem sendo praticada, acaba se transformando num eficiente mecanismo de arrocho salarial, aumento de desemprego, desaquecimento da demanda e aumento dos lucros. No entanto, esses lucros acabam sendo totalmente transferidos para os circuitos financeiros, não se transformando em investimentos e expansão da capacidade produtiva da economia. A superação deste impasse exigirá maior liberdade nos acordos trabalhistas. O governo deve garantir uma compensação obrigatória pela inflação em intervalos fixos. Isso é necessário apenas para dar um mínimo de garantia aos trabalhadores em setores onde tenham pouco poder de barganha. Nos demais, a regra deve ser a ausência de regras. Nos trabalhadores e empregadores de setores em que os acordos implicarem aumentos de salários reais, que esses sejam concedidos na medida do potencial econômico desses setores e da capacidade de negociação de seus trabalhadores. No entanto, qualquer que seja o resultado dessas negociações, os empresários não terão a obrigação de realizar reajustes salariais mensais como justificativa para aumentos de preços. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Vai piorar antes de melhorar

    O prazo que o ministro Mailson da Nóbrega achava que teria para fazer os ajustes na economia brasileira está se mostrando mais curto do que poderia prever. Não se pôde contar com uma evolução favorável de alguns importantes indicadores, como a inflação, o nível de atividade e as contas públicas. Ao que parece, os primeiros projetos de seu ministério já começam a ser sabotados pela Presidência da República. O próprio ministro expressa seu descontentamento ao afirmar que "quebraram o país", "assim não dá" e ao descrever como "espantosa" a hesitação do governo na concretização de medidas de estabilização da economia. O resultado é que já se começa novamente a falar em novos programas heterodoxos, como congelamento de preços, de salários e até mesmo de ativos financeiros. Parece que se acendeu o fogo para iniciar um novo processo de reestruturação ministerial. Certamente, as soluções não são fáceis; muitas delas nem sequer são conhecidas com a profundidade desejada. No entanto, há uma grande concordância em dois pontos fundamentais. Primeiro, a imperiosa necessidade de combater o déficit público; segundo, a necessidade de criar alguma alternativa para a política salarial, pois a atual exacerba a inflação e não protege o salário real do trabalhador. Nesses dois pontos, no entanto, as atitudes da administração têm sido decepcionantes. A prioridade tantas vezes verbalizada de que o déficit público será controlado não encontra eco nas ações concretas do governo. As providências tomadas, principalmente o decreto nº 95.682 de janeiro último, são medidas inadequadas. De forma ingênua e desinformada, exigem cortes lineares de despesas, obstruem qualquer tentativa de impor racionalidade à administração pública e apenas resultarão em distorções que fatalmente produzirão desequilíbrios orçamentários ainda maiores no futuro. Sem falar na degradação dos serviços prestados. A solução definitiva envolve o redimensionamento do papel do governo na estrutura produtiva e, consequentemente, a abertura de novas áreas de investimento para o setor privado. Isso a administração Sarney não faz, preferindo deixar à míngua as empresas estatais e inviabilizar o necessário reaparelhamento dos setores sociais da atuação pública. Quanto à questão salarial, muito se fala, mas pouco é feito. A saída deve ser a da livre negociação. Ao mesmo tempo em que a URP significa um insuportável ônus para determinados setores mais competitivos, onde proliferarão focos de desemprego, também implica, para outros, apenas um imediato repasse para os preços, geralmente aos níveis da inflação que são superiores aos reajustes salariais. O presidente da República, mais uma vez, pede tempo ao ministro da Fazenda para fazer o que precisa ser feito. Neste ritmo, a situação econômica deve piorar antes de melhorar. Resta saber o que pode acontecer neste ínterim. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Pela livre negociação salarial

    A livre negociação encontra oposição entre os beneficiados da atual política salarial - o grande capital e o comércio - e, paradoxalmente, também entre os mais prejudicados - os assalariados. O grande capital, normalmente concentrado em atividades oligopolizadas, prefere a manutenção da atual sistemática da URP por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, evita o desgaste das negociações salariais livres. Esta prática, se adotada, passaria a exigir tanto dos empregadores quanto dos empregados maior transparência em suas posições de negociação. Certamente as margens de lucro e de rentabilidade das empresas passariam a ser minuciosamente analisadas pelos interessados. Além deste "inconveniente" processo de negociação, a indexação dos salários pela URP fornece às empresas uma excelente cobertura para aumentarem seus preços. Os aumentos de salários são gerais, justificando, por sua compulsoriedade, uma concomitante, porém sempre mais alta, elevação de preços. No final, as correções transformam-se num engodo para a população assalariada, pois apenas seus salários nominais são aumentados. O comércio, por outro lado, não é fortemente afetado pela atual política salarial, pois a sistemática de remuneração de grande parte de seus trabalhadores se baseia numa parcela fixa, sobre a qual se aplica a URP e mais um comissionamento, que depende do volume de vendas. Neste caso, o impacto da indexação salarial compulsória sobre seus custos é grandemente amortecido. Por parte dos assalariados, a oposição à livre negociação se baseia no argumento da grande disparidade no poder de negociação das diferentes categorias profissionais. Segundo este raciocínio, os trabalhadores menos organizados correriam o risco de serem prejudicados. Os fatos não mostram que o movimento sindical brasileiro tenha grandes bolsões de inoperância. Existe hoje ampla liberdade para uma atuação eficaz dos trabalhadores. Como bem mostrou o professor Paul Singer em recente artigo nesta Folha, a URP vem sendo um piso frequentemente superado pelas correções de salários. Neste sentido, nada há a temer, pois as negociações poderão até mesmo estabelecer formas de reajustes que sejam até mais vantajosas, para certos setores, do que a atual política. Além disso, que as centrais sindicais se tornem mais atuantes no sentido de apoiar os sindicatos considerados mais fracos. Por outro lado, há que notar o reverso da medalha. Também entre as empresas existem setores competitivos, onde os reajustes obrigatórios pela URP não podem ser repassados aos preços. Nestes casos, a atual política salarial levará inexoravelmente a uma de suas saídas: o desemprego ou a marginalidade nas relações trabalhistas. A livre negociação salarial é uma meta a ser atingida como meio para preservar empregos, promover a concorrência entre as empresas, e também como um importante coadjuvante no combate à inercialidade inflacionária. É certo que isoladamente a eliminação da URP não terá impactos significativos no combate à inflação. Precisa ocorrer dentro de um conjunto de medidas que ataquem suas causas estruturais, dentre as quais se destaca a contenção do déficit público, como o governo vem tentando. Infelizmente, contudo, a sociedade acostumou-se à presença do Estado na economia e deseja ser por ele tutelada. O recuo na questão das taxas escolares demonstra isto com clareza. É certo que a liberação das mensalidades ocorreu de forma atabalhoada, sem as precauções necessárias para impedir que a transição para uma maior liberdade ocorresse de forma menos tumultuada. Neste sentido, ao invés de um retorno aos rígidos controles praticados anteriormente, caberia ao governo insistir em seu primeiro intento e estabelecer um mecanismo de gradual relaxamento dos controles, como de resto se torna necessário nos mercados de aluguéis residenciais e de mão-de-obra. De certa forma, o nível de salários reais não é formado pela política salarial, mas sim pelas forças de mercado. Viu-se que no Cruzado os salários reais aumentaram, e no ano passado caíram, à revelia das fórmulas de reajustes decretadas pelo governo. A inflação e o desemprego são os meios de contornar os rigores da legislação no caso de mercados desaquecidos, da mesma forma que a expansão econômica gera a valorização relativa do trabalho. A proposta recentemente apresentada pelos professores José Pastore e Hélio Zylberstajn nesta Folha, de reduzir gradualmente a reposição salarial mediante um redutor crescente ao longo de um determinado número de períodos, parece ser o caminho correto para aplacar a ansiedade daqueles que temem a livre negociação. Mecanismos semelhantes poderiam ser idealizados para outros mercados regulados pelo governo. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • A novela da URP

    A eliminação, total ou parcial, da URP para o funcionalismo público federal vem sendo enfocada basicamente como uma medida para equilibrar o fluxo de caixa do Tesouro. Neste sentido, é um instrumento no combate do déficit público, tendo como meta final conter os efeitos inflacionários causados pelos excessivos gastos do governo. Quanto à aplicação da URP no setor privado, empresários e assalariados selaram um pacto pela sua manutenção. A preservação do poder aquisitivo dos salários e do emprego é apresentada como justificativa para este acordo, que, contudo, contém um apelo conjunto para a institucionalização da livre negociação salarial. Realmente é curioso o raciocínio do manifesto assinado por empregadores e empregados. Ao que consta, nada impede que os salários privados sejam livremente fixados, desde que a antecipação mínima, referenciada pela URP, seja concedida mensalmente. Neste sentido, a manutenção ou não da URP como um benefício concreto não depende da legislação trabalhista - depende apenas da vontade das partes. A explicação para esta aparente contradição está no repasse dos aumentos de salários aos preços. Mesmo sem a obrigatoriedade da URP, as empresas poderiam conceder os aumentos salariais que julgassem suficientes para manter o nível de demanda desejado. Mas por sua própria conta e risco. Se derem aumentos mais elevados que seus concorrentes e tentarem repassar integralmente o aumento de custos aos preços, poderão perder mercado. Já com a obrigatoriedade da URP, todas empresas são forçadas a dar os mesmos aumentos, todos elevarão preços pelos mesmos índices de indexação e, assim, poderão conviver pacificamente, sem os inconvenientes da concorrência. Esta estratégia é boa para as empresas - que mantêm tranquilamente margens de lucros aceitáveis; é enganosa para os trabalhadores, aos quais são concedidos apenas reajustes nominais, não reais, de salários; é péssima para o consumidor, que se vê privado dos efeitos salutares da concorrência. Mas a URP ainda tem outros inconvenientes. Foi idealizada para ser um indexador num contexto de inflação baixa, pós-congelamento. Agora que a inflação se aproxima de 20% ao mês, os assalariados acumularam perdas progressivas. Março é o primeiro mês em que a URP foi maior que o aumento geral de preços, mas não se espera que isto seja uma tendência duradoura. Neste sentido, por ocasião das datas-base, os acordos salariais, bem como as decisões judiciais, vêm recompondo integralmente o valor real dos salários, incorporando inclusive a inflação de junho (26%) que o governo pretendia excluir. O fato é que esta tendência de recomposição integral vem, desde setembro do ano passado, recolocando os salários reais em patamares semelhantes aos do fim do Plano Cruzado. Mais seis meses e a totalidade dos trabalhadores terá seus rendimentos recompostos, contando ainda com a indexação mensal da URP. Isto significa duas coisas. Primeiro, que o mercado interno será paulatinamente fortalecido com a progressiva chegada de contingentes de assalariados em suas datas-base. Alguns indicadores conjunturais já começam a mostrar uma inflexão no nível de atividade interna, mostrando que a economia brasileira já pode ter atingido o fundo do poço. Em segundo lugar, cabe verificar que o baixo nível de investimentos nos últimos anos restringe a capacidade de crescimento da oferta. A expansão da demanda irá esbarrar, dentro de alguns meses, nas limitações de produção, como ocorreu durante o Plano Cruzado. Neste caso, estarão criadas as condições para um novo surto inflacionário de demanda que, via corrosão salarial, irá reequilibrar o mercado consumidor. Por estas razões é que a URP deve ser extinta para todos os assalariados e substituída por livre e irrestrita negociação entre empregados e empregadores. Os setores que desejarem praticar uma política salarial mais generosa que o façam por sua conta e risco. O que não pode ocorrer é que empresas em setores mais competitivos, incapazes de repassar acréscimos de custos aos preços, sejam prejudicadas pela obrigatoriedade de correção de salários, deixando-lhes como única opção a rotatividade de mão-de-obra ou, então, a cessação de suas atividades. Além disso, é preciso cortar a automaticidade na espiral salários-preços, sancionada pela aplicação da URP, que apenas realimenta a inflação e eleva salários nominais. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • As condições para os ajustes

    Apesar das dificuldades, a atual equipe econômica vem desempenhando um importante papel para a superação da crise. Mesmo sem poder apresentar quaisquer resultados concretos, foram tomadas importantes providências no sentido de finalizar o ajuste externo iniciado pelo ex-ministro Bresser Pereira e de iniciar um programa consistente de ajustamento interno. A suspensão da moratória reflete, acima de tudo, uma postura política em relação aos credores externos. Foi uma manifestação de realismo do Brasil e um reconhecimento de que o confronto com a comunidade financeira internacional não resultou em benefícios concretos para o país. Por outro lado, sabendo-se que as reservas encontravam-se em cerca de US$ 4 bilhões, não se poderia imaginar que os pagamentos de juros poderiam ser regularizados de imediato, nem mesmo com perspectivas de obtenção de superávits comerciais volumosos, como os que vêm sendo realizados. Neste sentido, a suspensão da moratória não era, nem poderia ser, garantia de recebimento por parte dos credores. De fato, o pagamento dos juros atrasados e o cumprimento dos compromissos correntes até o final de 1988 exigirão novos financiamentos, que poderão atingir cifras próximas de US$ 6 bilhões. Os bancos credores sabem que terão de concedê-los, mas pressionam pela obtenção de garantias. Avais de instituições como o Banco Mundial, interveniência das autoridades econômicas dos países desenvolvidos e planos de ajustamento para a economia brasileira com a anuência do FMI são algumas das exigências dos credores. Cabe ao Brasil, frente a esta situação, negociar dentro de suas possibilidades, pois tem a seu lado um poderoso aliado: o inexorável fato de não possuir reservas. É importante lembrar que o Brasil já completou seu ajustamento estrutural externo; falta apenas regularizar o fluxo de caixa. O forte desaquecimento da demanda doméstica e a drástica redução dos salários reais ao longo de 1987 já criaram condições para a obtenção de altos superávits comerciais. Mas ainda falta o principal - passar por um processo de estabilização da economia, reduzindo a inflação e permitindo taxas de crescimento mais estáveis nos próximos anos. Já foram tomadas importantes providências para a contenção dos desequilíbrios orçamentários públicos. Não são suficientes, mas se cumpridas, e complementadas por programas orientados para incentivar os investimentos privados - internos e externos - e para o equacionamento dos conflitos oriundos da excessiva participação do Estado na economia, estarão abrindo caminhos para a superação da atual crise econômica brasileira. Dentro de um contexto abrangente de políticas de estabilização, como vem sendo tentado pelo ministro da Fazenda, as resistências às medidas de austeridade seriam diminuídas. Isoladamente não há como implementar pacificamente uma suspensão da URP apenas para o funcionalismo público, embora seja possível justificar esta aparente discriminação; também seria difícil aceitar um novo congelamento desacompanhado de todo um conjunto de medidas de contenção das principais causas da inflação. Porém, com um programa integrado, fica mais fácil completar o ajuste externo e estabilizar a inflação. Foram criadas as condições econômicas para que isto possa ocorrer; resta ao presidente Sarney criar as condições políticas. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • O lento despertar do presidente

    Finalmente, o governo decretou medidas para amenizar a questão da folha de pagamentos do funcionalismo federal. Elas vieram juntamente com outras providências, de características mais cosméticas, tais como os incentivos para demissões voluntárias - que certamente não serão eficazes - e limitações nos rendimentos adicionais de certas categorias que terão igualmente um impacto reduzido, senão nulo. É sabido que o corte nos rendimentos dos funcionários públicos e das estatais tem uma característica emergencial, a partir da constatação de que sérios problemas de caixa poderiam surgir em breve nas contas do Tesouro. Por outro lado, se as previsões do governo estiverem corretas, o déficit público poderá ser reduzido em cerca de 1,5% do PIB com estas medidas. Não se pode dizer que se trata de um pacote fraco, embora certamente ainda haja muito por fazer para um efetivo combate ao déficit público, projetado na ausência de medidas corretivas em cerca de 8% do PIB para 1988. O país se acostumou a ser administrado por meio de grandes pacotes, anunciados com pompa e circunstância. Destarte, quando medidas de ajuste são trazidas a público quase que individualmente, fica a sensação de que pouco vem sendo feito. É fato que providências capazes de produzir um impacto mais forte na redução do déficit público ainda não foram anunciadas. Isso inclui a eliminação de subsídios. Também não foram definidas as linhas do programa de desestatização, da reforma bancária, da reforma administrativa do setor público e outras, sem as quais não se conseguirá a desejada modernização da economia. Em compensação, em cerca de 90 dias de gestão, a atual equipe econômica consolidou o ajuste externo, iniciado pelo ex-ministro Bresser Pereira. Está em vias de restaurar o relacionamento do país com a comunidade financeira internacional. Iniciou o polêmico processo de conversão de dívida em investimento. Congelou o crédito às estatais, aos Estados e aos municípios, de onde se espera uma redução adicional de 1% do PIB no déficit público. Decretou a proibição de novas contratações e a redução de 5% reais nos gastos de custeio das estatais. Elevou os depósitos compulsórios dos bancos para enxugar o excesso de liquidez. Tomou, enfim, uma série de providências que, se anunciadas em conjunto, certamente não seriam taxadas de tímidas ou ineficazes. Os mais céticos, e quase todos nós seríamos incluídos nesta categoria, perguntariam se este conjunto de medidas é para valer. Afinal, episódios recentes mostram que nos últimos anos pouco tem sido feito, não obstante a profusão de atos administrativos e de declarações em contrário. Não há como saber. Há indícios de que desta vez o governo mostra-se disposto a impor sua política econômica. Mas a única certeza é que esta é a última oportunidade do governo Sarney para iniciar um programa de recuperação da economia brasileira. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (1/4)

    O "Monitor" de hoje e das próximas três semanas foram extraídos de um "paper" que apresentei no 2º Encontro de Lisboa, realizado nos dias 7 e 8 de maio. Patrocinado pelo Partido Social Democrata português e pela Fundação Friedrich Naumann, o segundo "Lisboa Meeting" teve a participação de líderes políticos liberais de mais de 30 países, inclusive do primeiro-ministro Cavaco Silva, de Portugal, e do ministro da Economia da Alemanha, Martin Bangemann. O principal objetivo dessas reuniões é discutir a cooperação econômica internacional e, particularmente, o desenvolvimento econômico nos países do Terceiro Mundo. O texto que se segue é parte de uma tentativa de avaliar o "modelo da Cepal" versus o "modelo asiático", ou seja, a substituição de importações versus exportações, o mercado interno versus o externo, o intervencionismo estatal versus a liberalização de economia. Falar sobre países em desenvolvimento no mundo de hoje implica generalizações nem sempre justificáveis. Este exercício é dificultado pelas enormes variações observadas nos critérios usualmente aceitos como indicadores de progresso econômico. China e Índia, os dois maiores contingentes populacionais do mundo, tiveram em 1985 uma renda per capita anual de US$ 290; a Etiópia não conseguiu ultrapassar US$ 110. Numa posição intermediária situam-se países como o Peru (US$ 1.285), Colômbia (US$ 1.320) e Síria (US$ 1.560), seguidos num intervalo superior de Brasil (US$ 1.640), Malásia (US$ 1.288), Portugal (US$ 1.970), Venezuela (US$ 3.080) e Grécia (US$ 3.550). Finalmente, no topo da pirâmide das nações em desenvolvimento situam-se Israel (US$ 4.990), Hong Kong (US$ 6.230) e Cingapura (US$ 7.420), não se incluindo os exportadores de petróleo de alta renda. Tamanha disparidade em suas rendas per capita, que atingem proporções de 70 para 1 (Cingapura é Etiópia), mostra-se ainda mais intensa que a proporção entre o PIB de países em desenvolvimento de renda média, cerca de US$ 1.300, e o da média das economias industriais de mercado, US$ 11.810. Mesmo tomando-se o caso dos EUA, cuja renda per capita foi, ainda em 1985, de US$ 16.690, a relação frente à média dos países em desenvolvimento não atinge 13 para 1. Tais discrepâncias entre países em desenvolvimento tornam-se ainda mais graves quando são levados em consideração indicadores de distribuição de renda. As disparidades de renda per capita transformam-se em brutais diferenças no bem-estar da população, quando considerado que entre os países em desenvolvimento os 10% mais ricos da população têm sempre uma participação na renda superior a 30%, ao passo que a participação dos 20% mais pobres não supera 7% dos rendimentos. A renda dos 20% mais ricos frequentemente é seis ou sete vezes maior do que a dos 20% mais pobres, atingindo extremos como no Brasil e Costa do Marfim, onde este indicador de desigualdade chega próximo de 30 (33 e 25, respectivamente). A título de comparação, entre as economias industriais de mercado, o maior valor obtido, segundo os dados do Banco Mundial, foi 8,7, verificado na Austrália e na Nova Zelândia. Nos EUA atinge 7,5, na Suécia 5,6 e no Japão e Holanda 4,3. Das discrepâncias de renda, agravadas com as disparidades distributivas, resultam enormes variações nos indicadores sociais. Na escala inferior dos países em desenvolvimento a expectativa de vida é de cerca de 50 anos (Butão 44, Etiópia 45, Paquistão e Bangladesh 51), ao passo que no intervalo superior, vários países superam 70 anos, índice semelhante ao das economias industriais de mercado, de 76 anos em média (Brasil 65, México 67, Argentina 70, Uruguai 72 e Portugal 74). Nos países mais pobres o número de matrículas na educação secundária é de 32% do grupo etário apropriado (Etiópia 12%, Birmânia 24%, Índia 34% e Zaire 57%); nos países em desenvolvimento de renda média chega a 56% em média (Brasil 35%, Portugal 47%, México 55%, Grécia 82%). Nas economias industriais de mercado este índice atinge 90%. O consumo de energia per capita equivalente em quilos de carvão por ano é de 692 kg no Equador e de 3.029 kg na Venezuela. Apenas 50% da população mexicana dispõem de água encanada, enquanto que no Uruguai chegam a 81%. Em resumo, as disparidades são tantas entre os países subdesenvolvidos que torna-se difícil abordar o problema do crescimento e do desenvolvimento econômico de modo uniforme. Existem ainda as diferenças geográficas, culturais e a própria evolução histórica de cada sociedade. Como analisar conjuntamente a América Latina, onde vários países tinham em 1960 uma renda per capita superior à do Japão e de vários países europeus, com países da África que nunca superaram a mais estrita miséria? A Argentina teve nas primeiras décadas deste século uma renda per capita equivalente à da França. Hoje é inferior à da Espanha e da Grécia e equivalente à da Coréia. Em 1960, Uruguai e Venezuela superaram a Itália, a Espanha e o Japão em suas rendas per capita; a da Argentina era três vezes maior do que a da Coréia, e a do Chile era próxima à da Espanha e superior à de Portugal e Grécia. Mas em 1985, as maiores rendas per capita da América Latina não atingiam US$ 2.800, enquanto que a da Coréia saltou para US$ 2.648, a do Japão para US$ 7.130, a da Itália para US$ 4.808, a da Espanha para US$ 4.336, a da Cingapura para US$ 5.000 e a de Formosa para US$ 3.160. Notam-se, portanto, descontinuidades profundas na evolução econômica dos países em desenvolvimento. A tendência à estagnação de vários países como é o caso de algumas nações africanas da Ásia e da América Latina - contrasta com a meteórica explosão de crescimento verificado no Japão e em outros países da Ásia como Cingapura, Coréia, Taiwan e Hong Kong. No meio, encontram-se os casos latino-americanos de economias que mostraram dinamismo até o final da década de 60, mas que, com a possível e ainda incerta exceção do Brasil, convivem nos últimos 20 anos com uma estagnação econômica que ameaça tornar-se crônica e cada vez mais difícil de ser superada. Frente a tanta diversidade, como apontar o caminho para o desenvolvimento econômico? MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

  • Cepal versus tigres asiáticos (2/4)

    A enorme diversidade nas estruturas econômicas dos países do Terceiro Mundo dificulta qualquer raciocínio unificado sobre as condições necessárias para o desenvolvimento. No entanto, há um condicionante fundamental para o crescimento de todas as nações subdesenvolvidas. Neste segundo artigo sobre modelos de desenvolvimento, abordaremos o impacto das economias industrializadas nos países pobres. O que esperar dos países desenvolvidos O PIB das economias desenvolvidas, excluindo a União Soviética e alguns outros países socialistas, equivale a cerca de quatro vezes o valor total do PIB das nações em desenvolvimento - cerca de US$ 2.500 bilhões contra US$ 10.000 bilhões. Com tamanha importância na geração global de bens e serviços, as políticas econômicas adotadas nos países industrializados tornam-se fundamentais para o crescimento dos países pobres. A inter-relação entre desenvolvidos e subdesenvolvidos ocorre por meio de dois canais principais - comércio internacional e poupança externa. Na medida em que a evolução destes dois fluxos dependa do crescimento econômico nos países ricos, também o desenvolvimento econômico nos países pobres estará intimamente ligado à performance das principais economias da Europa, do Japão e dos EUA. Neste sentido, a manutenção do crescimento econômico das economias industrializadas de alta renda é condição necessária para qualquer esforço de intensificação do crescimento econômico nas nações em desenvolvimento. Entre 1965 e 1973, a média anual de crescimento dos países industrializados de mercado foi de 4,7% ao ano; entre 1973 e 1980 caiu para 2,8%. Em 1984 houve uma expansão de 4,6%, mas logo em seguida retornou ao padrão dos últimos 15 anos, de 2,8% em 1985 e 2,5% em 1986. Neste período, também a taxa média de crescimento anual dos países do Terceiro Mundo caiu de 6,5% entre 1965 e 1973 para 5,4% entre 1973 e 1980. Em 1984 o crescimento médio atingiu 5,1%, caindo em 1985 e 1986 para 4,8% e 4,2%. Nota-se assim uma forte correlação nas tendências de crescimento, evidenciando as ligações existentes entre as economias ricas e pobres do mundo. Aproximadamente dois terços das exportações dos países em desenvolvimento vão para as economias industrializadas, ao passo que cerca de 70% das exportações dos países ricos vão para eles próprios. A assimetria é evidente. Os países em desenvolvimento dependem essencialmente das importações dos países industrializados, enquanto estes últimos embarcam apenas cerca de 25% do total de suas exportações para os países pobres. A partir de meados da década de 70, houve um enorme retrocesso na tendência mundial de liberalização do comércio internacional iniciada após a 2a Guerra Mundial. Os acordos internacionais de redução tarifária não abrangeram produtos agrícolas e bens industriais exportados pelos países em desenvolvimento com a mesma intensidade com que atingiram a pauta de exportações dos países industrializados. E a recessão mundial de 1974-75 iniciou uma nova onda protecionista nos países industrializados, implicando o uso de novos instrumentos como controles de preços, controles de qualidade, limitações "voluntárias" e outros tipos de restrições. O importante a ser enfatizado, contudo, é que este movimento neo-protecionista atingiu mais fortemente os países em desenvolvimento e particularmente a América Latina. Em 1984 quase 21% das importações dos países industrializados oriundas de países do Terceiro Mundo estavam sujeitas a restrições não-tarifárias, contra apenas 11,3% dos produtos dos países ricos. Há algumas exigências básicas para que o crescimento econômico nos países pobres possa ser sustentado: a) um crescimento médio nas economias industrializadas de pelo menos 3% ao ano; b) maior abertura nos mercados dos países industrializados para mercadorias dos países em desenvolvimento, principalmente pela redução do protecionismo, velado ou explícito; c) maior estabilidade nas taxas de câmbio das moedas dos países desenvolvidos. É consenso que para a obtenção desses objetivos, importantes não apenas para a estabilidade nos países desenvolvidos mas também para impulsionar o crescimento econômico dos países pobres, os EUA reequilibrem sua política fiscal vis-a-vis sua política monetária, reduzindo sua demanda interna e consequentemente seus déficits fiscal e comercial. Por outro lado, caberia aos países mais dinâmicos, como a Alemanha e o Japão, expandir suas economias de forma a manter a meta de um crescimento médio mínimo de 3% ao ano. O crash de 1987 das principais Bolsas do mundo foi um primeiro alerta para a urgência de medidas corretivas nos EUA. A reação do governo norte-americano no sentido de expandir rapidamente a liquidez da economia - e com isso evitar o erro cometido em 1929, quando houve um movimento inverso que reforçou a recessão - poderá evitar a presença de um desaquecimento ainda mais forte da economia mundial. Por outro lado, esta opção implicará, provavelmente, o abandono do dólar, com todos os inconvenientes que acarretará. No próximo artigo, serão apontadas as diferenças fundamentais entre o ajustamento dos países altamente endividados e o dos exportadores de manufaturados às novas condições da economia internacional. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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